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O telefone tocou. Ele imediatamente reconheceu a voz baixa e meio rouca de Anne.

- Está ocupado?

- Não. Posso falar.

A voz dela era preocupada.

- Li no jornal que foi atropelado. Quis telefonar-lhe antes, mas não sabia onde encontrá-lo.

Judd procurou fazer com que sua voz soasse jovialmente.

- Não foi nada sério. Mas servirá para fazer com que eu passe a atravessar as ruas com mais

cuidado.

- Os jornais dizem que o motorista fugiu depois do acidente.

- É verdade.

- Descobriram quem era?

- Não. Provavelmente era algum garoto numa farra.

Numa limusine preta com os faróis apagados?

- Tem certeza? - indagou Anne.

A pergunta apanhou-o de surpresa.

- Como assim?

- Não sei muito bem - disse Anne, a voz hesitante. - É que… Carol foi assassinada. E agora

isso.

Então ela também juntara os acontecimentos.

- Até parece… que há um maníaco à solta, ao seu redor.

- Se isso é verdade - assegurou Judd - a polícia irá apanhá-lo.

- Está correndo algum perigo?

Judd ficou enternecido com a preocupação dela.

- É claro que não.

Houve um silêncio constrangedor. Havia tanta coisa que Judd queria dizer, só que não podia.

Ele não podia confundir um telefonema cordial com outra coisa qualquer. Anne estava demonstrando apenas a preocupação natural de um paciente para com o seu médico. Ela era do tipo que telefonaria para qualquer pessoa conhecida que estivesse em dificuldades. Não havia mais nada além disso.

- Irei vê-la na próxima sexta-feira? - indagou Judd.

- Claro.

Havia um tom estranho na voz dela. Será que pensava em mudar de idéia.

- Então o encontro está confirmado - disse ele rapidamente.

Só que não seria um encontro, mas sim uma consulta profissional.

- Está. Até lá, Dr. Stevens.

- Até lá, Sra. Blake. Obrigado pelo telefonema. Muito obrigado mesmo.

Ele desligou. E ficou pensando em Anne. Será que o marido dela tinha idéia de como era um

homem de sorte?

E por falar nisso, como seria o marido dela? Pelo pouco que Anne falara. Judd formara a

imagem de um homem atraente e atencioso. Era um desportista, inteligente e bem sucedido nos negócios. Doava dinheiro para as artes. Parecia o tipo de homem que Judd apreciaria ter como amigo. Em outras circunstâncias.

Qual poderia ser o problema de Anne, que ela receava discutir com o marido? Ou com seu

analista? Em se tratando de uma mulher com o caráter de Anne, provavelmente era algum sentimento de culpa originado por um romance que tivera antes ou depois de se casar. Judd não podia imaginá-la tendo romances ligeiros, que não deixavam marca alguma. Talvez ela lhe contasse tudo na próxima sexta-feira. Quando a veria pela última vez.

O resto da tarde passou rapidamente. Judd recebeu os poucos pacientes cujas consultas não

conseguira cancelar. Quando o último partiu, ele pegou a gravação da última sessão de Harrison Burke e, enquanto escutava, tomou algumas anotações.

Ao acabar, desligou o gravador. Não havia qualquer alternativa. Tinha que telefonar pela

manhã para o presidente da companhia de Burke e informá-lo do estado de seu vice-presidente.

Olhou pela janela e ficou surpreso ao ver que a noite já caíra. Eram quase oito horas. Agora que não mais estava concentrado em seu trabalho, Judd sentiu-se tenso e exausto. As costelas doíam e o braço latejava. Iria para casa e tomaria um bom banho quente.

Guardou todas as fitas no armário embutido na parede. Exceto a de Burke, que trancou

numa gaveta de uma mesinha lateral. Iria entregá-lo a um psiquiatra designado pelo Tribunal. Vestiu o casaco e estava se encaminhando para a porta quando o telefone tocou. Atendeu-o.

- Dr. Stevens falando.

Ninguém disse nada. Judd ouviu uma respiração pesada, anasalada.

- Alô?

O silêncio continuou, Judd desligou. Ficou imóvel por um momento, franzindo o rosto.

Número errado, concluiu finalmente. Apagou as luzes do consultório, trancou as portas e seguiu para o corredor dos elevadores. Todos os ocupantes das outras salas há muito que tinham ido embora. Era cedo demais para o pessoal da faxina noturna. Fora Bigelow, o vigia noturno, o prédio estava inteiramente vazio.

Judd foi até os elevadores e apertou o botão. O indicador de andar não se mexeu. Apertou

novamente o botão. Nada aconteceu.

E, nesse momento, todas as luzes do corredor se apagaram.

Capítulo 7

Judd ficou parado diante do elevador. A escuridão o envolvia como se fosse algo físico.

Sentiu o coração quase parar e, em seguida, disparar. Um medo súbito, atávico, dominou seu corpo.

Ele tateou nos bolsos, à procura de uma caixa de fósforos. Deixara-a no consultório. Talvez as luzes estivessem acessas nos andares inferiores. Andando lenta e cautelosamente, ele encaminhou-se para a porta que dava para a escada. Abriu-a. A escada também estava às escuras. æ distância, lá embaixo, viu o feixe de luz de uma lanterna subindo. Judd sentiu-se subitamente aliviado. Era Bigelow, o vigia noturno.

- Bigelow! Bigelow! Sou eu, o Dr. Stevens!

Sua voz ricocheteou nas paredes de concreto, ecoando lugrubemente pela escada. A pessoa

que segurava a lanterna continuou a subir, em silêncio, inexoravelmente.

- Quem está aí? - gritou Judd.

A única resposta foi o eco de suas próprias palavras.

E Judd soube subitamente quem estava ali, subindo a escada. Deviam ser pelo menos dois.

Um cortara a luz, no porão, enquanto o outro bloqueava a escada para impedir a sua fuga.

A luz da lanterna estava chegando perto, apenas dois ou três andares abaixo. O corpo de Judd

ficou gelado de medo. O coração batia-lhe descompassadamente, as pernas estavam fracas. Judd virou-se e subiu rapidamente os poucos degraus de volta ao seu andar. Abriu a porta e ficou parado, escutando. E se alguém estivesse esperando ali em cima, no corredor às escuras?

O som de passos, subindo a escada, estava agora mais perto. A boca seca, Judd virou-se e

percorreu o corredor escuro. Passou pelos elevadores e começou a contar as portas. Ao chegar ao seu consultório, ouviu a porta da escada se abrir novamente. As chaves escorregaram dos seus dedos nervosos e caíram no chão. Judd tateou freneticamente à procura delas, encontrou-as, abriu a porta da sala de recepção e entrou. Deu duas voltas na chave. Ninguém podia abrir aquela porta sem uma chave especial.

Ouviu passos que se aproximavam, no corredor lá fora. Judd entrou em sua própria sala e

apertou o interruptor. Nada aconteceu. Não havia luz alguma em todo o prédio. Ele trancou a porta que dava para a sala de recepção e foi até o telefone. Discou para a telefonista de auxílio. A campainha tocou três vezes antes que a telefonista atendesse. Era o único vínculo de Judd com o mundo exterior.

- Telefonista, é uma emergência. Aqui é o Dr. Stevens. Quero falar com o Detetive Frank

Angeli, no 19º Distrito. Por favor, depressa! - Pois não! O número do seu telefone, por favor?

Judd disse-o.

- Um momento por favor.

Judd ouviu alguém experimentando a porta que dava do corredor diretamente para a sua

sala. Não poderiam entrar por ali, porque a porta não tinha nenhuma maçaneta pelo lado de fora.

- Depressa, telefonista!

- Um momento, por favor.

A voz da telefonista era impessoal, sem nenhuma pressa. Houve um zumbido na linha e