Era como língua apalpando um dente dolorido.
- Somos.
Judd sabia como ela deveria ser na cama: excitante, feminina, entregando-se toda. "Céus",
pensou ele, "mude logo de assunto"!
- Quer ter filhos?
- Quero.
- Seu marido também quer?
- Claro que sim.
Um longo silêncio, durante o qual só se ouvia o roçar da fita no gravador. Depois:
- Sra. Blake, veio procurar-me porque disse ter um problema desesperador. Tem relação com
seu marido, não é?
Silêncio.
- Vou pressupor que sim. Pelo que me disse antes, a senhora e seu marido se amam. Ambos
são fieis, ambos querem filhos. Vivem numa linda casa e seu marido é um homem de boa aparência e bem-sucedido nos negócios. Ele lhe faz todas as vontades. E está casada há apenas seis meses.
Infelizmente está parecendo a velha piada: "Mas qual é o meu problema, Doutor?"
Silêncio novamente. Só se ouvia o zumbido impessoal da fita. Finalmente ela falou:
- É… é um pouco difícil para mim falar a esse respeito. Pensei que poderia conversar com um
estranho, mas…
Judd recordou-se neste ponto, nitidamente, de como ela se virava no divã para fitá-lo com
aqueles olhos grandes e enigmáticos. Ela começara então a falar mais depressa, procurando superar as barreiras que a mantinham em silêncio.
- … mas vejo agora que é muito mais difícil. É que ouvi algumas coisas e… Provavelmente
eu tirei as conclusões erradas.
- É alguma coisa relacionada com a vida pessoal do seu marido? Mulher?
- Não.
- Com a vida profissional dele?
- Sim…
- Acha que seu marido mentiu a respeito de alguma coisa? Tentou ficar com a parte do leão
em algum negócio?
- Mais ou menos isso.
Judd pisava em terreno mais firme.
- E isso afetou a confiança que a senhora depositava nele. Mostrou-lhe um lado de seu
marido que nunca tinha visto antes.
- Eu… eu… eu não posso falar sobre isso. Sinto que sou desleal para com ele só em ter vindo
aqui. Por favor, Dr. Stevens, não me pergunte mais nada hoje.
E assim terminara aquela sessão, Judd desligou o gravador.
Então o marido de Anne fizera algum negócio não muito honesto! Talvez ele sonegasse os
impostos. Ou tivesse levado alguém a falência. Era natural que Anne ficasse transtornada. Ela era uma mulher sensível. Sua fé no marido ficaria abalada.
Judd pensou no marido de Anne como um possível suspeito. Ele estava no negócio de
construções. Judd não o conhecia pessoalmente. Mas, qualquer que fosse o problema dele, nem com muita imaginação se podia aceitar que incluísse John Hanson, Carol Roberts ou o próprio Judd. E o que dizer da própria Anne? Ela não poderia ser uma psicopata? Uma maníaca homicida? Judd recostou-se na cadeira e procurou analisá-la objetivamente.
Ele nada sabia a respeito de Anne, exceto o que ela própria lhe contara. Seus antecedentes
podiam ser fictícios, ela poderia ter inventado tudo. Mas o que teria a ganhar com isso? Se era
alguma charada elaborada para encobrir um assassinato, teria que haver uma motivação. A lembrança do rosto e da voz de Ann dominaram a mente de Judd, e ele compreendeu que ela não poderia estar envolvida naquilo. Ele era capaz de apostar a sua própria vida. A ironia da situação fê-lo sorrir.
Judd pegou as fitas de Teri Washburn. Talvez houvesse nelas alguma coisa que tivesse
deixado escapar.
Recentemente Teri andara tendo algumas sessões extras, a seu próprio pedido. Será que ela
estaria sofrendo alguma nova pressão que não lhe contara? Devido à incessante preocupação de Teri com sexo, era muito difícil determinar acuradamente nos seus progressos. Mas por que ela pedira subitamente, e com insistência, para passar mais tempo com ele?
Judd pegou uma das fitas ao acaso e colocou-a no gravador.
- Vamos falar a respeito dos seus casamentos, Teri. Já se casou cinco vezes, não é?
- Seis. Mas quem se vai importar em contar?
- Foi fiel aos seus maridos?
Risadas.
- Está querendo demais de mim. Não há um único homem capaz de satisfazer-me. É um
problema físico.
- Como assim?
- É a maneira como eu sou feita. Tudo o que sou é um buraco quente que tem que ser
enchido o tempo todo.
- Acredita mesmo nisso?
- Que o buraco tem que estar sempre cheio?
- Que você é diferente, fisicamente, das outras mulheres?
- Mas claro que sou. Foi o próprio médico do estúdio quem me disse. É um problema
glandular ou algo assim.
Uma pausa.
- Ele era uma péssima trepada.
- Já verifiquei todos os seus exames. Fisiologicamente seu corpo é normal, sob todos os
aspectos.
- Ao inferno com os exames, Charley. Por que não descobre por si mesmo?
- Já esteve apaixonada alguma vez, Teri?
- Posso estar apaixonada por você.
Silêncio.
- Não me olhe desse jeito! Não posso fazer nada. Eu já lhe disse que sou assim. É a maneira
como sou constituída. Estou sempre faminta.
- Acredito em você. Mas não é seu corpo que está faminto e sim as suas emoções.
- Nunca ninguém trepou com as minhas emoções. Quer experimentar?
- Não.
- O que quer então?
- Ajudá-la.
- Por que não vem até aqui e senta-se ao meu lado?
- Basta por hoje.
Judd desligou o gravador. Recordou-se do diálogo que haviam travado quando Teri falara
de sua carreira como grande estrela e ele perguntara por que ela deixara Hollywood.
- Dei uma trepada num palhaço antipático, numa festa em que estavam todos bêbados.
Acontece que ele era o chefão e mandou que me expulsassem de Hollywood com um chute no meu traseiro polaco.
Judd não insistira no assunto porque, na ocasião, estava mais interessado nos antecedentes
familiares de Teri. O assunto nunca mais voltara à baila. Agora ele sentia uma dúvida inquietante.
Deveria ter sondado mais um pouco. Nunca tivera por Hollywood um interesse diferente do que o que o Dr. Louis Leaky ou Margaret Mead pudessem ter pelos nativos da Patagônia. Quem poderia saber alguma coisa a respeito de Teri Washburn, a antiga e glamurosa estrela?
Norah Hadley era fanática por cinema. Judd vira, certa vez, pilhas de revistas de cinema na
casa deles e zombara de Peter por causa disso. Norah passara a noite inteira defendendo Hollywood.
Judd pegou o telefone e discou.
Norah atendeu.
- Olá - disse Judd.
- Judd!
A voz dela era cordial e afetuosa.
- Está telefonando para dizer que virá ao nosso jantar, não é?
- Falaremos disso daqui a pouco.
- É melhor que você venha. Prometi a Ingrid. Ela é linda!
Judd não tinha a menor dúvida de que era mesmo, mas não da mesma maneira como Anne!
- Se você romper outro compromisso com ela, teremos que entrar em guerra com a Suécia.
- Isso não acontecerá novamente.
- Você já se recuperou do acidente?
- Já.
- Foi uma coisa horrível…
Havia um tom hesitante na voz de Norah.
- Judd… sobre o dia de Natal. Peter e eu gostaríamos que viesse cear conosco. Por favor…
Judd sentiu a contração familiar no peito. Todos os anos acontecia a mesma coisa. Peter e
Norah eram os seus melhores amigos e detestavam vê-lo passar todos os natais sozinho, caminhando entre estranhos, perdendo-se no meio da multidão desconhecida, impelindo seu corpo a manter-se em movimento até ficar exausto demais para pensar. Era como se ele estivesse celebrando alguma terrível missa negra para os mortos. Permitia que a dor se apossasse dele e o dilacerasse, penitenciando-se em algum ritual antigo sobre o qual não tinha o menor controle. "Você está dramatizando as coisas", disse Judd para si mesmo.
- Judd…
- Desculpe, Norah. Talvez no próximo Natal…