- Olá - disse ele finalmente.
Ela ergueu os olhos, surpresa por um momento. Depois sorriu.
- Olá.
- Entre, por favor, Sra. Blake.
Ela passou por ele e entrou na sala, o corpo firme roçando em Judd. Depois virou-se e fitou-o
com aqueles incríveis olhos violeta.
- Já descobriram o motorista que o atropelou?
Havia preocupação no rosto dela, um interesse genuíno. Judd sentiu novamente o desejo
intenso de contar-lhe tudo. Mas sabia que não podia fazê-lo. Na melhor das hipóteses, seria um truque barato para conquistar-lhe a simpatia. Na pior, poderia envolvê-la num perigo desconhecido.
Ele fê-la sentar-se. Anne examinava-lhe atentamente o rosto.
- Parece cansado. Não deveria ter voltado a trabalhar tão cedo!
"Oh, meu Deus!", pensou Judd, ele não conseguiria suportar qualquer manifestação de
simpatia. Não naquele momento. E não partindo de Anne.
- Eu estou bem. Cancelei todas as consultas para hoje, mas meu serviço de recados não
conseguiu localizá-la.
Uma expressão ansiosa surgiu no rosto dela. Com certeza receava ser uma intrusa. Anne, uma
intrusa…
- Lamento muito. Se quiser que eu vá agora…
- Por favor, não se vá - disse Judd rapidamente. - estou contente de que não tenham
conseguido localiza-la.
Aquela seria a última vez que iria vê-la. Judd acrescentou:
- Como está se sentindo?
Ela hesitou, ia dizer alguma coisa, mas depois mudou de idéia e murmurou:
- Um pouco confusa…
Anne fitava-o de maneira estranha. Havia algo em seu olhar que foi atingir uma corda sensível há muito esquecida por Judd, só que ele não conseguia recordar de pronto o que significava. Mas sentiu que dela fluía um grande afeto, um anseio físico intenso. E subitamente Judd compreendeu o que estava fazendo: atribuía as suas próprias emoções a Anne. Por um instante ele se deixara enganar, como qualquer estudante inexperiente de psiquiatria.
- Quando é que embarca para a Europa?
- Na manhã de Natal.
- Vai sozinha com seu marido?
Judd sentiu-se um idiota rematado, que só sabia dizer banalidades. Babbitt, num dia de folga.
- Que lugares vão visitar?
- Estocolmo, Paris, Londres e Roma.
"Eu adoraria mostrar-lhe Roma", pensou Judd. Ele passara um ano na capital italiana, como
interno num hospital americano. Havia ali um fantástico restaurante, bastante antigo, chamado
Cybéle, perto dos jardins de Tivoli. Ficava no alto de uma colina, junto a um antigo templo pagão, onde se podia ficar sentado ao sol, contemplando as centenas de pombos que escureciam o céu sobre os penhascos ensolarados.
E Anne estava a caminho de Roma com o marido!
- Será uma segunda lua-de-mel - disse ela.
Havia alguma tensão na voz dela, mas tão pouco perceptível que Judd talvez a estivesse
imaginando. Um ouvido menos treinado não a teria notado. Judd examinou-a com mais atenção.
Exteriormente ela aparentava calma, mas por baixo ele podia sentir nitidamente a tensão que a
dominava. Se aquela era a imagem de uma jovem apaixonada, de partida para a Europa, numa
segunda lua-de-mel, então algum pedaço do quadro estava faltando.
E subitamente Judd compreendeu o que era.
Anne não estava absolutamente entusiasmada. Ou, se estava, isso era abafado por alguma
outra emoção mais forte. Tristeza? Arrependimento?
Judd compreendeu que ela o olhava fixamente.
- Quanto… quanto tempo vão ficar fora?
Babbitt atacava novamente.
Um sorriso aflorou aos lábios de Anne, como se ela soubesse o que Judd estava pensando.
- Não tenho certeza. Os planos de Anthony são indefinidos.
- Entendo.
Judd baixou os olhos para o tapete, desesperado. Ele precisava pôr um ponto final àquela
cena. Não podia deixar que Anne partisse com a impressão de que ele era um idiota completo. Tinha que mandá-la embora imediatamente.
- Sra Blake… - Sim?
Judd procurou manter-se joviaclass="underline"
- Na verdade pedi-lhe que voltasse sob um falso pretexto. Não havia necessidade de ver-me
novamente. Eu apenas queria… dizer-lhe adeus.
Estranhamente, de maneira desconcertante, ela pareceu perder um pouco da tensão.
- Eu sei. Eu queria também dizer-lhe adeus.
Havia algo na voz dela que novamente tocou algum ponto sensível de Judd. Anne começou
a levantar-se.
- Judd…
Ela fitou-o, os olhos dos dois se encontraram. Judd viu nos olhos de Anne o que ela devia
estar vendo nos olhos dele. Era o reflexo de uma corrente, um impulso tão forte que era quase físico.
Ele aproximou-se dela, mas parou no meio do caminho. Não podia deixar que ela ficasse envolvida no perigo que o rondava. Quando Judd finalmente falou, sua voz estava quase controlada:
- Mande-me um cartão-postal de Roma.
Ela continuou a fitá-lo, em silêncio, por um longo momento.
- Por favor, Judd, tome cuidado.
Ele assentiu, sem confiar em si o suficiente para falar.
E Anne se foi.
O telefone tocou três vezes antes que Judd ouvisse. Ele atendeu.
- É o senhor, Doutor?
Era Moody. Sua voz quase saía pelo telefone, de tão excitada.
- Está sozinho?
- Estou.
Havia algo estranho no tom de voz de Moody, algo que Judd não conseguia identificar
imediatamente. Seria cautela? Medo?
- Lembra-se de que eu lhe disse que tinha um palpite sobre quem estava por trás de toda essa
história, Doutor?
- Sim.
- Pois eu acertei em cheio.
Judd sentiu um calafrio percorrer-lhe o corpo.
- Sabe quem matou Hanson e Carol?
- Sei. Sei quem foi e sei o motivo. O senhor será o próximo, Doutor.
- Diga-me…
- Não pelo telefone. É melhor encontrarmo-nos em algum lugar. Venha sozinho.
Judd olhou para o telefone em sua mão.
"VENHA SOZINHO"!
- Está-me ouvindo, Doutor?
- Estou - disse Judd rapidamente.
O que fora mesmo que Angeli dissera? “Aconteça o que acontecer, Doutor, não vá se”.
encontrar com ele sozinho “!”.
- Por que não podemos nos encontrar em meu consultório? - perguntou Judd, procurando
ganhar tempo.
- Acho que estou sendo seguido. Mas consegui despistá-los. Estou telefonando da Five Star
Meat Packig Company. Fica na Rua 23, a oeste da Décima Avenida, perto das docas.
Judd ainda achava impossível acreditar que Moody lhe estivesse preparando uma armadilha.
Resolveu experimentá-lo.
- Levarei Angeli comigo.
A voz de Moody soou ríspida:
- Não traga ninguém! Venha sozinho!
Não havia mais dúvidas.
Judd pensou no Buda gordo que estava do outro lado da linha. Seu amigo franco estava-lhe
cobrando cinqüenta dólares por dia mais despesas para atraí-lo para uma armadilha. Judd conseguiu manter a voz sob controle:
- Está certo. Irei imediatamente.
Ele tentou disparar o último tiro.
- Tem mesmo certeza de que sabe quem está por trás de tudo isso, Moody?
- Absoluta, Doutor. Já ouviu falar em Don Vinton?
E, com isso, Moody desligou.
Judd ficou imóvel, procurando controlar o turbilhão de emoções que o agitavam. Procurou
o telefone da casa de Angeli e discou. A campainha tocou cinco vezes e Judd entrou em pânico, com medo de que Angeli tivesse saído. Será que deveria ir encontrar-se com Moody sozinho?
Mas finalmente ele ouviu a voz fanhosa de Angeli:
- Alô?
- É Judd Stevens. Moody acabou de telefonar.
- E o que disse ele
Judd hesitou, sentindo um último vestígio de uma lealdade irracional e de - por que não? -
afeição pelo gordo simpático que estava planeando assassiná-lo a sangue-frio.
- Ele me pediu que fosse encontrá-lo na Five Star Meat Packing Company. Fica na Rua 23,