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Dr. Stevens pulou rapidamente de um assunto para outro, sondando-a, experimentando-a. Perguntou a sua opinião sobre o Vietnã, os guetos e os motins universitários. Cada vez que Carol imaginava que finalmente descobrira o que ele estava querendo, o Dr. Stevens passava para outro assunto. Falaram de coisas que ela jamais ouvira antes e abordaram assuntos nos quais ela se julgava a maior autoridade viva do mundo. Meses depois Carol ainda ficava acordada de noite, procurando recordar e identificar a palavra mágica, a idéia, a frase-chave que provocara a sua transformação. Nunca chegou a descobrir, pois finalmente compreendeu que não houve qualquer palavra mágica. O que o Dr. Stevens fizera fora um bem simples. Ninguém jamais o fizera antes. Ele a tratara como um ser humano, uma pessoa igual a ele, cujas opiniões e sentimentos eram-lhe importantes.

Em um momento qualquer, no decorrer da noite, ela subitamente teve consciência de sua nudez. Ela foi até o quarto e vestiu o pijama. Ele foi sentar-se na beira da cama e conversaram mais um pouco. Falaram de Mão Tsé-tung, dos distúrbios raciais, da pílula. E de se ter um pai e uma mãe que jamais haviam casado. Carol disse-lhe coisas que jamais contara antes a alguém. Coisas que há muito estavam enterradas em seu subconsciente. E quando ela finalmente dormiu, estava completamente vazia. Era como se tivesse sido submetida a uma intervenção cirúrgica e um rio de veneno escorresse para fora do seu corpo.

Pela manhã, depois do café, ele entregou-lhe uma nota de cem dólares. Carol hesitou, mas

finalmente disse:

- Eu menti. Ontem não era meu aniversário.

- Eu sei - disse ele sorrindo. - Mas não vamos contar ao juiz.

Ele fez uma pausa e mudando o tom, acrescentou:

- Pode pegar esse dinheiro e ir embora que ninguém a incomodará, até a próxima em que a

polícia a apanhar. Mas estou precisando de uma recepcionista e acho que você seria maravilhosa para o lugar.

Carol não podia acreditar.

- Mas não sei taquigrafia nem datilografia.

- Poderia aprender, se voltasse a estudar.

Carol ficou em silêncio por um momento e depois disse, entusiasmada:

- Ei, eu nunca tinha pensado nisso antes! Até que não é má idéia!

Mas o que ela queria mesmo era sair daquele apartamento com a nota de cem dólares e

mostrá-la para os rapazes e garotas na Fishman' Drug Store, no Harlem, onde a turma se reunia. Com aquele dinheiro poderia comprar doses suficientes para uma semana. Quando entrou no Fishman's foi como se nunca se tivesse afastado de lá. Viu os mesmos rostos amargurados e ouviu as mesmas conversas mórbidas de derrotados. Ela estava em casa. Mas não conseguia parar de pensar no apartamento do médico. Não era os móveis que faziam a diferença. É que era tudo… tão limpo! E tranqüilo também. Uma ilhota perdida do outro mundo! O que tinha a perder? Podia pelo menos tentar, só para se divertir, para mostrar ao médico que ele estava errado, que ela jamais podia mudar.

Para sua própria surpresa, Carol matriculou-se numa escola. Deixou o quarto mobiliado em

que vivia, com a pia manchada de ferro, o vaso quebrado e a persiana verde toda arrebentada, com a cama de ferro cheia de calombos, onde costumava sonhar as lindas fantasias. Era uma herdeira deslumbrante em Paris, Londres ou Roma, e o homem que estava em cima dela era um príncipe deslumbrante e rico, morrendo de vontade de casar com ela. E assim que cada homem tinha seu orgasmo e saía de cima dela, o sonho se desvanecia. Até a vez seguinte.

Carol deixou o quarto e todos os seus príncipes sem olhar para trás e voltou a morar com os

seus pais. O Dr. Stevens deu-lhe uma mesada enquanto estudava. Ela terminou a escola secundária com notas excelentes. O médico compareceu à cerimônia de formatura, seus olhos castanhos brilhando de orgulho. Carol também sentia orgulho, de si mesma. Alguém acreditava nela. Arrumou um emprego na Nedick's durante o dia e fez um curso de secretariado à noite. No dia em que terminou, começou a trabalhar para o Dr. Stevens, podendo então ter o seu próprio apartamento.

Nos quatro anos que haviam passado o Dr. Stevens sempre a tratava com a mesma cortesia

formal da primeira noite. A princípio Carol ficara esperando que ele fizesse alguma referência ao que ela fora e ao que ela era. Mas finalmente ela descobrira que ele sempre a vira como ela era agora.

Tudo o que ele fizera fora ajudá-la a ser o que sempre fora. Sempre que Carol tinha um problema, ele achava tempo para discuti-lo. Recentemente ela começara a pensar que precisava falar-lhe sobre o que acontecia entre ela e Chick, mas estava sempre adiando. Carol era capaz de fazer qualquer coisa pelo Dr. Stevens. Deitar-se com ele, matar por ele…

E agora ali estavam aqueles dois caras da Divisão de Homicídios, querendo falar com o Dr.

Stevens.

McGreavy começou a ficar impaciente.

- E então?

- Tenho ordens para jamais incomodá-lo quando está com um paciente - disse Carol.

Ela viu a expressão furiosa que surgiu nos olhos de McGreavy e acrescentou:

- Mas vou falar com ele pelo telefone.

Ela pegou o fone e apertou a campainha de intercomunicação. Depois de trinta segundos o

Dr. Stevens disse:

- Pois não?

- Há dois detetives aqui fora querendo falar-lhe, Doutor. São da Divisão de Homicídios.

Carol ficou esperando que houvesse alguma alteração na voz dele. Nervosismo, talvez medo.

Porém nada houve.

- Pois eles vão ter que esperar.

E o Dr. Stevens desligou, Carol ficou radiante de orgulho. Os detetives podiam fazê-la entrar

em pânico, mas jamais conseguiriam fazer com que seu Dr. Stevens perdesse a calma! Ela fitou-os com uma expressão desafiadora e disse:

- Ouviram o que ele disse.

- Quanto tempo mais o paciente vai ficar lá dentro? - indagou Angeli, o mais jovem.

Carol olhou para o relógio que estava na sua mesa.

- Mais vinte e cinco minutos. É o último paciente de hoje.

Os dois homens se entreolharam. McGreavy suspirou.

- Pois vamos esperar. Eles sentaram-se. McGreavy examinou-a atentamente, comentando:

- Você me parece familiar.

Carol não se deixou enganar. O tira estava jogando uma isca.

- Creio que sabe o que se costuma dizer - respondeu ela. - Todas nós parecemos iguais.

Exatamente vinte e cinco minutos após, Carol ouviu a batida da porta lateral que levava ao

gabinete particular do Dr. Stevens diretamente para o corredor. Momentos depois, o Dr. Stevens abriu a porta que dava do seu gabinete para a sala da recepção. Hesitou por um instante ao ver McGreavy dizendo:

- Já nos encontramos antes.

Só que ele não conseguia lembrar-se onde.

- Já sim… Sou o Tenente McGreavy.

Ele acenou com a cabeça na direção de Angeli.

- Detetive Frank Angeli.

Judd e Angeli apertaram-se as mãos.

- Entrem, por gentileza.

Os dois detetives entraram no gabinete particular de Judd e a porta foi fechada. Carol ficou

olhando para a porta, tentando compreender a situação. O detetive grandalhão dera a impressão de antagonizar o Dr. Stevens. Mas talvez isso fosse apenas uma disposição natural dele. Carol só tinha certeza de uma coisa: teria que mandar o seu vestido para a tinturaria.

O gabinete de Judd parecia mais uma sala de estar de uma casa de campo. Não havia uma

escrivaninha, mas algumas poltronas e uma mesa no centro, com abajures realmente antigos. No outro lado havia uma porta que levava para o corredor. No chão estendia-se um tapete de padrões intrincados, e, a um canto, ficava um divã forrado com um tecido adamascado. McGreavy percebeu logo que não havia diplomas nas paredes. Mas ele verificara antes. Se o Dr. Stevens quisesse, poderia cobrir todas as paredes de diplomas e certificados.

- É o primeiro consultório de psiquiatra em que eu entro - disse Angeli, visivelmente

impressionado. - Eu bem que gostaria que minha casa fosse assim.