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- Serve para descontrair meus pacientes - comentou Judd, calmamente. - E por falar nisso,

eu sou psicanalista.

- Desculpe o engano. Mas qual é a diferença?

- Cerca de cinqüenta dólares a mais por hora - comentou McGreavy. - Meu parceiro jamais

sonhou em ganhar tanto assim!

"Parceiro"! Foi então que Judd se lembrou. O parceiro de McGreavy fora baleado e morto

e o próprio McGreavy ficara bastante ferido durante um assalto a uma loja de bebidas quatro ou cinco? anos antes. Um vagabundo, chamado Amos Ziffren, fora preso pelo crime. O advogado de Ziffren alegara que seu cliente era inocente, por insanidade mental, Judd fora convocado como perito pela defesa e pediram-lhe que examinasse o réu. Constatara que Ziffren era, de fato, insano e sofria de uma paresia bem adiantada. Com base no depoimento de Judd, Ziffren escapara à sentença de morte e fora enviado para um asilo de doentes mentais.

- Estou me lembrando de você agora - disse Judd. - O caso Zifren. Você levou três tiros e seu

companheiro foi morto.

- Pois eu também me lembro muito bem - disse McGreavy. - Conseguiu fazer com que o

assassino escapasse.

- Em que posso ajudá-los?

- Precisamos de uma informação, Doutor - disse McGravy.

Ele fez um gesto com a cabeça para Angeli, que começou a desamarrar o embrulho que

trazia.

- Precisamos que identifique algo para nós - acrescentou McGreavy.

Sua voz era controlada, não deixando transparecer qualquer emoção. Angeli terminou de

abrir o embrulho e exibiu uma capa de chuva amarela.

- Já viu isso antes?

- Parece que é a minha - disse Judd, surpreso.

- É, de fato, a sua. Pelo menos está escrito por dentro.

- Onde a encontraram?

- Onde acha que nós a encontramos?

Os homens não pareciam mais indiferentes. Uma mudança subtil ocorrera em suas expressões.

Judd estudou McGreavy por um momento e depois pegou um cachimbo numa mesinha, começando a enchê-lo com tabaco tirado de um jarro.

- Acho bom me contarem logo o que significa tudo isso - disse ele calmamente.

- Se a capa lhe pertence, Dr. Stevens, queremos saber como deixou de estar em seu poder -

disse McGreavy.

- Não há mistério nenhum nisso. Estava chovendo quando saí de casa esta manhã. Como meu

sobretudo está na tinturaria, usei a capa impermeável. Costumo usá-la em minhas pescarias. Um dos meus pacientes apareceu aqui sem capa. Como estava nevando bastante na hora em que ele saiu, emprestei-lhe a minha capa.

Ele fez uma pausa, assumindo uma expressão subitamente preocupada.

- O que aconteceu com ele?

- Aconteceu a quem?

- Ao meu paciente, John Hanson.

- Exatamente - disse Angeli gentilmente. - Acertou em cheio. A razão para o Sr. Hanson não poder devolver-lhe a capa é o fato de estar morto.

Judd sentiu um calafrio percorrer-lhe o corpo.

- Morto?

- Alguém enfiou-lhe uma faca nas costas - informou McGreavy.

Judd fitou-o, incrédulo. McGreavy tirou a capa das mãos de Angeli e virou-a, mostrando a

Judd o rasgão atrás e as manchas escuras de sangue. Uma sensação de náusea invadiu Judd.

- Mas quem poderia querer matá-lo?

- Esperávamos que nos pudesse dizer, Dr. Stevens - disse Angeli. - Quem poderia saber

melhor do que o seu psicanalista?

Judd sacudiu a cabeça, desolado.

- Quando foi que aconteceu?

Foi McGreavy quem respondeu:

- Às onze horas desta manhã. Em Lexington Avenue, acerca de um quarteirão daqui.

Algumas dezenas de pessoas devem tê-lo visto cair, mas estavam tão ocupadas voltando para suas casas, a fim de se prepararem para as comemorações do nascimento de Cristo, que o deixaram estendido na neve, sangrando até à morte.

Judd apertou a borda da mesa e os nós dos dedos ficaram brancos.

- A que horas Hanson chegou aqui esta manhã? - perguntou Angeli.

- Dez horas.

- Quanto tempo demoram as suas consultas, Doutor?

- Cinqüenta minutos.

- Ele foi embora assim que acabou?

- Foi. Eu já tinha outro paciente à espera.

- Hanson saiu pela sala da recepção?

- Não. Meus pacientes entram pela sala da recepção e saem por aquela porta - disse Judd,

apontando para a porta que dava diretamente para o corredor. - Dessa maneira, eles jamais se

encontram.

MacGreavy assentiu.

- Então quer dizer que Hanson foi morto alguns minutos depois de sair daqui. Porquê ele

estava-se tratando?

Judd hesitou.

- Lamento, mas não posso revelar o relacionamento entre o paciente e seu médico.

- Mas alguém o matou, Dr. Stevens? Talvez nos possa ajudar a encontrar o assassino.

O cachimbo de Judd estava agora apagado. Ele se demorou acendendo-o novamente.

- Há quanto tempo ele vinha se consultando?

Desta vez quem perguntou foi Angeli. Um exemplo típico de trabalho de equipa da polícia.

- Há três anos.

- E qual o problema dele?

Judd hesitou. Recordou-se de John Hanson que vira naquela manhã excitado, sorridente,

ansioso em desfrutar de sua nova liberdade.

- Ele era homossexual.

- Oh, não! - exclamou McGreavy. - Outro caso de bonecas!

- Ele era homossexual - disse Judd firmemente. - Hanson estava curado. Esta manhã eu lhe

disse que não precisava mais do tratamento. Estava pronto para voltar a viver com a família. Ele tem… tinha mulher e dois filhos.

- Um bicha com família? - indagou McGreavy.

- Isso acontece com freqüência.

- Talvez um dos seus amiguinhos não tenha gostado da história de ele se libertar. Tiveram

uma briga. O outro perdeu a calma e enfiou uma faca nas costas de Honson.

Judd pensou na teoria por um momento.

- É possível, mas não creio muito.

- Por que não, Dr. Stevens? - perguntou Angeli.

- Porque Hanson, há mais de um ano, não tinha qualquer contato homossexual. É mais

provável que tenha sido uma tentativa de assalto. Hanson era o tipo de homem que não rejeitava uma briga.

- Um bicha casado e valente - murmurou MacGreavy, tirando o charuto do bolso e

acendendo. - Só há uma coisa errada com essa teoria de assalto, Doutor. A carteira dele não foi tocada. E tinha mais de cem dólares.

Ele calou-se, observando a reação de Judd. Foi então a vez de Angeli falar:

- Se tivéssemos que procurar um doido, seria mais fácil de encontrar.

- Mas se um homem está doido…?

- Não precisa necessariamente aparentar a sua loucura _ explicou Judd. - Para cada caso evidente de desequilíbrio mental, há pelo menos dez que não são diagnosticados.

McGreavy examinava Judd com um interesse óbvio.,

- Conhece um bocado da natureza humana, não é mesmo, Doutor?

- Não existe essa coisa a que chamam natureza humana - disse Judd. - Assim como não existe

uma natureza animal. Tentem encontrar as afinidades naturais entre um coelho e um tigre. Ou entre um esquilo e um elefante.

- Há quanto tempo pratica psicanálise? - perguntou McGreavy.

- Doze anos. Por quê?

McGreavy sacudiu os ombros.

- É um homem de boa aparência, Doutor. Aposto que uma porção de pacientes se apaixonam

pelo senhor não é mesmo, Doutor?

Os olhos de Judd ficaram extremamente frios.

- Não estou entendendo aonde quer chegar.

- Ora, Doutor, claro que entende. Somos ambos homens vividos. Um bicha entra aqui e

encontra um médico bem apessoado a quem pode contar os seus problemas. Vai querer dizer-me que, durante três anos de sessão, Hanson nunca lhe fez qualquer insinuação?

Judd ficou em silêncio por um momento, sem demonstrar qualquer reação.

- É essa idéia que faz de um homem vivido, Tenente?

McGreavy não se perturbou.

- Pode perfeitamente ter acontecido. E não apenas isso. Tivemos um caso. Disse então a