- Não falamos sobre muita coisa - disse Judd calmamente. - Sua esposa recusou-se a dizer
qual era o problema dela.
- Terá que contar uma história bem melhor do que essa, Doutor.
DeMarco devia ter sentido um imenso pânico ao saber que a esposa estava consultando um
psicanalista - a esposa de um dos líderes da Cosa Nostra! Não era de admirar que DeMarco tivesse assassinado, procurando apoderar-se da ficha de Anne.
- Tudo o que ela me disse foi que se sentia infeliz por causa de alguma coisa, mas recusou-se
a dizer o que era.
- Para isso é preciso apenas dez segundos - disse DeMarco. - Tenho um registro de todos os
minutos que ela passou em seu consultório. O que lhe disse pelo resto das três semanas? Deve ter-lhe contado quem eu sou.
- Ela disse que era dono de uma empresa de construções.
DeMarco examinou-o, com uma expressão fria. Judd sentiu gotas de suor formarem-se em
sua testa.
- Estive lendo algumas coisas sobre análise, Doutor. O paciente fala tudo o que lhe vem à
cabeça.
- Isso faz parte da terapia - explicou Judd, em tom indiferente. - Foi por isso que não
consegui chegar a conclusão alguma com a Sra. Blake… com a Sra. DeMarco. Eu tencionava
dispensá-la como paciente.
- Mas não o fez.
- Não houve necessidade. Na sexta-feira ela me disse que estava de partida para a Europa.
- Anne mudou de idéia. Não quer mais ir para a Europa comigo. E sabe por quê?
Judd estava genuinamente surpreso.
- Não.
- Por sua causa, Doutor.
O coração de Judd deu um pulo. Ao falar, ele procurou cuidadosamente não demonstrar a
menor emoção na voz:
- Não estou entendendo.
- Claro que entende. Anne e eu tivemos uma longa conversa ontem à noite. Ela está achando
que o nosso casamento foi um erro, porque pensa que está apaixonada pelo senhor, Doutor.
DeMarco falava num sussurro quase hipnótico.
- Quero que me diga o que aconteceu entre os dois quando estavam a sós em seu consultório,
com ela estendida no divã.
Judd procurou controlar as emoções que o invadiam. Então Anne se importava com ele! Mas
de que adiantava isso para qualquer um dos dois! DeMarco fitava-o, esperando uma resposta.
- Nada aconteceu. Se andou lendo sobre análise, deve saber que toda paciente passa por uma
transferência emocional. Todas elas pensam, em uma ou outra ocasião, que estão apaixonadas pelo seu médico. Mas é apenas uma fase passageira.
DeMarco observava-o atentamente, os olhos negros sondando os olhos de Judd.
- Como soube que ela estava-se consultando comigo? - indagou Judd, procurando fazer com
que a pergunta soasse natural.
DeMarco olhou para Judd por um momento, depois foi até uma escrivaninha e pegou uma
adaga afiada.
- Um dos meus homens viu-a entrando no seu edifício. Há ali uma porção de escritórios de
pediatras e ele pensou que Anne estava reservando-me uma pequena surpresa. Seguiu-a e viu que ela entrou em seu consultório.
Ele virou-se para Judd.
- E foi de fato uma surpresa. Anne estava indo a um psiquiatra. A esposa de Anthony
DeMarco contando todos os meus segredos profissionais a um "espreme-crânios"!
- Eu já lhe disse que ela não…
A voz de DeMarco era suave, impedindo Judd de continuar:
- A Cammissione realizou uma reunião. Votaram para que eu a matasse, como matamos a
todos os traidores.
Ele estava agora andando de um lado para o outro, fazendo Judd pensar num animal
enjaulado.
- Mas eles não me puderam dar ordens como se eu fosse um soldado camponês. Sou Anthony
DeMarco, um Capo. Prometi-lhes que mataria o homem com quem Anne falara, se ela por acaso tivesse abordado os nossos negócios. Com estas duas mãos.
Ele ergueu as mãos, uma delas segurando-a adaga afiada.
- E o senhor é esse homem, Doutor.
DeMarco estava agora circulando-o enquanto falava. Cada vez que ele ficava às suas costas,
Judd preparava-se para receber o golpe.
- Está cometendo um erro, se…
Judd não pôde continuar, interrompido por DeMarco:
- Como ela pôde pensar que o senhor é um homem melhor do que eu? Os irmãos Vaccaro
soltaram uma risada.
- O senhor é absolutamente nada, Doutor. Não passa de um pobre coitado que se mete num
escritório todos os dias e ganha… o quê? Trinta mil dólares por ano? Cinqüenta mil? Cem mil? Eu ganho mais do que isso numa semana.
A máscara de DeMarco estava escorrendo mais depressa agora, removida pela expressão das
suas emoções. Ele estava começando a falar em explosões curtas e excitadas, as feições bonitas se distorceram. Anne vira-lhe apenas a fachada. Judd estava agora olhando para a face nua de um maníaco homicida.
- Você e a pequena putana treparam naquele maldito consultório!
- Nós não fizemos coisa alguma.
Os olhos de DeMarco pareciam arder em delírio.
- Ela nada significa para você?
- Eu já lhe disse que ela não passa de uma paciente.
- Está bem - disse DeMarco finalmente. - Irá dizer isso a ela.
- Dizer o quê?
- Que não dá a menor importância a ela. Vou mandá-la descer. E quero que fale com ela a
sós.
O pulso de Judd disparou. Ele teria uma chance de salvar a si mesmo e a Anne. DeMarco
estalou os dedos e os outros homens saíram da biblioteca. Ele virou-se em seguida para Judd. Os olhos negros estavam ocultos. Ele sorriu gentilmente, a máscara novamente no lugar.
- Desde que não saiba de nada. Anne viverá. Mas terá que convencê-la a ir comigo para a
Europa.
Judd sentiu a boca subitamente seca. Havia um brilho triunfante nos olhos de DeMarco. Judd
sabia o motivo. Ele subestimara o seu oponente.
Fatalmente.
DeMarco não era um jogador de xadrez, mas era esperto o bastante para saber que tinha um
peäo que tornava Judd impotente, Anne. Qualquer que fosse o movimento de Judd, ela estaria em perigo. Se Judd a mandasse para a Europa com DeMarco, mesmo assim a vida de Anne continuaria em perigo. Ele não acreditava que DeMarco fosse deixar que ela vivesse. A Cosa Nostra não o permitiria. DeMarco providenciaria um “acidente" na Europa. E se Judd dissesse a Anne para não ir, se ela descobrisse o que lhe estava acontecendo e tentasse interferir, então morreria naquele instante. Não havia escapatória. A opção era entre duas armadilhas fatais.
Da janela do seu quarto, no segundo andar, Anne observara a chegada de Judd e Angeli. Por
um momento de exultação ela pensara que Judd tinha vindo buscá-la, salvá-la da terrível situação em que se encontrava. Mas depois ela vira Angeli sacar um revólver e obrigar Judd a entrar na casa.
Há quarenta e oito horas que ela sabia de toda a verdade a respeito do marido. Antes disso tivera apenas uma suspeita vaga, tão inacreditável que procurava esquecer. Tudo começara alguns meses antes, quando ela fora assistir a uma peça em Manhattam e voltara para casa inesperadamente mais cedo, porque a estrela estava embriagada e a cortina se fechara definitivamente no meio do segundo ato. Anthony dissera-lhe que ia realizar uma
reunião de negócios em casa, mas que estaria terminada antes que ela voltasse. Mas quando Anne chegara, mais cedo do que o previsto, a reunião ainda prosseguia. E antes que seu surpreso marido tivesse tempo de fechar a porta da biblioteca, ela ouvira alguém gritar furiosamente:
- Meu voto é para explodirmos a fábrica esta noite e darmos um jeito naqueles filhos da puta
de uma vez por todas!
Anne ficara extremamente nervosa com a frase, a aparência rude dos estranhos que estavam
na biblioteca e a agitação de Anthony ao vê-la. Deixara-se convencer pelas explicações alongadas do marido, porque queria desesperadamente ser convencida. Nos seis meses de casamento ele sempre se mostrara um esposo terno e cheio de atenções. Ela vira-o algumas vezes explodir violentamente, mas Anthony sempre conseguira controlar-se logo.