Algumas semanas depois do incidente do teatro, ela pegara um telefone por acaso e ouvira
a voz de Anthony falando numa extensão:
- Vamos trazer um carregamento de Toronto esta noite. Terá que mandar alguém cuidar do
guarda. Ele não está conosco.
Anne desligara prontamente, bastante abalada. "Trazer um carregamento"… “Cuidar do”.
guarda “… Aquilo parecia algo terrível, mas podia ser também frases inocentes no trato de negócios”.
Cuidadosamente, como se estivesse indiferente, ela procurara interrogar Anthony a respeito dos negócios dele. Mas fora como subitamente se levantasse uma barreira de aço. Ela vira-se diante de um estranho furioso, que lhe disse que cuidasse tão-somente da casa e não se metesse nos seus negócios. Haviam discutido em termos amargos. Na noite seguinte Anthony lhe dera um colar extremamente caro e lhe pedira desculpas ternamente.
Um mês depois, ocorrera o terceiro incidente. Anne acordara as quatro da manhã, com uma
batida de uma porta. Vestira um roupão e descera para investigar. Ouvira vozes na biblioteca,
discutindo acaloradamente. Fora até lá, mas parara ao ver Anthony conversando com meia dúzia de estranhos. Temendo que ele se zangasse por ser interrompido, ela voltara em silêncio para seu quarto e se deitara. Ao café, na manhã seguinte, ela perguntara como ele dormira.
- Maravilhosamente. Fechei os olhos às dez horas e só voltei a abri-los hoje de manhã.
Anne compreendera então que estava com um problema. Não sabia que tipo de problema era,
nem qual a sua gravidade. Só sabia que o marido lhe mentira, por motivos que ela não podia
imaginar. Em que espécie de negócios ele estaria envolvido que eram tratados na calada da
madrugada, em segredo, com homens que mais pareciam bandidos? Anne sentira medo de abordar novamente o assunto com Anthony. O pânico começara a crescer dentro dela. Não havia mais ninguém com quem pudesse falar.
Algumas noites depois disso, num jantar no Country Club do qual eram sócios, alguém
mencionara um psicanalista chamado Judd Stevens, dizendo que se tratava de um profissional
excelente.
- Ele é uma espécie de analista entre os analistas, se entendem o que quero dizer. E é
incrivelmente bonito, embora isso não tenha qualquer efeito prático… pois ele é um desses tipos cem por cento dedicados à profissão.
Anne guardara cuidadosamente o nome e na semana seguinte fora procurá-lo.
A primeira sessão com Judd virara a sua vida de cabeça para baixo. Era se vira atraída a um
turbilhão emocional que a deixara profundamente abalada. Em sua confusão, mal conseguira falar com Judd na primeira sessão. Ao partir, sentia-se como uma colegial tola e prometera a si mesma que nunca mais voltaria. Mas ela voltara, para provar a si mesma que a reação que tivera fora puramente acidental. Mas na segunda vez a reação fora ainda mais forte. Ela sempre se orgulhara de ser sensata e realista, mas naquele momento vira-se agindo como uma garota de dezessete anos, apaixonada pela primeira vez. Não fora capaz de discutir o problema do marido com Judd e por isso haviam conversado a respeito de outras coisas. Depois de cada sessão, Anne descobrira que estava mais apaixonada ainda por aquele estranho sensível e afetuoso.
Ela sabia que não havia qualquer esperança, pois jamais se divorciaria de Anthony. Sentira
que devia ter algum defeito terrível, para casar-se com um homem e seis meses depois, apaixonar-se por outro. Concluíra então que seria melhor nunca mais voltar a ver Judd.
E então uma série de coisas estranhas começara a acontecer. Carol Roberts fora assassinada
e Judd atropelado em circunstâncias misteriosas. Ela lera nos jornais que Judd estava presente quando tinham encontrado o corpo de Moody na Five Star. Ela já vira o nome daquela companhia.
No cabeçalho de uma fatura na mesa de Anthony.
Uma suspeita terrível começara a se formar na mente de Anne.
Parecia incrível que Anthony pudesse estar envolvido nas coisas terríveis que vinham
acontecendo. No entanto… Anne sentira-se como que aprisionada num pavoroso pesadelo, do qual não tinha escapatória. Não podia falar sobre as suas apreensões com Judd e tinha medo de fazê-lo com Anthony. Ela dissera a si mesmo que suas suspeitas eram infundadas. Anthony nem mesmo sabia da existência de Judd.
E então, quarenta e oito horas atrás, Anthony entrara no quarto dela e começara a
interrogá-la sobre suas visitas a Judd. A primeira reação de Anne fora de raiva ao saber que ele andara a espioná-la, mas fora rapidamente substituída por todas as apreensões que se vinham acumulando dentro dela. Ao fitar o rosto furioso e contorcido do marido, ela compreendera que ele era capaz de tudo.
Até mesmo de assassinar alguém.
Durante o interrogatório, ela cometera um tremendo erro. Deixara-o saber o que sentia por
Judd. Os olhos de Anthony haviam ficado ainda mais negros e ela sacudira a cabeça, como que se esquivando de um golpe físico.
Só depois que ficara sozinha é que Anne compreendera o perigo que Judd estaria correndo.
Não poderia deixá-lo, de jeito nenhum. Dissera então a Anthony que não iria para a Europa com ele.
E agora Judd estava ali, naquela casa. A vida dele estava em perigo, por causa dela.
A porta do quarto se abriu e Anthony entrou. Ficou imóvel por um longo momento,
contemplando-a, antes de dizer:
- Você tem uma visita.
Ela entrou na biblioteca usando uma saia amarela e blusa da mesma cor, com os cabelos
soltos pelos ombros. O rosto estava pálido e parecia cansado, mas ela aparentava uma certa serenidade. Judd estava sozinho a esperá-la.
- Olá, Dr. Stevens. Anthony disse-me que o senhor estava aqui.
Judd teve a sensação de que estavam representando uma charada, em benefício de uma
audiência invisível e fatal. Intuitivamente ele percebeu que Anne estava a par da situação e punha-se nas mãos dele, disposta a seguir qualquer deixa que ele insinuasse.
E não havia nada que Judd pudesse fazer, exceto tentar mantê-la viva por mais algum tempo.
Se Anne se recusasse a ir para a Europa, DeMarco certamente a mataria ali mesmo.
Judd hesitou, escolhendo suas palavras cuidadosamente. Cada palavra poderia ser tão
perigosa quanto a bomba plantada em seu carro.
- Sra. DeMarco, seu marido está aborrecido porque a senhora mudou de idéia e não mais quer
ir para a Europa com ele.
Anne esperou, ouvindo, avaliando.
- Sinto muito - disse ela.
- Acho que deveria ir - disse Judd, alteando a voz.
Anne examinava atentamente o rosto dele, lendo-lhe os olhos.
- E se eu recusar? E se eu não quiser ir de jeito nenhum?
Judd foi dominado por um súbito alarme.
- Não deve fazer isso.
Ela jamais sairia viva daquela casa se ela tomasse tal decisão.
- Sra. DeMarco, seu marido está com a impressão errada de que a senhora se apaixonou por
mim.
Ela entreabriu os lábios para falar, mas Judd continuou rapidamente:
- Expliquei-lhe que se trata de uma parte normal da análise, uma transferência emocional que
ocorre com todas as pacientes.
Anne pegou a deixa.
- Sei disso. Infelizmente, antes de mais nada, cometi uma tolice de ir procurá-lo. Eu deveria
ter tentado resolver o meu problema sozinha.
Os olhos dela disseram-lhe que falava sinceramente, que lamentara o perigo a que o expusera.
- Estive pensando no assunto. Talvez umas férias na Europa fossem a melhor coisa para mim
neste momento.
Judd deixou escapar um pequeno suspiro de alívio. Ela compreendera.
Mas ele não tinha condições de alertá-la para o perigo real a que ainda estava exposta. Ou