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será que ela sabia? E mesmo que soubesse, será que poderia fazer alguma coisa? Ele olhou além de Anne para a janela da biblioteca, pela qual se podia ver árvores formosas à distância. Ela dissera que costumava passear pelos bosques. Era bem possível que conhecesse um caminho para sair dali. Se eles conseguissem chegar à proteção dos bosques… Judd murmurou então:

- Anne…

- Já acabaram a conversinha?

Judd virou-se bruscamente. DeMarco entrara silenciosamente na biblioteca. Atrás dele

estavam Angeli e os irmãos Vaccaro. Anne virou-se para o marido:

- O Dr. Stevens acha que devo ir para a Europa com você. Vou aceitar o conselho dele.

DeMarco sorriu e olhou para Judd.

- Sabia que podia contar com o senhor.

Ele irradiava simpatia, demonstrando a satisfação expansiva de quem acabara de obter uma

vitória total. Era como se a incrível energia que fluía através de DeMarco pudesse ser convertida à vontade, passando instantaneamente da expressão do mal para um encanto irresistível. Não era de admirar que Anne se tivesse apaixonado por ele. Naquele instante, o próprio Judd achava difícil acreditar que aquele Adônis gracioso e jovial fosse um assassino psicopata, capaz de matar a sangue-frio.

DeMarco virou-se para Anne.

- Vamos partir amanhã de manhã, querida. Por que não sobe para o seu quarto e começa a

arrumar as coisas que vai levar?

Anne hesitou. Não queria deixar Judd sozinho com aqueles homens.

- Eu…

Ela olhou para Judd, desesperada. Ela assentiu, imperceptivelmente.

- Está certo - disse Anne, estendendo a mão para Judd. - Adeus, Dr. Stevens.

Judd apertou-lhe a mão.

- Adeus.

Desta vez era adeus mesmo. Não havia qualquer saída. Judd observou-a virar-se, acenar com

a cabeça para os outros e sair da sala. DeMarco ficou a contemplá-la enquanto se afastava.

- Ela não é linda?

Havia uma expressão estranha no rosto dele. Amor, posse… e algo mais. Arrependimento?

Pelo que estava prestes a fazer a Anne?

- Ela não sabe absolutamente nada - disse Judd. - Por que não a deixa fora disso?

Judd viu então a transformação de DeMarco, que foi quase física. A simpatia desaparecera

e o ódio começou a preencher a sala, numa corrente que fluía de DeMarco para Judd, sem tocar em mais ninguém. Havia agora uma expressão de êxtase, quase um orgasmo, no rosto de DeMarco.

- Vamos indo, Doutor.

Judd olhou ao redor, avaliando as suas possibilidades de escapar. DeMarco certamente

preferiria não matá-lo em sua própria casa. tinha que ser agora ou nunca. Os irmãos Vaccaro

vigiavam-no, esperando um só movimento em falso. Angeli estava perto da janela, com a mão no cabo do revólver no coldre.

- Eu não tentaria - disse DeMarco suavemente. - Já é um homem morto… mas vamos deixar

que isso se concretize à minha maneira.

Ele empurrou Judd na direção da porta. Os outros se aproximaram e seguiram todos para

o vestíbulo.

Anne subiu a escada e ficou esperando no patamar, observando o vestíbulo lá embaixo.

Recuou, ficando fora do campo de visão, ao ver Judd e os outros encaminhando-se para a porta da frente. Correu para o seu quarto e olhou pela janela. Os homens estavam empurrando Judd para dentro do carro de Angeli.

Anne rapidamente pegou o telefone e discou para a telefonista. Pareceu decorrer uma

eternidade antes que ela atendesse.

- Telefonista, quero falar com a polícia. Depressa! É uma emergência!

Uma mão de homem surgiu na frente dela e apertou o gancho do telefone. Anne deixou

escapar um grito e virou-se. Nick Vaccaro estava parado ao seu lado, sorrindo.

Capítulo 23

Angeli acendeu os faróis. Eram quatro horas da tarde, mas o sol estava enterrado em algum

lugar por trás da massa de cúmulos que corriam pelo céu, impulsionados pelo vento gelado. Estavam andando quase há uma hora.

Angeli ia ao volante, com Rocky Vaccaro ao seu lado. Judd estava no banco de trás, com

Anthony DeMarco.

No começo Judd ficara alerta para algum carro de polícia que passasse, na esperança de poder

fazer alguma tentativa desesperada de atrair a atenção dos polícias. Mas Angeli estava seguindo por estradas secundárias pouco usadas, onde quase não havia tráfego. Contornaram Morristown, entraram na Rodovia 206 e seguiram para o sul, na direção das planícies centrais de Nova Jersey, uma região desolada e escassamente povoada. O céu cinzento começou a despejar-se sobre a terra, o granizo batendo no carro como minúsculos tambores enlouquecidos.

- Vá mais devagar - ordenou DeMarco. - Não queremos sofrer um acidente.

Obedientemente, Angeli diminuiu a pressão no acelerador.

DeMarco virou-se para Judd.

- É nos pequenos detalhes que a maioria das pessoas comete os seus erros. Não costumam

planear como eu.

Judd olhou para DeMarco, examinando-o clinicamente. O homem estava sofrendo de

megalomania, fora do alcance da razão e da lógica. Não havia meio algum de atingi-lo. Faltava-lhe um senso moral, o que lhe permitia matar sem o menor remorso. Judd conhecia agora todas as respostas.

DeMarco cometera os crimes pessoalmente por uma questão de honra - uma vingança

siciliana, para apagar a mancha que ele pensara que a esposa lançara sobre ele e sobre a família da Cosa Nostra. Matara John Hanson por engano. Quando Angeli o procurara para informar o que acontecera, DeMarco voltara imediatamente ao consultório e encontrara Carol. Pobre Carol! Ela não poderia ter-lhe entregue as gravações da Sra. DeMarco porque não conhecia Anne por esse nome.

Se DeMarco se tivesse controlado, poderia ter ajudado Carol a descobrir de quem estava falando.

Mas fazia parte de sua doença não ter a menor tolerância com a frustração. Por isso, deixara-se dominar por uma raiva assassina e Carol acabara morrendo. De maneira horrível! Fora DeMarco quem atropelara Judd e mais tarde fora ao seu consultório em companhia de Angeli. Judd ficara desconcentrado pelo fato de não haverem derrubado a porta, matando-o a tiros. Mas Judd compreendia agora que, como McGreavy o considerava culpado, eles haviam decidido que sua morte deveria parecer suicídio, cometido por remorso. Isso afastaria a possibilidade de uma investigação policial mais aprofundada.

E Moody… Pobre Moody! Judd dissera-lhe os nomes dos detetives que estavam trabalhando

no caso. Ele pensara que Moody tivesse reagido ao nome de McGreavy, mas a reação fora ao nome de Angeli. Moody descobrira que Angeli estava envolvido com a Cosa Nostra. E quando seguira essa pista…

Judd olhou para DeMarco.

- O que vai acontecer com Anne?

- Não se preocupe. Eu tomarei conta dela.

Angeli sorriu.

- É mesmo…

Judd sentiu uma raiva impotente invadi-lo.

- Eu errei ao casar-me com alguém fora da família - meditou DeMarco. - As pessoas de fora

não nos podem compreender. Jamais!

Eles estavam percorrendo agora um trecho bastante ermo das planícies centrais de Nova

Jersey. De vez em quando se divisavam os contornos de uma fábrica, à distância, recortada contra o céu cor de chumbo.

- Estamos quase chegando - anunciou Angeli.

- Você fez um bom trabalho - disse-lhe DeMarco. - Vamos ter que escondê-lo, até as coisas

esfriarem por aqui. Para onde gostaria de ir?

- Gosto da Flórida.

DeMarco assentiu, aprovando a escolha.

- Não há problema. Pode ficar com alguém da família.

- Conheço umas garotas espetaculares por lá- comentou Angeli, sorrindo.

DeMarco retribuiu-lhe o sorriso, pelo espelhinho retrovisor.

- Vai voltar com o traseiro queimado de sol.

- Espero não voltar com nada mais além disso.

Rocky Vaccaro riu.

A distância, do lado direito da estrada, Judd viu os prédios acachapados de uma fábrica,