Mãos fortes agarraram-lhe o braço e puxaram-no para longe do ruído pavoroso do cano.
Algo úmido escorria-lhe pelo rosto e Judd não sabia o que era, se sangue, chuva ou lágrimas. O que afinal não importava.
Estava tudo acabado.
Ele se esforçou por abrir um olho inchado. Pela fenda estreita e ensangüentada conseguiu
divisar McGreavy.
- Anne está na casa - balbuciou Judd. - A esposa de DeMarco. Temos que tirá-la de lá.
McGreavy fitava-o com uma expressão estranha, sem se mexer. Judd compreendeu que não
conseguira emitir as palavras. Levantou a boca até o ouvido de McGreavy e falou lentamente, a voz débil, vacilante:
- Anne DeMarco… Ela está… na casa… Ajude…
McGreavy foi até o carro, pegou o microfone do rádio e transmitiu as instruções necessárias.
Judd continuou parado ali, cambaleando, ainda sendo jogado para a frente e para trás pela recordação dos socos de DeMarco, deixando que a chuva e o vento lhe castigassem ainda mais o corpo. Viu à sua frente um corpo estendido no chão e compreendeu que se tratava de Rock Vaccaro.
"Nós vencemos", pensou ele. "Nós vencemos"! Ele continuou a repetir a frase em sua mente,
sem parar. Mesmo sabendo que a frase não tinha o menor sentido. Que espécie de vitória fora aquela?
Ele sempre pensara em si mesmo com um ser humano decente e civilizado, um médico, um homem que dedicava a vida a curar os outros. Mas se transformara num animal selvagem, dominado pela ânsia de matar. Levara um homem doente à beira da insanidade e depois o assassinara. Era um fardo terrível que teria que carregar pelo resto da vida. Porque, muito embora pudesse justificar-se alegando que fora em legítima defesa, ele sabia - e que Deus o ajudasse! - que gostara de fazê-lo. E por isso jamais poderia perdoar-se. Ele não era melhor do que DeMarco ou os irmãos Vaccaro ou qualquer um dos outros. A civilização era uma camada fina e perigosamente frágil. Quando essa camada se rompia, o homem tornava-se novamente igual às bestas selvagens, resvalando de volta ao lodo dos abismos primitivos, dos quais ele se orgulhava de ter saído para sempre.
Judd estava cansado de mais para continuar a pensar nisso. Agora queria apenas certificar-se
de que Anne estava em segurança. McGreavy estava parado ao seu lado, numa atitude
estranhamente gentil.
- Há um carro da polícia a caminho da casa dela, Dr. Stevens. Certo?
Judd assentiu, agradecido.
McGreavy segurou-lhe o braço e levou-o até um carro. Ao avançar lenta e dolorosamente
pelo pátio. Judd percebeu que parara de chover. No horizonte distante as nuvens de trovoadas haviam sido varridas pelo vento forte de dezembro e o céu começava a clarear. A oeste, um pequeno raio de luz apareceu. Era o sol, lutando por atravessar a camada de nuvens, com o seu brilho tornando-se cada vez mais intenso.
Ia ser um Natal Maravilhoso.
FIM.