Hanson que não queria mais vê-lo. Talvez ele não tenha gostado. Em três anos de relacionamento ele ficou inteiramente dependente do senhor. Os dois tiveram uma briga.
O rosto de Judd tentou transparecer toda a raiva que ele estava sentindo. Foi Angeli quem
rompeu a tensão:
- Pode-se recordar de alguém que tivesse motivo para odiá-lo, Doutor? Ou alguém a quem
ele pudesse odiar?
- Se tal pessoa existisse, eu poderia dizer. Creio que eu sabia tudo quanto dizia respeito a
John Hanson. Ele era um homem feliz. Não odiava ninguém e não sei de ninguém que o odiasse.
- Maravilhoso para ele. Deve ser um médico e tanto, Doutor - comentou McGreavy. - Agora
dê-nos a ficha dele, que vamos levá-la.
- Não.
- Podemos obter uma ordem judicial.
- Pois então obtenha. Não há nada na ficha de Judd Hanson que possa ajudá-los.
- Então que mal pode haver em nos entregá-la? - indagou Angeli.
- Pode prejudicar a esposa e os filhos de Hanson. Creio que vocês estão na pista errada. Não
tardarão a descobrir que Hanson foi morto por um estranho.
- Tenho certeza que não - disse McGreavy, rispidamente.
Angeli tornou a embrulhar a capa e prendeu o barbante.
- Devolveremos a capa depois que tivermos feito mais alguns testes nela, Doutor.
- Pode ficar com ela.
McGreavy abriu a porta que dava para o corredor.
- Voltaremos a procurá-lo, Doutor.
Ele saiu. Angeli acenou para Judd e saiu também.
Judd ainda estava parado junto à porta, os pensamentos tumultuados, quando Carol entrou.
- Está tudo bem? - indagou ela, hesitante.
- Alguém matou John Hanson.
- Matou?
- Ele foi apunhalado.
- Oh, meu Deus! Mas por quê?
- A polícia não sabe.
- Mas que coisa terrível!
Carol notou a dor que havia nos olhos de Judd e acrescentou:
- Há alguma coisa que eu possa fazer, Doutor?
- Poderia fechar o consultório, Carol? Vou procurar a Srª Hanson. Quero eu mesmo
transmitir-lhe a notícia.
- Pode deixar que eu cuido de tudo, Doutor.
- Obrigado.
E Judd partiu.
Trinta minutos depois Carol acabara de pôr as fichas em ordem e estava trancando a sua
escrivaninha quando a porta do corredor se abriu. Já passava das seis horas da tarde e o prédio estava fechado. Carol levantou os olhos para ver o homem sorrir e avançar em sua direção.
Capítulo 3
Mary Hanson parecia uma boneca: pequena, bonita, de feições delicadas. Por fora, ela era
toda suavidade, uma típica representante do desamparo feminino do sul. Mas, por dentro, era feita de granito. Judd conhecera-a uma semana depois de ter iniciado o tratamento do marido. Ela se manifestara histericamente contra o tratamento, e Judd pedira-lhe que fosse conversar com ele.
- Por que se opõe a que seu marido faça um tratamento de psicanálise?
- Não quero que todos os nossos amigos digam que me casei com um maluco - dissera ela
a Judd. - Peça-lhe que me dê o divórcio primeiro. Depois pode fazer o que bem entender…
Judd explicara que um divórcio naquele momento poderia destruir John completamente.
- Não resta mais nada que destruir - gritou Mary. - Se eu soubesse que ele era um efeminado,
acha que eu me teria casado? Ele não é homem, mas mulher!
- Há um pouco de mulher em cada homem, assim como há um pouco de homem em cada
mulher. No caso do seu marido, há alguns problemas psicológicos difíceis que ele precisa superar.
E ele está tentando arduamente, Sra. Hanson. Tem que ajudá-lo. Deve isso a ele e às crianças.
Ele argumentara durante mais de três horas e ela, finalmente, concordara, embora relutante,
em suspender a ação de divórcio por algum tempo. Nos meses que se seguiram ela se tornara, a princípio, interessada e, depois, envolvida na batalha que John estava travando. Judd tinha como princípio jamais tratar de marido e mulher, mas Mary pedira para ser sua paciente e ele descobrira que isso ajudava bastante. À medida que ela começava a compreender a si mesma e a descobrir onde fracassara com esposa, os progressos de John haviam sido dramaticamente rápidos.
E agora Judd estava ali para dizer-lhe que o marido fora assassinado, o que não fazia o menor
sentido. Mary fitou-o em silêncio, incapaz de acreditar no que ele acabara de dizer, certa de que se tratava de alguma espécie de piada macabra. Mas logo ela compreendeu que não, que era mesmo verdade. E pôs-se a gritar:
- Ele nunca mais vai voltar para mim! Ele nunca mais vai voltar para mim!
Ela começou a rasgar as roupas, num acesso de desespero, parecendo um animalzinho ferido.
Os gêmeos de seis anos entraram na sala neste momento e a situação se tornou incontrolável. Judd conseguiu acalmar as crianças e levou-as para a casa de uma vizinha. Deu um sedativo à Sra. Hanson e telefonou para o médico da família. Só foi embora quando teve certeza de que nada mais pudesse fazer. Entrou no carro e partiu sem rumo, imerso em seus pensamentos. Hanson lutara valentemente para sair de um inferno e no momento de sua vitória… Não fazia o menor sentido. Teria sido John Hanson assassinado por algum homossexual? Por algum antigo amante, que se sentira frustrado porque Hanson o deixara? Era possível, é claro, mas Judd não acreditara em tal possibilidade. O Tenente McGreavy dissera que Hanson fora assassinado a um quarteirão do seu consultório. Se o assassino fosse um homossexual, cheio de ódio em seu coração, teria marcado um encontro com Hanson em algum lugar mais íntimo, onde poderia tentar persuadir Hanson a voltar ou então despejar as suas recriminações, antes de assassiná-lo. Jamais iria esfaqueá-lo numa rua cheia de gente e depois fugir.
Numa esquina à sua frente ele viu uma cabine telefônica e só então se lembrou de que
prometera jantar com o Dr. Peter Hadley e sua esposa, Norah. Eram os amigos mais chegados de Judd, mas naquela noite ele não estava com disposição de ver ninguém. Estacionou o carro e entrou na cabine a fim de telefonar para Hadley. Foi Norah quem atendeu:
- Você está atrasado, Judd! Onde é que está agora?
- Norah, acho que vou ter que pedir-lhe que me perdoe por não ir jantar com vocês esta noite.
- Mas você não pode fazer uma coisa dessas! Tenho uma loura sensual aqui em casa,
morrendo de vontade de conhecê-lo.
- Vamos deixar para outra noite, Norah. Hoje não vai mesmo ser possível. Por favor,
apresente a ela as minhas desculpas.
- Vocês, médicos, são todos iguais! Espere um instante que vou chamar o seu colega.
Peter veio ao telefone.
- Algo errado, Judd?
Judd hesitou, mas acabou não contando nada.
- Apenas um dia difícil, Peter. Amanhã eu lhe conto tudo.
- Pois saiba que está perdendo um delicioso hors d'oeuvre escandinavo.
- Eu a conhecerei em outra ocasião.
Ele ouviu um sussurro abafado e depois Norah voltou ao telefone.
- Ela virá cear conosco na noite de Natal, Judd. Você não quer vir também?
Ele hesitou.
- Falaremos sobre isso depois, Norah. E mais uma vez peço desculpas por esta noite.
Judd desligou. Gostaria de encontrar uma maneira delicada de fazer com que Norah parasse
de procurar arrumar-lhe uma esposa.
Judd casara-se no último ano da universidade. Elizabeth estava-se formando também, em
Ciências Sociais. Era uma moça inteligente, alegre e afetiva. Estavam profundamente apaixonados um pelo outro e tinham planos maravilhosos de refazerem o mundo para todos os filhos que iam ter.
E no primeiro natal em que estavam casados Elizabeth e seu filho que ainda não nascera haviam morrido num acidente de automóvel. Judd passara a se concentrar em seu trabalho e, com o passar dos anos, transformara-se num dos mais conceituados psicanalistas do país. Mas ainda não podia suportar a companhia de outras pessoas a comemorar o Natal. De certa forma, embora ele constantemente repetisse a si mesmo que estava errado, o Natal era uma data que pertencia a Elizabeth e ao seu filho que não nascera.