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O que era típico do seu estado. Ele estava totalmente absolvido em si mesmo.

- Não acreditou no que eu lhe disse antes, mas agora tenho provas concretas de que eles estão

querendo liquidar-me - disse Burke.

- Pensei que concluíamos que não deveríamos ser precipitados, Harrison - disse Judd,

cauteloso. - Lembre-se de que ontem concordamos em que a imaginação pode…

- Mas não é imaginação minha! - gritou Burke.

Ele sentou-se, com os punhos cerrados.

- Eles estão mesmo tentando me matar!

- Por que não se deita e procura relaxar? - sugeriu Judd, suavemente.

Burke levantou-se bruscamente.

- É tudo o que tem a dizer? Nem mesmo está querendo ouvir as minhas provas!

Seus olhos se estreitaram sombriamente e ele acrescentou:

- E como é que posso saber que o senhor não é um deles?

- Sabe perfeitamente que não sou um deles. Sou seu amigo. Estou tentando ajudá-lo.

Judd sentiu um quê de desapontamento. O progresso que pensava terem feito ao longo do

último mês desaparecera completamente. Ele estava olhando agora para o mesmo paranóico aterrorizado que entrara em seu consultório dois meses antes.

Burke começara na Internacional Steel como office boy. Em vinte e cinco anos a sua boa

aparência e a personalidade afável haviam-no levado até quase ao alto da escada executiva da

corporação. Ele chegara a se tornar candidato natural à presidência. E então, quatro anos antes, a esposa e os três filhos tinham morrido num incêndio na casa de verão da família, em Southampton.

Burke, na ocasião, estava nas Bahamas, com a amante. A tragédia marcou-o mais fundo do que se poderia imaginar. Educado na tradição do catolicismo, Burke não conseguira livrar-se do sentimento de culpa. Passara a remoer a tragédia, encontrando-se cada vez menos com os amigos. Passava as noites em casa, revivendo as agonias da esposa e filhos, sendo queimados até a morte, enquanto outra parte da mente recordava-lhe que, nesse momento, estava na cama com a amante. Era como um filme, que passava repetidamente na tela de sua mente. Ele assumiu toda a culpa pela morte da família. Se estivesse presente, poderia tê-los salvo. A idéia tornara-se uma obsessão. Ele era um monstro! Sabia disso e Deus também sabia! E evidentemente muitos outros podiam perceber também!

Deviam odiá-lo tanto quanto ele odiava a si mesmo. As pessoas sorriam-lhe e demonstravam-lhe simpatia, mas estavam apenas à espera de que ele se traísse, para poderem encurralá-lo. Mas ele era mais esperto do que todos os outros. Parou de ir almoçar no refeitório dos executivos, passando a comer na intimidade de sua própria sala. Evitava os outros o mais possível.

Dois anos antes, quando a companhia precisara de um novo presidente, haviam posto Burke

de lado e contrataram um executivo de fora. Um ano antes ficara vago o cargo de vice-presidente executivo e novamente haviam passado por cima de Burke e designado outro para o lugar. Ele tivera então todas as provas de que precisava para ter certeza de que havia uma conspiração contra ele.

Começou a espionar as pessoas ao seu redor. De noite escondia gravadores nos escritórios dos outros executivos. Seis meses atrás fora apanhado. Só não fora despedido sumariamente por causa dos muitos anos na companhia e do posto que ocupava.

Querendo ajudá-lo e aliviar um pouco da pressão que havia em cima de Burke, o presidente

da companhia reduziu-lhe bastante as atribuições. Mas, em vez de ajudar, isso só serviu para ainda mais convencer Burke de que eles estavam tentando liquidá-lo. Eles tinham medo dele porque era mais inteligente. Se se tornasse presidente, eles todos iriam perder os seus empregos, porque eram muito estúpidos. Começou a cometer erros e mais erros. Quando lhe apontavam esses erros, ele negava, indignado, tê-los cometido. Alguém estava deliberadamente alterando os seus relatórios, mudando as cifras e estatísticas que apresentava, só para desacreditá-lo. Logo descobriu que não era apenas as pessoas da companhia que estavam contra ele. Havia também muitos espiões lá fora. Era seguido na rua. Interceptavam suas conversas ao telefone, liam-lhe a correspondência. Tinha receio de comer, porque achava que iam envenenar sua comida. Começou a emagrecer alarmantemente. O preocupado presidente da companhia marcara uma consulta com o Dr. Peter Hadley, e insistira para

que Burke comparecesse. Depois de meia hora de conversa com Burke, Hadley telefonara para Judd.

Judd não tinha nenhuma hora disponível, mas Peter insistira em que o problema era grave e urgente, e ele terminara concordando em aceitar o novo cliente.

E agora Harrison Burke estava deitado no divã, com os punhos cerrados.

- Fale-me das provas que descobriu.

- Arrombaram a minha casa ontem à noite. Queriam matar-me. Mas sou mais esperto do que

eles. Estou dormindo agora no escritório e instalei trancas duplas nas portas, para que não me possam apanhar.

- Comunicou o arrombamento à polícia?

- Mas é claro que não! A polícia está do lado deles. Tem ordens para atirar em mim. Mas não

se atreverão a fazê-lo enquanto houver outras pessoas por perto. Por isso é que agora fico sempre no meio de uma multidão.

- Fico satisfeito de que me tenha dado essa informação.

- O que pretende fazer com ela? - indagou Burke, ansioso.

- Escutei atentamente tudo o que disse. Está tudo aqui na fita gravada. Assim, se o matarem,

teremos uma prova gravada da conspiração.

Burke se levantou bruscamente, o rosto radiante.

- Por Deus! Isto é ótimo! Vai realmente dar um jeito neles!

- Por que não se deita novamente? - sugeriu Judd.

Burke assentiu e voltou a acomodar-se no divã. Fechou os olhos.

- Estou exausto. Há meses que não durmo. Não posso dar-me ao luxo de fechar os olhos.

Não faz idéia do que significa saber que todo mundo está querendo acabar com a gente.

"Será que não?", pensou Judd, recordando-se de McGreavy.

- O seu criado ouviu as pessoas que arrombaram a casa?

- Eu não lhe disse? Despedi-o há duas semanas.

Judd repassou rapidamente as duas últimas sessões com Harrison Burke. Somente três dias

antes Burke relatara uma briga que tivera naquele dia com o seu criado particular. Isso significava que a noção de tempo dele estava ficando totalmente desorientada.

- Acho que não falou a esse respeito - disse Judd, sem qualquer ênfase. - Tem certeza mesmo

de que há duas semanas que o mandou embora?

- Eu não cometo erros. Como diabos acha que me tornei vice-presidente de uma das maiores

empresas do mundo? Porque tenho uma inteligência brilhante, Doutor, e não me esqueço de nada.

- Por que o despediu?

- Ele tentou envenenar-me.

- Como?

- Com um prato de ovos com presunto, cheio de arsênico.

- Chegou a provar?

- Mas é claro que não!

- E como sabia que a comida estava envenenada?

- Senti o cheiro do veneno.

- E o que disse ele?

Uma expressão de satisfação se estampou no rosto de Burke.

- Eu não disse coisa alguma. Simplesmente o mandei à merda.

Judd sentiu-se dominado por uma sensação de frustração. Se tivesse tempo, ele certamente

poderia ajudar Harrison Burke. Mas o tempo se esgotara. Na psicanálise há sempre o perigo de que, ao impulso da livre associação de idéias, a tênue camada que envolve o id se rompa e deixe escapar todas as paixões e emoções primitivas que se amontoam no fundo da mente, como bestas selvagens aterrorizadas à espreita, numa noite escura. Mas a primeira etapa de tratamento é sempre a de se permitir ao paciente dar vazão a tudo o que tem dentro de si. No caso de Burke, isso atuara como um bumerangue. As sessões haviam liberado todas as hostilidades latentes que estavam trancadas em sua mente. Burke parecera melhorar a cada sessão, concordando com Judd em que não havia conspiração alguma, que seu único problema era excesso de trabalho e esgotamento nervoso. Judd pensara que estava levando Burke a um ponto em que poderia começar uma análise profunda, atacando a raiz do problema. Mas Burke estivera simplesmente mentindo o tempo todo. Testando Judd, levando-o a cair em sua própria armadilha, para descobrir se o médico não era um deles.