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Ficha Técnica

Título originaclass="underline" THE EMPRESS OF ICE CREAM

Título: A Rainha dos Gelados

Autor: Anthony Capella

Traduzido do inglês por Elsa T. S. Vieira

Capa: Maria Manuel Lacerda

Imagem da capa: Ashley Lebedev/Trevillion Images

ISBN: 978-989-23-1049-7

Edições ASA II, S.A.

é uma editora do Grupo LeYa

R. Cidade de Córdova, n.º 2

2160-038 Alfragide – Portugal

Tel.: (+351) 214 272 200

Fax: (+351) 214 272 201

© 2010, Anthony Capella

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www.asa.leya.com

www.leya.pt

«Neste romance gastronómico, Anthony Capella explora a ardente história do gelado.»

The Independent

«Maravilhosamente escrito, com personagens sumptuosas e condimentado com receitas de fazer crescer água na boca… É ficção histórica no seu melhor.»

Candis

«Um romance envolvente na melhor tradição de O Perfume; delicioso, irresistível e arrebatadoramente gelado.»

The Daily Mail

«Uma história de amor onde se cruzam salpicos de História e maravilhosas descrições de comida. Os fãs de Capella não irão ficar desapontados.»

Wisbech Standard

«Delicioso.»

Star Magazine

Que a realidade ponha fim às aparências. O único imperador é o imperador dos gelados.

Wallace Stevens, «The Emperor of Ice Cream»

Para Louise Denne

NOTA DO EDITOR

Durante muitas décadas, o conjunto de documentos do século dezassete descobertos na Grande Biblioteca de Ditchley Park, que ficaram posteriormente conhecidos como o Pacote Ditchley, foi em grande medida ignorado pelos estudiosos. Tal como muitos textos desse período turbulento, estavam escritos em código, um código aparentemente ainda mais impenetrável do que o utilizado por Samuel Pepys. Só depois da venda do Pacote à América, juntamente com dezenas de outros manuscritos antigos, em finais dos anos noventa, é que um arquivista – na verdade, um jovem e inteligente estagiário de Wellesley – se perguntou o que aconteceria se o texto original estivesse escrito, não em inglês, mas em francês, e o até en­tão diário privado de Louise de Keroualle, amante do rei Carlos II, foi revelado ao mundo.

Parece que a determinada altura, durante o tempo que esteve em Inglaterra, Louise começou a escrever na sua língua mãe um relato encriptado da vida na corte inglesa. Se o fez para aliviar as saudades de casa, como apólice de seguro caso fosse presa, ou, como foi sugerido mais recentemente, como uma espécie de substituto para a confissão que já não podia fazer a um padre – uma vez que estava agora, claro, num estado de pecado mortal impenitente – não sabemos. Estas especulações também não derivam naturalmente do manuscrito em si mesmo que, em certas partes, parece mais um documento moderno de estratégia política ou um manifesto por uma Europa unida do que um livro de memórias; e que, apesar da aparente posição que ela detinha na casa real, contém na verdade muito menos em termos de detalhes libertinos do que, por exemplo, o diário de Pepys. Ao fazer estes extractos, concentrei-me nas experiências pessoais de Louise na corte e no seu círculo, e não no envolvimento que teve nas grandiosas intrigas e conspirações que preocupavam grande parte da Europa na época e que já estão habilmente descritas noutros lados.

O tratado de Carlo Demirco – se não se considerar a palavra «tratado» demasiado grandiosa para o prefácio de um livro de receitas práticas – requer muito menos apresentações. Os historiadores alimentares há muito que estão fascinados pela história do gelado e, em particular, pelo facto de a primeira menção registada do mesmo, em todo o mundo, surgir em Inglaterra, na ementa de um banquete de cerimónia oferecido pelo rei Carlos II aos Cavaleiros da Ordem da Jarreteira em 1671 – o mesmo ano, a propósito, em que Louise se tornou sua amante. Carlo Demirco não é o único que pode reclamar ser o progenitor do gelado – é preciso levar também em consideração relatos rivais como La Maison Réglée, de Lucian Audiger, publicado em Paris em 1692 – mas é o único que explica todas as circunstâncias conhecidas, como o facto de, no Banquete da Ordem da Jarreteira, o confeiteiro real ter servido apenas uma taça de gelado, unicamente para a mesa do rei; e o único que tem receitas para apoiar as suas afirmações, muitas dos quais, aliás, são usadas ainda hoje.

O livro de Demirco – impresso pela primeira vez em 1678, traduzido para cinco línguas antes do final desse século, republicado durante a grande loucura dos gelados da era Jorgiana como O Livro dos Gelos, e que só caiu no esquecimento quando os métodos modernos de refrigeração tornaram finalmente as suas técnicas desactualizadas – pode parecer um estranho companheiro para as memórias secretas e encriptadas de uma cortesã real, em particular uma tão pouco popular em geral como Louise, que tanto o público do seu tempo como os historiadores modernos têm tendência a encarar como uma representante sem princípios de uma era particularmente avara. Talvez a publicação, finalmente, destas partes do seu diário, possa contribuir de alguma forma para a apresentar sob outra luz. De forma intrigante, há evidências de que os dois documentos – as receitas e o diário – estiveram em tempos lado a lado, juntos, no Pacote, durante a sua longa estada no armário da biblioteca: as manchas de cozinha que adornam as páginas de O Livro dos Gelos sugerem que, a dada altura nos trezentos anos intermédios, o Pacote foi descoberto e dele retirado apenas o volume de Demirco, colocado então a uso de uma forma que o seu autor teria certamente aprovado.

PARTE UM

CARLO

Para refrescar vinho: use um bloco de gelo ou neve bem compacta; divida-o e rache-o e faça-o em pó, tão fino quanto desejar; coloque-o num balde de prata e empurre a garrafa bem para o fundo.

O Livro dos Gelos

É costume, em obras como aquela que inicio agora, começar por descrever as circunstâncias do nascimento do autor e, assim, estabelecer a autoridade que pode reivindicar para se dirigir ao leitor (a sua posição na vida, aquilo que alcançou e por aí fora, tudo naturalmente determinado pelo seu lugar na sociedade).

Infelizmente, não posso fazer tais reivindicações, pois o meu nascimento foi humilde e o meu crescimento miserável.

Creio que não teria mais de sete ou oito anos quando o persa, Ahmad, me levou da minha família. Tudo o que recordo agora da ilha onde os meus pais viviam é que as amendoeiras ficavam brancas na Primavera, como neve no cume do grande vulcão que se erguia sobre elas, e como era verde o mar onde o meu pai pescava. Esse mesmo mar trazia-nos barcos como aquele em que Ahmad chegou, à procura de um rapaz para ser seu aprendiz. Quando me viu a remendar as redes com o meu pai, falou com os meus pais da grande vida que eu levaria, do esplendor de Florença e da corte maravilhosa onde seria colocado. Desse dia em diante, dei por mim ao serviço de um mestre cruel e caprichoso. Não Ahmad – embora ele fosse severo, não era pior do que muitos outros. Não, o mestre que me tratou tão duramente foi o próprio gelo.