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Assenti, embora me parecessem extraordinárias as complexas mentiras dentro de mentiras de que era feita a diplomacia francesa.

– É bem sabido que este plano tem sido a grande preocupação de madame Henrietta desde que o irmão recuperou o trono – prosseguiu Olympe. – Mas houve vários obstáculos… e um dos mais importantes da parte daqueles na nossa corte que se opõem a uma aliança com protestantes e regicidas. Madame já sofreu de ataques inexplicados antes e os médicos acreditam que foram causados por veneno.

– Não fazia ideia.

– Claro que não. Trata-se de questões subtis e secretas. – Olympe inclinou-se para a frente, com os olhos a brilharem. – Mas se a pequena Louise de Keroualle, na sua tenra idade, se tornou a agente confidencial de Madame, deve ser muito mais do que a criança simples que julguei.

Recordei aquela voz sardónica; o olhar inteligente e preguiçoso.

– Não há dúvidas de que não é nenhuma simplória.

Olympe acenou.

– O que, por sua vez, pode ser um problema para mim.

– Para ti? Porquê?

– Porque espero que o rei regresse um dia à minha cama de forma mais permanente, claro – respondeu ela, simplesmente. – Ele escolheu a sua amante actual entre as damas de companhia de Madame e tenho de ter cuidado para que não o faça de novo. Talvez esteja na altura de a bonita e esperta mademoiselle de Keroualle regressar à Bretanha. – Olhou para mim. – Quanto ao teu pequeno problema, é fácil de resolver.

– É?

Olympe levantou-se e dirigiu-se ao quarto.

– Bem sei que disse que não faríamos isto por enquanto, mas acho as intrigas estranhamente excitantes. Vem: a tua cura aguarda-te.

Depois, ela disse:

– Então… achas que a tua virgenzinha poderia alguma vez ter sido assim tão divertida?

Ri-me.

– Tens toda a razão, como sempre. Ela é demasiado monótona para mim. Não perderei mais tempo a pensar nela.

– Não sejas tão precipitado – aconselhou Olympe.

Algo no seu tom de voz alertou-me.

– Olympe, o que estás a maquinar agora?

– Tive uma ideia – admitiu ela. – Bastante deliciosa… as mi­nhas melhores ideias surgem quando faço amor. É muito simples. Em vez de a seduzires, porque não casas com ela?

– Casar com a Louise!

– Sim. É perfeito, não é? Afinal de contas, tens de casar algum dia, e deve ser com alguém que promova os teus interesses. Tens dinheiro… dinheiro novo, sim, mas uma rapariga na posição dela não pode ser demasiado esquisita e o tempo está a esgotar-se; ela já deve ter pelo menos vinte anos. É de uma boa família e é evidente que o rei gosta dela. Se a tomasses como esposa, consolidarias a tua própria posição.

Fiquei em silêncio durante um momento.

– E depois?

Ela encolheu os ombros.

– Assim que a engravidares, instala-la numa casa num local adequadamente remoto. Não precisa de afectar as tuas outras relações. – Pousou a mão no meu braço e acariciou-me distraidamente. – Até pode facilitar as coisas. Há muitas mulheres que preferem ter um caso com um homem casado do que com um solteiro. Terias o melhor dos dois mundos.

– E serve também os teus interesses, ao afastar Louise de Keroualle da corte.

– Claro – foi a resposta dela. – Nunca o teria sugerido de outra forma.

Pensei no assunto. Era verdade que eu devia casar em breve: era também verdade que a minha fortuna e o patrocínio real significavam que podia ter esperança de casar com alguém com boas relações. Já subira mais alto do que alguma vez julgara possível mas, com a mulher certa e, esperava eu, a presidência da corporação, não havia motivos para não subir mais ainda.

– Bom, vou pensar nessa possibilidade – disse. Olympe limitou-se a sorrir enigmaticamente.

CARLO

Para fazer neve: junte meio galão de natas espessas e as claras de oito ovos, e bata tudo com uma colher. Depois, pegue num pau e corte a ponta, abrindo-o em quatro varas: perfume a mistura com essência de bergamota ou água de rosas e bata com vigor até subir.

O Livro dos Gelos

Em Florença, Ahmad contava por vezes histórias enquanto trabalhávamos. Eram sobre muitas coisas, mas sempre, de alguma forma, sobre gelo.

Uma das histórias era sobre os nossos patrões e um homem que trabalhara para eles cento e cinquenta anos antes. Rezava a história que, um Inverno, nevara em Florença. Os filhos de Piero de Médicis tentaram fazer um boneco de neve mas, sendo crianças e sem experiência, os seus esforços não foram bem-sucedidos. Assim, Piero chamou um dos artistas do seu falecido pai e ordenou-lhe que esculpisse um boneco de neve.

O jovem tentou explicar que trabalhar com neve não era um uso adequado para o seu talento, mas Piero de Médicis disse-lhe que esperava a obra terminada de manhã.

Durante toda essa noite gelada, à luz do luar, o artista esculpiu a neve como se fosse um bloco do melhor mármore de Carrara, com as mãos enroladas em trapos ensopados e gelados para se proteger do frio.

De manhã, os príncipes Médicis correram para o pátio para ver o que ele fizera. Era, escreveu um contemporâneo, sem dúvida o mais belo boneco de neve que alguém já tinha visto. Mas o tempo durante o dia aqueceu e com o tempo mais quente veio a chuva. Em breve não restava nada da primeira escultura de Miguel Ângelo a não ser uma estalagmite atrofiada, como um dente podre, a única coisa branca ainda no pátio.

Neste ponto da história, Ahmad fazia sempre uma pausa.

– Há pessoas que usam esta história para ilustrar a efemeridade da beleza e a tirania do tempo, rapaz. Eu encontro nela outro significado. Duas coisas, na verdade. Primeira, quando um Médicis nos manda saltar, perguntamos a que altura. E segunda… – Os seus olhos pousavam sobre mim com ar pensativo. – E a segunda coisa é, mantém sempre o teu gelo longe da chuva.

Fiz um boneco de neve para Louise de Keroualle.

Provavelmente não estava tão espectacular como o de Miguel Ân­gelo, mas, por outro lado, o de Miguel Ângelo não era comestível.

Primeiro tinha de fazer a neve. Leite e açúcar, aromatizados com água de rosas, misturados com claras de ovo e batidos com um batedor. Só depois de a espuma estar tão leve que flutuava ao cair do batedor é que a gelei, transformando-a em flocos da neve mais pura e delicada.

Desta, fiz duas bolas para o corpo e a cabeça, adicionando um chapéu de caramelo duro e um sorriso de laranja cristalizada. Os olhos eram passas secas, o nariz uma cereja conservada em licor. Numa das mãos, o boneco de neve tinha uma vassoura feita de rosmaninho e no peito uma fatia de morango cristalizado, no lugar do coração.

E, finalmente, fiz nevar.

Esta era uma proeza supostamente inventada pelo grande Buontalenti, que mesmo Ahmad apenas raramente arriscava. Quando uma fina neblina de água de rosas era pulverizada sobre uma mistura de gelo e salitre, as gotículas transformavam-se em cristais tão leves que não subiam nem desciam, flutuando no ar como partículas de folha de ouro cintilante.

Louise não demorou muito a visitar-me – agora, todos os dias havia mais um pedido de água de chicória gelada para ajudar a digestão de Madame, e Louise ou uma das outras damas de companhia vinham buscá-la. Esperei até ela aparecer com o pedido habitual e disse, bruscamente:

– Já está preparada.

Ela ergueu as sobrancelhas e olhou em volta.

– Não a vejo.

– Ali dentro. – Indiquei uma porta com a cabeça.

Ela pareceu desconfiada, mas não disse nada e entrou. Ouvi-a soltar uma exclamação abafada e depois silêncio.

Fiquei onde estava. Apercebi-me, de súbito, de que não fazia ideia se ela ia gostar ou não.

Depois algo frio e molhado atingiu-me na cabeça. Girei sobre mim próprio. Apanhei um vislumbre de olhos risonhos antes de uma segunda bola de neve, lançada com a outra mão, me acertar no pescoço.