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Percebi o que ela queria dizer.

– Então não quer na realidade casar com um nobre…

– Não tenho escolha – interrompeu ela. – Não partilho ne­cessariamente a obsessão dos meus pais com linhagem e nobreza. Mas são os meus pais e tenho de aceder aos seus desejos. É o meu dever.

– Então, nada de casamento – disse, obstinadamente. – Muito bem. Mas isso não significa…

– Oh, não – cortou-me ela a palavra. – Não pense nem por um momento que sou como a sua amiga Olympe.

– Não pretendia sugerir que fosse – murmurei.

Mas Louise estava a olhar para mim como se lhe tivesse ocorrido subitamente uma ideia.

– Foi ela que o convenceu a fazer isto?

A resposta devia estar escrita no meu rosto, porque ela não esperou que eu abrisse a boca para acrescentar:

– Claro. Maravilhoso. Isto é a ideia que ela faz de uma piada, não é?

– Não – protestei.

– Não? Provocar-me em relação à minha situação delicada é precisamente o tipo de coisa que ela acharia divertida. – Sorriu, tristemente. – Suponho que estou a pagar por aquilo que penso dela e de outras como ela. Bom, pode congratular-se, signor. Logo à noite, esta sua partida já será a diversão de toda a corte.

– Espere – chamei, enquanto ela virava costas. – Espere. Louise… eu não estava a brincar. Quer dizer, a ideia pode ter sido da Olympe, mas…

Era tarde de mais. Louise desapareceu dentro de casa. Mas não antes de eu ver lágrimas naqueles olhos verdes.

*

Voltei ao palácio onde, quase de imediato, encontrei Olympe. Era evidente que estivera a observar de uma das janelas que davam para os jardins.

– Então? – perguntou.

– Ela recusou – respondi, secamente.

– A sério? – O rosto de Olympe era o retrato da inocência. – Por algum motivo em particular?

– Disse que casar com um confeiteiro italiano sem berço nobre era impensável.

Olympe acenou com expressão séria, mas havia um brilho divertido nos seus olhos.

– Ela por acaso mencionou a sua linhagem nobre? A família mais antiga da Bretanha? Falou… – arregalou muito os olhos – …nas Cruzadas?

– Sim – confirmei. – Também perguntou se foste tu que me convenceste a fazer isto. Ao que parece, a nossa associação é bem conhecida.

Olympe fechou os olhos e os seus ombros tremeram.

– Impagável! – conseguiu arquejar. – Impagável!

– Ainda bem que achaste graça.

– Oh, Carlo, não fiques assim – disse ela, limpando os olhos. – Tens de ver o lado engraçado… ela deve ter ficado furiosa; é bem feita, por ser uma prudefemme tão virtuosa.

Ri-me, mas sem grande vontade; embora não houvesse dúvida de que Louise de Keroualle se revelara excessivamente orgulhosa e totalmente desprovida da frivolidade que tanto animava a nossa vida na corte, não pude deixar de sentir que não saíra deste episódio com muito boa imagem.

– Parece que me enganaste bem – disse-lhe.

Olympe sorriu.

– Tu é que te enganaste a ti próprio. Eu fiz-te um favor. Corrias o perigo de deixares as tuas emoções atrapalharem os teus prazeres. Às vezes, é preciso recuar um pouco.

– Claro – disse. – Obrigado.

Não valia a pena discutir mais com Olympe, e ela estava certa, claro: eu tinha permitido que os meus sentimentos me toldassem o julgamento. Mas não podia deixar de pensar em como me sentiria diferente neste momento se a resposta de Louise ao meu pedido tivesse sido «sim».

LOUISE

Naquele dia fatídico, atrasei-me um pouco a voltar ao apartamento de Madame. Houvera um incidente com um dos confeiteiros do rei, um assunto de pouca consequência por si só mas algo perturbador, como essas coisas podem ser por vezes. O mais aborrecido, contudo, foi que me atrasou e, enquanto subia apressadamente os degraus para o apartamento de Madame, percebi que estava sem fôlego.

Depois, quando entrei, vi aquela nobre dama a chorar e todos os pensamentos sobre o confeiteiro se evaporaram da minha mente.

– O que se passa, Madame? – perguntei.

Ela ficou sobressaltada ao ver-me.

– Apenas uma carta abjecta. – Por um momento, pensei que não diria mais nada, mas depois acrescentou: – Do meu marido.

Mantive a voz nivelada.

– Espero que monsieur le compte esteja bem.

Madame sorriu tristemente.

– Suficientemente bem para me dizer que sou uma traidora e uma meretriz; que lhe chegaram aos ouvidos mais rumores sobre mim e uma certa pessoa da corte e que devo deixá-la imediatamente e ir ter com ele a Milão, para que possa mais uma vez tentar colocar um herdeiro em mim. – Falou em tom ligeiro, mas claro que percebi a aflição na sua voz.

Devo agora descrever este modelo de perfeição, essencialmente pelo prazer de o fazer e não por qualquer necessidade de a fixar na minha mente (pois o seu retrato é tão bem conhecido aqui em Inglaterra como em França e, seja como for, não se passa um dia em que não pense nela). Era de constituição delicada – tão delicada que as roupas quase lhe caíam do corpo. Apenas eu e algumas outras sabiam a quantidade de enchimento que colocava sob os seus vestidos da corte, ou como a sua pele era tão branca que, em certos sítios, se conseguiam ver as veias azuis muito abaixo da superfície. No entanto, quando olhávamos para ela, não reparávamos na sua fragilidade, tão radiante era a sua expressão, tão intensa a bondade dos seus olhos; e quando falava da sua grande preocupação – o plano para unir os seus dois mais queridos amigos, o seu irmão Carlos e o seu protector Luís, numa aliança política que formaria a base para um grande império europeu de paz e prosperidade – os seus olhos pareciam arder com convicção; uma convicção que, juntamente com as suas muitas qualidades agradáveis e o seu charme, fora essencial no sucesso considerável da sua diplomacia até então. No entanto, não estava certamente em condições de dar um herdeiro a ninguém, mesmo que o marido conseguisse deixar de sodomizar os seus amantes do sexo masculino o tempo suficiente para a engravidar.

– E tenciona ir? – perguntei.

– Como posso? O traité simulé ainda não foi assinado. Enquan­to isso não acontecer, o traité secrete não está seguro, nem, com ele, o trono do meu irmão. – Pegou noutro envelope. – Recebi também uma carta dele.

– Do rei Carlos? Posso ver?

– Claro. – Madame sorriu do meu entusiasmo. – Na verdade, pode lê-la em voz alta. Um trago de cordial doce para limpar o gosto amargo das palavras do meu marido. – Estendeu-me a carta.

Consciente de que o meu inglês não era tão puro como o de Madame, li lentamente:

– «Minha querida Minette…»

– Minette! Ele ainda pensa que sou uma criança – comentou Madame com um sorriso no rosto.

– «Primeiro tenho de a repreender, pois na sua última carta dirigiu-se novamente a mim como Vossa Majestade, não apenas uma, mas uma dúzia de vezes. Não me trate com tanta cerimónia, nem se dirija a mim com tantos majestades, já que entre nós os dois não devia haver outra coisa a não ser afecto…» – Fiz uma pausa. – As palavras dele são tão bondosas.

– É o homem mais bondoso do mundo – disse Madame, simplesmente.

– Fiquei sem dúvida com essa impressão o mês passado, em Dover. – A assinatura do tratado, o traité secrete como era chamado, fora feita sob o pretexto de celebrar o aniversário de Carlos. Durante duas semanas, o cortejo real, do qual tive a honra de fazer parte, velejara, fizera piqueniques, assistira a peças e participara em bailes. Quando o navio de Madame finalmente nos trouxe de lá, Carlos ordenou ao seu próprio iate que nos seguisse quase até à costa de França, para poder abraçar a irmã uma última vez, com os olhos cheios de lágrimas.