Выбрать главу

O homem que dera os parabéns ao boticário avançou.

– Devíamos revistar-lhe o quarto.

Fui empurrado para cima e obrigado a abrir os baús. À medida que abria cada um deles, uma dúzia de cabeças inclinava-se para examinar o conteúdo. As minhas roupas de corte foram retiradas e espalhadas pelo chão – vi os meus belos lenços franceses desaparecerem no bolso de um dos homens quando ninguém estava a olhar. Ao verem os meus moldes, houve um momento de silêncio confuso até que alguém sugeriu que deviam servir para fazer explosivos.

– E aqui está outro – gritou uma voz, ao descobrir o último baú embrulhado nas cobertas da cama. – Escondido. Deve ser a pólvora do papista.

– Tem cuidado, Obadiah. Pode ser perigoso.

Quando o homem chamado Obadiah pousou as mãos na tampa, retirou-as bruscamente.

– Raios, está frio – exclamou.

– Frio?

– Como gelo.

Cuidadosamente, levantou a tampa. Alguns recuaram. Outros aproximaram-se para ver melhor.

Aninhados no baú, dentro de um robusto revestimento de madeira de cedro, estavam seis blocos prateados, cada um do tamanho de uma Bíblia. Num dos lados havia um compartimento cheio de limões de casca grossa; no outro, uma quantidade semelhante de groselhas negras, com a pele escura manchada por orvalho congelado. Um dos homens enfiou a mão no baú e depois tirou-a como se tivesse sido mordido.

– O que é? – perguntou o estalajadeiro, confuso.

– Tesouro? Feitiçaria?

Uma voz disse, da porta:

– Ambas as coisas, de certa forma. É gelo.

Todos se viraram, incluindo eu. À porta, perfeitamente calmo, estava o homem que eu conhecera no barco.

Ele entrou no quarto.

– Este homem não é nenhum Guido Fawkes. Não veio rebentar convosco; veio para fazer um pudim para o rei. Mais ainda, está aqui sob a autoridade pessoal de lorde Arlington. A menos que algum de vocês queira provocar o desagrado do meu mestre, sugiro que fechem esse baú antes que derreta. – Acenou na minha direcção. – Creio que ainda não fomos formalmente apresentados. Capitão Robert Cassell, senhor, muito prazer em conhecê-lo. Vou colocar um guarda à sua porta para que os seus bens não voltem a ser transtornados, e depois o meu mestre gostaria de lhe dar uma palavra.

Pouco depois, Cassell escoltou-me até um edifício de estrutura de madeira na orla da planície carbonizada pelo fogo. Era uma espécie de gabinete de expedição: homens entravam e saíam apressadamente, com cartas e sacos de documentos. Fomos conduzidos a uma pequena sala onde estava um homem vestido de preto, sentado atrás de uma secretária. Ao seu lado estava outro homem – um cortesão, a julgar pelo comprimento da sua cabeleira. Sobre a cana do nariz, de forma algo incongruente, tinha um penso de cabedal, como os que os soldados usam para cobrir feridas que demoram a sarar.

– Signor Demirco, bem-vindo. O meu nome é Sir Joseph Walsingham, e este é lorde Arlington – disse o homem de preto em tom cortês. A minha incompreensão devia ser óbvia, porque ele ergueu as sobrancelhas. – Vejo que os nossos nomes não lhe são familiares. É evidente que está ainda menos preparado do que imaginávamos. Se me permite, é um espião bastante patético.

– Não sou nenhum espião – disse eu, assustado.

– Claro que é, e ainda bem – disse ele com à-vontade. – Onde estaríamos nós, mestres de espiões, se não fossem os nossos espiões? Contudo, tenho de confessar… estou curioso em relação ao motivo pelo qual o Lionne o escolheu para esta tarefa em particular. Essas suas confecções em gelo devem de facto ser extraordinárias.

– Os meus serviços são apenas uma prova da grande estima…

– Sim, sim. Podemos esquecer tudo isso: tenho de estar em Whitehall dentro de quarenta minutos. – Fora Arlington que falara. A sua voz era aguda e aflautada e pronunciava cada palavra com uma clareza deliberada. – Compreenda uma coisa, Demirco: na questão da rapariga bretã, os nossos interesses e os interesses de França são coincidentes. Aqueles de nós que lutaram na última guerra civil não têm qualquer desejo de ver essa escuridão envolver-nos de novo.

– Não compreendo – disse. – O que é que uma dama de companhia e um confeiteiro têm a ver com guerras civis?

Os dois ingleses trocaram um olhar.

– A rapariga bretã não é nenhuma dama de companhia – disse Arlington abruptamente. – É, se Deus quiser, a próxima amante do rei e futura chanceler da sua alcova. É através dela que governaremos um monarca de vontade fraca e, através dele, uma nação ainda mais fraca.

A surpresa deve ter sido evidente no meu rosto porque vi que ambos me fitavam com curiosidade.

– Creio que estão enganados – ouvi-me dizer. – Eu conheço essa jovem. É famosa pela sua virtude. A família espera que ela faça um bom casamento, numa família nobre…

Arlington afastou os meus protestos com um gesto.

– Ela fará o seu dever. Todas o fazem, no fim. Muito bem, senhor: de que precisa para fazer uma sobremesa gelada?

LOUISE

«O duque de Buckingham levou consigo mademoiselle de Keroualle, que era muito ligada a Sua Alteza falecida; é uma jovem muito bela e pensa-se que o plano é fazer dela amante do rei da Grã-Bretanha; pois diz-se que as senhoras têm grande influência na mente do rei de Inglaterra…»

Marquês de Saint-Maurice, embaixador de Savoy, para o duque Carlos Emanuel II, 19 de Setembro de 1670

Fora um choque, inicialmente, descobrir que o rei me ia mandar para Inglaterra. No entanto, quando pensei melhor no assunto, comecei a perceber o raciocínio por trás deste gesto. Se queríamos obrigar o rei Carlos a cumprir os termos do tratado, fazia todo o sentido introduzir na corte inglesa alguém cuja presença lhe recordaria as suas obrigações.

Foi outra observação de Lionne que me deixou mais confusa.

– Afinal de contas, já estamos a par da consideração que o rei inglês tem por si, graças à questão da caixa de jóias – disse ele distraidamente.

– A caixa de jóias, senhor?

– Sim. Não sabia? Aparentemente, em Dover, quando Carlos pediu à irmã um presente como recordação, ela mandou-a ir buscar a caixa de jóias dela. Lembra-se disso? – Acenei afirmativamente. Era costume deles trocarem pedras preciosas como recordação. – Mais tarde, quando estavam sozinhos, Carlos disse-lhe que a jóia que mais admirara fora a que tinha ido buscar a caixa.

Fiquei um pouco desconcertada com esta observação, em parte porque Madame nunca me mencionara esta conversa quando falávamos do seu adorado irmão, e em parte por causa da franqueza do sorriso de Lionne.

– Estou certa de que Sua Majestade pretendeu apenas ser galante – disse-lhe. – Depois de eu estar na comitiva da rainha, será sem dúvida mais reservado com as suas galanterias.

– Sem dúvida. – Lionne consultou um calendário em cima da secretária. – Bom, seja como for, parte amanhã.

– Amanhã!

– Viajará com o confeiteiro até Dieppe, onde o duque de Buckingham tem o seu iate. O duque irá ao seu encontro e acompanhá-la-á na travessia do Canal. Não há tempo a perder. Temos de ter a declaração de guerra do rei contra os Holandeses antes de avançarmos, e cada semana de atraso custa-nos dinheiro.

Deixei Paris na manhã seguinte, depois de passar a noite a fazer as malas. Tinha poucos vestidos meus, mas fora-me dito que tirasse aquilo de que precisasse do guarda-roupa de Madame. Ao princípio, senti-me estranha por estar a experimentar roupas que ainda há tão pouco tempo a vira usar, mas não era a primeira vez que usava os vestidos que ela punha de lado e sabia que, se não os levasse, iriam para as outras damas de companhia. Não havia tempo para visitar os meus queridos pais; escrevi para Brest a explicar o que acontecera, tranquilizando-os com a certeza de que, se tudo corresse bem, estaria de volta a França dentro de um ano, e que esperava entretanto ter conquistado a gratidão do rei.