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Porém, em Dieppe, não havia sinais de Buckingham. O seu iate estava no porto, mas a tripulação não sabia quando esperar o seu mestre. Felizmente, tinha dinheiro suficiente para um quarto numa estalagem.

Dois dias passaram a três, depois quatro. Passei o tempo a caminhar à beira-mar, sentindo o ar salgado no rosto, tal como costumava fazer antes de vir para a corte.

Depois, no quinto dia, recebi um bilhete. O duque de Buckingham requisita o prazer da sua companhia.

Encontrei o inglês refastelado numa poltrona ao lado da lareira, nos seus aposentos. Fiz uma reverência.

– Meu senhor – disse, em inglês. – É um prazer.

Já decidira que recriminações ou censuras cortantes não adiantariam de nada; era melhor ignorar o facto de que ele me deixara ali à espera, sem uma palavra, do que fazer um inimigo.

– Trate-me por George – disse ele, descontraidamente. – Afinal de contas, estamos prestes a conhecer-nos melhor.

O criado colocou os pratos do jantar na mesa e desapareceu. Ainda nem tínhamos começado a comer quando Buckingham veio por trás de mim e…

Uma vez que estou a escrever isto apenas para mim, vou dizê-lo sem rodeios: enfiou as mãos debaixo do meu vestido.

Levantei-me de um salto.

– Meu senhor, o que está a fazer?

Imperturbado, ele riu-se de mim.

– Não posso afiançar a qualidade de uma égua se não a tiver montado pessoalmente. Tal como assumiu a responsabilidade de provar a comida de Madame, eu tenho o papel de provar as mulheres do rei.

Tentei manter a voz nivelada, apesar de não ter a certeza de ter sido bem-sucedida.

– Não acredito que fosse capaz de insultar uma das suas conterrâneas desta maneira.

– Insultar? – Ele aproximou-se mais e vi que tinha os olhos vidrados da bebida. – Eu é que fui insultado, sua meretriz francesa.

– Não compreendo.

– Este suposto tratado que fui enviado aqui para negociar… O Tratado de Paris… ou deveria antes dizer o Tratado de Dover?

Então ele sabia. Isto era de facto uma má notícia.

– Sou ignorante em relação a esses assuntos. Era apenas dama de companhia de Madame…

Ele torceu o lábio num esgar desdenhoso.

– Não se ponha com esses jogos comigo. Foi enviada para o seduzir. As mulheres são a fraqueza dele, toda a gente sabe disso.

Abanei a cabeça, incapaz de falar.

– Bom, não importa. Mesmo que tivesse chegado à corte, não duraria muito tempo. Ele gosta das mulheres com um bocadinho mais de fogo entre as pernas. Toda a gente vê que você é uma cabra fria.

Disse-o tão calmamente que era difícil acreditar no que estava a ouvir.

– Quando terminar com este ultraje… – comecei.

– Oh, já acabei – interrompeu ele bruscamente. – Pode ir. Volte para o bordel francês onde o Lionne a encontrou. Não vou levá-la para Inglaterra. Já temos lá putas que cheguem.

Por um momento, olhámos um para o outro – eu horrorizada, ele desdenhoso. O que podia eu fazer? Nada apagaria as coisas que ele dissera, nenhum pedido de perdão desculparia o seu comportamento. Com toda a dignidade que consegui reunir, virei-me e saí apressadamente.

Foi enviada para o seduzir. Era um disparate, claro, mas… poderia haver nisso algum grão de verdade? Teria Lionne, ou mesmo Luís, pensado que Carlos engraçaria comigo? Parecia incrível. De qualquer forma, quem é que ganharia com isso? Mesmo que eu fosse mulher para encorajar esse comportamento, a ideia de que um rei mudaria as suas políticas apenas por causa de uma mulher era absurda. Até um rei tão absoluto como Luís estava rodeado de ministros, conselhos, peticionários. Mal lhes dava ouvidos a eles; quanto a dar ouvidos às suas amantes, por aquilo que eu ouvira, era mais ao contrário. E Carlos II de Inglaterra tinha o parlamento com que se preocupar.

Na manhã seguinte, já me convencera a mim própria de que Buckingham estava simplesmente bêbado e tentara enganar-me para me levar à sua cama. Esperaria que ele se desculpasse, aceitaria graciosamente e não se falaria mais no assunto.

Contudo, quando fui à janela, o seu iate já partira.

Passei o dia desesperada. Já falhara e não fora por culpa minha. Claro, podia voltar a Paris e explicar o que acontecera, mas a verdade era que agora Luís teria ainda menos razões para me manter na corte. Seria mais rápido, e mais simples, apanhar um barco de pesca e seguir directamente para Brest.

Ao pensar em voltar para junto dos meus pais sem cumprir a minha missão, o meu coração afundou-se.

Havia outra coisa que podia tentar. Peguei numa caneta e papel e escrevi uma carta para Ralph Montagu, o enviado de Carlos II à corte francesa e visita frequente dos aposentos de Madame em Versalhes.

Cinco dias depois, o estalajadeiro anunciou que tinha uma visita. Fiquei lisonjeada ao ver que era o próprio Montagu.

– Mademoiselle de Keroualle – disse ele, curvando-se sobre a minha mão. – Vim assim que recebi a sua carta.

– Não sabia a quem mais escrever…

– Fez a coisa certa – garantiu-me ele. – O próprio rei Carlos foi avisado da sua chegada iminente e aguarda-a ansiosamente. Tenciona recebê-la em Whitehall com todo o respeito devido à filha de uma das famílias mais antigas de França. – Acentuou ligeiramente a palavra «respeito», como se quisesse dizer que compreendia demasiado bem aquilo de que um homem como Buckingham podia ter-me acusado.

– Compreendo – respondi, aliviada. – Tenho de admitir que estava bastante receosa de que o duque de Buckingham tivesse insinuado algo diferente.

– Por favor, não julgue todos os meus conterrâneos pelo comportamento dele – Montagu apontou para o porto. – Lorde Arlington, um dos principais ministros de Carlos, vai enviar o seu barco para a levar. Quando chegar a Londres, convida-a a ficar instalada em sua casa, onde a esposa lhe fará companhia até serem preparados alojamentos adequados na corte.

– Nesse caso, estou muito grata a lorde Arlington pelo convite.

– Lorde Arlington pediu-me que vos deixasse bem claro que é um prazer ter esta oportunidade de vos ajudar. Deseja apenas que o mencione ao seu rei, se tiver oportunidade.

Isto fazia mais sentido. Pela primeira vez – falarei novamente com franqueza – senti o poder embriagante derivado de estar associada ao maior país do mundo, uma sensação que me é agora tão habitual que mal reparo nela, mas cuja falta, se me é retirada por algum motivo, como um fracasso temporário da minha diplomacia, sinto como se me tivessem tirado um braço.

– Com todo o prazer. Mas temo que a correspondência com Versalhes possa ser complicada em Londres.

– De todo. Já foram feitas disposições. O confeiteiro conseguirá transmitir as suas mensagens.

– Posso perguntar como sabe tudo isto? – inquiri, surpreendida.

– Os nossos países são agora aliados. É simplesmente conveniente que trabalhemos juntos. – O sorriso não fraquejou, mas os seus olhos ficaram mais sérios. – Além disso, alguns de nós, em Inglaterra, têm muito em comum com França. – Tocou no peito, logo abaixo do coração, e compreendi o que queria dizer. Era onde estaria um crucifixo.

– Lorde Arlington é um de nós – continuou ele. – Embora lhe custasse a sua posição se o admitisse abertamente. Buckingham, claro, é protestante. Estou certo de que é esse na realidade o motivo por trás da sua mudança de opinião. Alguém lhe chamou a atenção para o facto de que trazer outra católica para o… – hesitou por um instante – …círculo íntimo do rei dificilmente ajudaria a causa deles.

Rodas dentro de rodas.

– Fico-lhe muito grata por me dizer tanto sobre a situação política em Inglaterra. – Era evidente que teria de ter cuidado para não me deixar envolver nas suas rivalidades mesquinhas; só havia um rei cuja protecção me interessava, e esse residia em Versalhes, não em Whitehall.

Houve um momento embaraçoso antes de nos separarmos, quando me vi obrigada a pedir a Montagu que pagasse a minha conta na estalagem.