Выбрать главу

– Sua Majestade Cristã não lhe deu dinheiro para a viagem? – perguntou ele, claramente surpreendido.

Abanei a cabeça.

– Deve ter presumido que o duque de Buckingham cobriria as minhas despesas. – E eu fora demasiado tímida para tocar no assunto.

– Compreendo. – Por um momento pareceu pensativo, mas depois o sorriso de cortesão regressou-lhe ao rosto. – Bom, fico feliz por poder ajudar. E estou certo de que Carlos conseguirá combinar qualquer coisa com o embaixador francês em Londres. Por favor, não pense mais nesse assunto.

Uma semana depois, estava em Londres. Depois de toda esta espera, subitamente não havia tempo para nada. Um país novo, uma cidade nova, uma corte nova – os papéis dos que rodeavam o rei eram facilmente identificáveis como iguais, mudando apenas os títulos e as pessoas, como se fosse uma terra reflectida num espelho.

A minha apresentação ao rei foi tão cuidadosamente preparada como a entrada de um actor no palco. Haveria um baile em casa de Arlington, para o qual o rei fora convidado. Lorde Arlington entregou-me aos cuidados da sua esposa, Elizabeth, uma holandesa simpática que me mandou tirar as medidas para espartilhos e sapatos de dança.

– Este é o primeiro convite que o rei aceita desde a morte da irmã – explicou lady Arlington. – O Bennet… o meu marido… falou-lhe da sua chegada e sugeriu que talvez quisesse dar-lhe as boas vindas pessoalmente. Mas não é muito provável que ele queira dançar, portanto arranjámos-lhe outro par. Um bom dançarino e tão alto como a Louise, mas claro que não deve prestar-lhe muita atenção. Tem de atrair o olhar do rei…

– Como hei-de fazer isso, se estiver a dançar?

– O Bennet dirá ao rei quem é. Não precisa de fazer absolutamente nada. Se o rei decidir aproximar-se e conversar consigo, o Bennet fará um sinal. Mas será melhor não falar demasiado tempo com Sua Majestade. Diga que se sente cansada da viagem.

– Não compreendo… porquê?

– Se parecer demasiado fácil, ele perderá certamente o interesse.

– Se o quê parecer demasiado fácil? – perguntei, subitamente alerta.

Lady Arlington sorriu.

– A sua missão aqui requer delicadeza. Se parecer demasiado ansiosa, receio que o rei sinta que está a ser forçado a honrar as suas obrigações de acordo com o tratado… e, acredite, ele pode ser muito teimoso nestas coisas, quando quer. Será melhor que pense que é ele que está a convidá-la para o círculo da sua confiança, e não o contrário.

– E se não o fizer?

– Uma rapariga encantadora como a Louise? E com um sotaque francês tão delicioso? – Abanou a cabeça. – Se há alguma coisa que pode elevar o espírito do rei, será certamente a sua presença.

A noite do baile chegou. Foi uma ocasião resplandecente, mas – estando bem habituada a ocasiões resplandecentes – reparei quantos dos belos quadros e tapeçarias francesas que proclamavam o gosto requintado dos Arlington tinham sido trazidas apenas na véspera, por empréstimo de comerciantes e negociantes.

Pela minha parte, rejeitei o vestido que lady Arlington preparara para mim, preferindo um dos que trouxera de França, um vestido de veludo cinzento orlado com arminho preto e discretamente salpicado com pequenas pérolas. O que ela me oferecera era um pouco garrido de mais para o meu gosto.

O plano era que eu fizesse uma entrada discreta, mas assim que pus os pés na sala vi as cabeças virarem-se na minha direcção. Porque estavam a olhar assim para mim? Ouvi um murmúrio em tom de admiração: Esperta. Estariam a falar de mim? Foi um alívio quando o jovem escolhido para dançar comigo avançou e pude concentrar-me no movimento físico da galliard.

Não precisa de fazer absolutamente nada, dissera lady Arlington. Bom, se esta ia ser a minha única dança da noite, mais valia apreciá-la; embora tivesse ficado um pouco chocada ao descobrir que os Ingleses dançavam à moda da província, cada homem emparelhado com uma mulher, com o braço dele à volta da cintura dela, e dois compassos de beijos na face incluídos na dança. Era muito diferente da formalidade discreta das danças de Versalhes.

Depois vi os que nos rodeavam hesitarem. O meu parceiro recuou.

– O que… – comecei, antes de ver que ele estava a olhar por cima do meu ombro e a fazer uma vénia, juntamente com o resto da corte. Virei-me.

Já conhecera Carlos antes, claro, nos festejos em Dover, e o seu retrato estivera muito tempo pendurado no gabinete de Madame. Mas o homem que caminhava agora na minha direcção parecia muito diferente. O sofrimento gravara sulcos profundos no seu rosto, de tal forma que o bigode era emoldurado por um arco que ia do nariz ao queixo, de ambos os lados. Também os seus olhos pareciam assombrados e o corpo alto, vestido de negro profundo, estava magro.

Atrás dele, lorde Arlington aproximou-se rapidamente.

– Senhor, posso…

– Conheço esse vestido – disse Carlos com voz rouca. – Oh, céus, conheço esse vestido.

Vi lágrimas nos seus olhos e, horrorizada, percebi que fora eu que as causara.

– Ela usou-o em Dover. Ainda nem há três meses, no meu aniversário. Quando a vi a dançar, pensei… – a voz falhou-lhe.

Arlington também se calara a meio da frase, sem saber o que fazer. Os músicos tinham chegado ao fim da peça mas ninguém aplaudiu. O silêncio prolongou-se.

– Senhor – disse, desesperada –, sou Louise de Keroualle, dama de companhia da vossa irmã. Sua Majestade Cristã, o rei de França, deu-me este vestido dela antes de eu deixar Versalhes. Foi irreflectido da minha parte vesti-lo hoje. Por favor, aceitai as mi­nhas desculpas.

Carlos limitou-se a olhar para mim, de olhos vazios.

– Se Vossa Majestade permitir, vou mudar de roupa – acrescentei.

– Por favor, não – disse ele. – Lembro-me bem de si, mademoiselle. E é uma alegria vê-la aqui. – Havia pouca alegria na sua expressão. – Deve considerar-me um pobre idiota, por a receber de forma tão deselegante.

A etiqueta exigia que eu respondesse a esta amabilidade com outra, uma frase de circunstância desprovida de significado que disfarçasse a minha gafe e a sua manifestação de emoções. Mas algo me fez dizer, baixinho:

– Pelo contrário, senhor. Não desejaria que fôsseis tão desumano. Amava a vossa irmã mais do que qualquer outra pessoa em França, e não se passa um único dia em que eu própria não chore por ela.

Os olhos dele perscrutaram-me o rosto e disse, tão baixo que só eu o consegui ouvir:

– Nesse caso, choraremos juntos, numa altura mais apropria­da, e partilharemos as nossas memórias dessa mulher maravilhosa. – Depois olhou em volta e disse, em voz mais alta: – Esta noite tenho assuntos a tratar, mas divirta-se, e amanhã ouvirei as suas aventuras.

Dirigiu-se à porta, acenando brevemente aos músicos para que recomeçassem a tocar. Instantaneamente, um grupo de cortesãos reuniu-se atrás dele, todos ansiosos por seguir na sua peugada. Vi como ele caminhava mais depressa, erguendo os ombros com ar impaciente, como se quisesse fisicamente sacudi-los.

– Então – disse lady Arlington, aproximando-se de mim. Para minha surpresa, não parecia tão horrorizada como eu estava pelo meu faux pas. – Suponho que sabia que o vestido fora da irmã. Vejo que tem a sua própria estratégia.

– Sabia, mas nem pensei – respondi, desolada. Como pudera ter sido tão estúpida? Eu, de todas as pessoas, que tanto me orgulhava da minha perspicácia e sentido de decoro. – E asseguro-lhe que não há qualquer estratégia.

Contudo, enquanto falava, recordei que fora o próprio Luís que me pressionara a trazer aqueles vestidos de Madame. Teria ele, ou algum dos seus conselheiros, esperado que isto acontecesse? Estaria Lionne, ou outra mente oculta, a planear neste preciso momento o desenrolar dos eventos, a manipular-me de formas que eu não conseguia sequer começar a compreender, a dirigir os acontecimentos dos seus escritórios no Louvre?