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Ele pegou na colher.

Enquanto colocava a primeira colherada na boca o silêncio instalou-se. Eu sabia exactamente o que ele estava a saborear: a polpa de limões de Amalfi, a doçura intensificada por um toque de gengibre; uns pós de raspa da casca dos limões, ralada muito finamente; a restante colocada em infusão em leite de vaca gordo, duas vezes gelado e mexido; o gelo resultante salpicado com pedacinhos de casca de limão cristalizada.

Esperei por uma reacção – qualquer reacção. Ele parecia pensativo e julguei vê-lo franzir ligeiramente a testa. Mas era difícil ter a certeza.

Depois, após uma única colherada, ele pousou a colher.

– Tem de me perdoar, signor. Não tenho grande apetite, de momento.

Tentando não mostrar a minha desilusão, fiz outra vénia.

– Com certeza. Mas talvez possa trazer-vos outro, noutra ocasião? Seria uma honra para mim permanecer na corte até Vossa Majestade estar mais bem-disposto.

– Muito bem. – Uma sombra cruzou-lhe o rosto. – Suponho que pretende ser pago?

Encolhi os ombros, educadamente.

– Bom, tratarei disso – disse ele em tom fatigado. – Fale com o Chiffinch. E entretanto, talvez… Sim: temos cá uma dama de companhia que também chegou recentemente de França. Mademoiselle de Keroualle.

– Oh, é esse o nome dela? – perguntou o cortesão embriagado. – Pensava que se chamava mademoiselle de Quero-Montá-lo.

– Conheço essa senhora – respondi, ignorando o bêbado.

– Tem de lhe mandar os seus gelos, da minha parte. Diga-lhe que é para a fazer sentir-se em casa.

– Diga-lhe – interveio o bêbado em voz alta –, que quando vier à corte pode provar também o falo real.

Alguma da minha estupefacção com a ordinarice desta observação deve ter transparecido no meu rosto, porque o rei disse, calmamente:

– Não dê atenção a lorde Rochester. Quando está sóbrio, consegue ser bastante divertido, mas quando está bêbado ninguém lhe acha graça a não ser ele próprio.

Curiosamente, quando ele disse estas palavras, senti parte da revolta que me invadira pelo comportamento do bêbado dissolver-se. Onde os Médicis eram austeros e Luís severo, Carlos de Inglaterra era encantador – tão encantador que quase não parecia um rei.

Um cãozinho saltara para a cadeira ao lado do rei e estava agora a esticar o pescoço sorrateiramente para o prato de gelado.

– Senhor… – disse, para o avisar.

– O que é? Oh, Daisy, para o chão. – Carlos empurrou a cadelita com pouca convicção. – Diga-me, signor, como se chama? – perguntou, olhando novamente para mim.

– Demirco, senhor.

– Sabe alguma coisa de casas de gelo, Demirco? Como são feitas, e essas coisas?

– Claro que sim.

– Construí uma casa de gelo no Parque de St. James. O gelo que contém será colocado ao seu dispor.

– Obrigado, senhor.

– Mas os meus homens não conseguem pô-la a funcionar e o raio do gelo está sempre a derreter.

Fiz uma vénia.

– Terei todo o prazer em verificar se há algo que eu possa fazer para melhorar a situação.

– Excelente. – Carlos empurrou a cadeira para trás. A audiência estava obviamente a chegar ao fim. Fiz outra vénia, com o braço esquerdo erguido atrás de mim da maneira formal e correcta.

Rochester riu-se.

– Céus, parece que vai fazer aparecer uma pomba.

– Fale com o Chiffinch – disse-me o rei, enquanto um criado se aproximava e colocava uma capa negra sobre os ombros reais. – Obrigado, signor Demirco, e seja bem-vindo.

– Signor De hirto – disse Rochester em voz arrastada. – Bem-vindo, signor De hirto.

Chiffinch era, como vim a descobrir, o criado a quem Cassell entregara as duas últimas bolsas. Foi relativamente vago em relação ao valor e periodicidade dos meus pagamentos.

– Vou falar com o abastecedor. Ou talvez com o cozinheiro.

– Sou o confeiteiro do rei. Não respondo perante cozinheiro nenhum.

Ele encolheu os ombros.

– Bom, o rei tratará disso. – Tive a impressão de que, a menos que houvesse subornos envolvidos, Chiffinch não estava muito preocupado ou interessado.

Cassell, contudo, estava satisfeito.

– Correu tão bem como seria de esperar, dadas as circunstâncias. Contudo, faria bem em ver o que se passa na casa de gelo.

– E tenho de mandar a mensagem dele à Louise.

– Quem? Oh, sim, claro. Mademoiselle Quero-Montá-lo. – Estava a sorrir. – O Rochester é um imbecil, mas um imbecil perspicaz.

– Foi o que o rei me disse. Pessoalmente, ainda não vi evidências disso – retorqui, em tom azedo.

Cassell fez uma cara séria mas tinha os cantos da boca a tremer. Supus que estaria a pensar na outra piadinha do peralvilho. Suspirei. Havia muitas coisas neste país, percebi, às quais nunca me habituaria.

LOUISE

Depois do baile, sou afastada da corte. Ninguém me diz nada. Parecem estar à espera de algo, de algum sinal ou ordem. Ou talvez estejam simplesmente a tentar decidir qual a melhor forma de responder à reacção do rei quando me viu com o vestido da irmã. Pressinto que há conversações a decorrer por trás de portas fechadas; temas que são rápida e habilmente abandonados quando eu entro na sala. Passo noites miseráveis a pensar se, afinal de contas, irão mesmo mandar-me de volta para casa.

Ao fim de três dias assim, batem à porta da sala de refeições, enquanto eu e os Arlington jantamos. As portas são abertas por dois criados de libré que, por sua vez, se afastam para os lados para deixar passar um mordomo, que avança e anuncia:

– Sua Majestade pediu que fosse enviada a mademoiselle de Keroualle esta prova da sua estima.

– Ah – disse Arlington jovialmente, virando-se na cadeira. – O que é que eu lhe disse? – Absolutamente nada, tive vontade de responder. Arlington manda entrar o homem.

O mordomo pousa na mesa uma pequena caixa pintada com cerca de trinta centímetros de largura. Num dos lados tem um brasão pintado – algo absurdo e sem significado, o tipo de coisa inventada por aqueles que não compreendem verdadeiramente os códigos subtis das famílias antigas.

Apesar disso, reconheço-o, mas não me lembro de onde.

O mordomo abre-a e tira um prato de vidro fino. Contém um monte de algo que parece neve, tingido de um roxo profundo.

Gelo.

Lady Arlington parece confusa.

– O que é? – pergunta ao mordomo.

– Madame, creio que se trata de alguma espécie de sobremesa gelada – responde o mordomo em tom desdenhoso.

É evidente pelas expressões dos meus anfitriões, que, mesmo que eu quisesse, não há qualquer esperança de ficar com este presente só para mim. Depois de dividido, resta apenas o suficiente para duas colheradas a cada um.

Lorde Arlington inspecciona a sua parte com ar céptico, antes de o engolir como um rapaz a tomar um remédio. Lady Arlington toca no seu com a ponta da língua, delicadamente. Eu enfio a colher na boca. Cristais de gelo adocicado, já prestes a derreter, deslizam sobre a minha língua enquanto se dissolvem.

O sabor a ameixas – subtil, maduro, os últimos frutos do Verão – enche-me a boca, misturado com crème fraîche; seguido, momentos depois, pelos agradáveis grãos estaladiços de açúcar mascavado.

Sei, nesse momento, que Carlo Demirco chegou a Londres.

Invade-me uma sensação de alívio. Apesar de não nos termos separado nas melhores circunstâncias, será útil ter um aliado nesta corte. Só espero que ele esteja a sair-se melhor na sua missão do que eu na minha.

Na manhã seguinte, acordo cedo. O dia já nasceu e, sobre o parque que separa a casa dos Arlington de Whitehall, há uma neblina fina e translúcida. As árvores, com os contornos indistintos sob camadas de musselina, estão a adquirir uma tonalidade dourada, cor de pêras. Abro a janela – o ar fresco é cortante e sente-se um leve aroma a fumo de lenha.