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– Simplesmente… – Parei, sem saber bem como explicar. – Gostava de fazer um gelado verdadeiramente suave, que não rangesse entre os dentes, sem pedacinhos de água congelada lá dentro. Consegui uma vez, mas nunca mais fui capaz de descobrir o que fez com que resultasse.

– Um gelo que não contenha pedacinhos de gelo? – perguntou Boyle com um sorriso. – Bom, em comparação com os planos da nova catedral ou a compreensão do sistema circulatório, talvez não seja uma questão tão urgente. No entanto, se bem conheço os meus colegas, é exactamente o tipo de problema capaz de captar a sua imaginação. Podíamos criar algumas experiências, pô-lo no caminho certo e depois, se fosse bem-sucedido, publicar as nossas descobertas…

– Publicar? – interrompi rapidamente. – Como assim, publicar?

– Meu caro, não adianta de nada adquirir conhecimento se este não for tornado público. É assim que a nossa sociedade funciona: cada experiência é fielmente registada, debatida, verificada e posteriormente publicada, para benefício de todos.

– E é nessa altura – acrescentou Elizabeth –, que começam geralmente as discussões.

– Ocasionalmente, há algumas pequenas questões de precedência ou originalidade a determinar – admitiu Boyle. – A questão é que nos debatemos por notoriedade experimental, não por vantagens comerciais.

– Talvez isto não seja muito boa ideia, afinal de contas – murmurei.

– Uma vez que a vantagem comercial é a sua raison d’être? – Encolheu os ombros. – Muito bem, senhor, cabe-lhe a si decidi-lo. Como vão os nossos blocos de gelo, Elizabeth?

– O que está dentro de água está quase derretido, enquanto o seco ficou simplesmente cilíndrico – informou ela.

– Excelente! O que eu não daria por um termoscópio preciso, para podermos medir as suas temperaturas relativas.

Vi Boyle fazer alguns apontamentos no seu bloco de notas, mais atingido pelo seu comentário anterior do que queria admitir.

– Não se trata de vantagem comercial.

– O quê?

– O motivo pelo qual faço isto. Não é por dinheiro. Ou, pelo menos, apenas por dinheiro.

– Fico feliz por saber disso – disse Boyle em tom ligeiro. – Mas gostaria de lhe recordar o nosso lema: Nullius in verba. E embora as suas palavras lhe façam crédito, só posso retirar as minhas conclusões das suas acções.

– Não posso revelar os meus segredos.

– Nesse caso, senhor, faria bem em não privar demasiado com cavalheiros como eu – disse Boyle –, já que os segredos são, na nossa estimada opinião, o inimigo ajuramentado da verdade. – Virou-se para a sua bancada de trabalho e compreendi que, apesar do tom cortês, estava a ser dispensado.

Quando regressei ao Lion, mandei imediatamente que me entregassem sal. Elias trouxe-me um saleiro: alguém na cozinha presumira que eu precisava de uma pitada de sal para temperar.

– Traz-me dois quilos de sal, o mais depressa que puderes – disse-lhe.

A criança pareceu confusa.

– Não temos tanto.

– Então vai comprar. De quanto dinheiro precisas? Um xelim? – Atirei-lhe uma moeda e vi-o arregalar os olhos. – Vai – disse. – E se houver um dinheiro de troco, podes ficar com ele, desde que estejas de volta em meia hora.

Quando ele voltou, eu já estava preparado para efectuar a minha própria experiência. Ficara impressionado pela lógica do teste de Boyle com o gelo, ao colocar os dois cubos de gelo lado a lado para ver qual derreteria mais depressa: tratei agora de fazer o mesmo, mas com misturas de gelo e sais. Numa sabotiere pus a minha mistura habitual de gelo e salitre – um cristal extraído da urina de cavalos e humanos; e, como o boticário observara, um ingrediente essencial e caro da pólvora; noutra, coloquei uma quantidade semelhante de gelo, à qual acrescentei sal de mesa comum.

Agora precisava de algo para gelar. Não importava o quê, por isso fui à cozinha e servi-me de um jarro do omnipresente leite-creme que eles faziam aos litros todos os dias, para as suas sobremesas.

Esperei vinte minutos e abri as tampas.

Dentro do primeiro recipiente estava uma massa densa e suave. Com uma colher, raspei uma apara de creme congelado. Abri o segundo pote e fiz o mesmo.

Depois sentei-me, a pensar.

Boyle tinha razão: afinal, o salitre não era necessário. Ahmad aceitara esta premissa com base numa fé cega, tal como fizera em relação a tantos outros aspectos deste processo. Agora que eu sabia a verdade, seria capaz de congelar uma mistura de gelo por quase nada – por meros tostões.

Espantado, permiti-me uma breve imprecação em italiano.

– O que é?

Virei-me. Hannah estava de pé atrás de mim, a limpar as mãos a um pano. Sem pedir autorização, pegou numa das tigelas de gelado e inspeccionou-o com curiosidade.

– Posso provar?

Rapidamente, tirei-lhe a tigela das mãos.

– Não é para palatos vulgares.

Ela encolheu os ombros.

– Bom, de qualquer maneira não preciso de provar. Tem falta de mais açúcar.

– Faço estes pratos para cortesãos. Não para quem despejaria açúcar em qualquer prato, se pudesse.

– Queria apenas dizer – explicou ela, enquanto se afastava –, que mais açúcar podia ajudar o leite-creme a solidificar melhor.

– Açúcar? Solidificar o leite-creme?

– Vejo que está a aprender inglês pelo método de repetir aquilo que ouve, signor.

– O que está a fazer aqui, de qualquer maneira? – inquiri. – Esta copa deve ser privada enquanto eu estiver a trabalhar.

– Estava à procura do leite-creme que fiz de manhã. Mas vejo que foi transformado em gelado.

– Pode levá-lo. Tome, ponha-o ao pé do lume e ficará como antes. – Raspei a mistura congelada de novo para o jarro. Ao fazê-lo, provei-a, como era meu hábito.

Era bom – surpreendentemente bom: e, apesar de eu não ter mexido o creme enquanto gelava, era cremoso e suave. Na verdade, quase tão suave como o que eu fizera em Versalhes, aquele que me fizera ser banido da corte.

Embora precisasse de um pouco de açúcar, para solidificar melhor.

Uma expressão entendida passou pelo rosto de Hannah.

– Então?

Franzi a testa.

– Estes assuntos são secretos. Receitas que mais ninguém tem, senão eu. Não as discuto com ninguém.

LOUISE

–Temos de o tentar atrair para o prazer – diz lady Arlington. – Se conseguirmos arrancá-lo ao desânimo, o resto seguir-se-á certamente.

A sua voz, com o forte sotaque holandês, propaga-se até à sala onde estou sentada. A voz do marido não penetra tão facilmente – é um ribombar grave do qual apanho apenas algumas palavras.

– Mas o sofrimento é uma espécie de prazer – argumenta lady Arlington. – Pelo menos, uma forma de autocomplacência. Hoje, Carlos está a empanturrar-se de dor; amanhã será outro excesso diferente. Ambos derivam da mesma imoderação de carácter que sempre demonstrou.

Outro ribombar.

– Mas não temos de escolher – diz lady Arlington. – Pelo me­nos por enquanto ela pode ser ambas as coisas. Quanto ao resto… atravessaremos essa ponte quando lá chegarmos.

Ela vem ver-me, toda sorridente.

– Persuadi o Bennet a deixar-nos ir à corte, ver uma peça. Uma representação privada. O rei adora teatro, normalmente, mas desde a morte da irmã tem andado algo distraído. Estamos com esperança de que esta diversão possa despertar novamente o seu interesse.

– Parece maravilhoso – digo, obedientemente. Como hóspede, tenho pouco voto na matéria.

– E vou emprestar-lhe um vestido. Usar os da irmã do rei parece ter-lhe despertado o interesse, mas é melhor não o fazermos duas vezes. – Abre o meu roupeiro e estuda o que eu trouxe comigo. – No entanto, as roupas escuras ficam-lhe bem. Vou arranjar qualquer coisa em cinzento.

A peça, francamente, revela-se enfadonha. Somos apenas uns vinte na assistência e a maioria dos espectadores parece achá-la hilariante, embora, pessoalmente, eu me pergunte se estarão a rir da graça da peça ou na esperança de fazer o rei rir também. É a história de um cortesão que finge ser um plebeu para evitar casar com uma mulher de quem finge não gostar mas que, na realidade, pretende seduzir. Em vez de mostrar uma alegria que não sinto, adopto uma expressão de – espero eu – curiosidade delicada mas neutra.