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A única outra pessoa que não se está a rir é o rei. Enquanto os outros soltam risinhos e gargalhadas, ele está silencioso. Após algum tempo olho para ele e vejo que está a olhar para mim. O seu olhar é desconcertante. Sinto-me corar e decido fixar apenas os actores.

No intervalo, são servidos gelos, mas embora lady Arlington os indique ao rei, este manda embora o criado com um aceno. Diz à pessoa ao seu lado, suficientemente alto para eu ouvir:

– O que acha da peça, lorde Clifford?

– Maravilhosamente divertida – garante-lhe lorde Clifford. – A melhor que ele já fez.

– Eu acho-a forçada.

– De facto, senhor. É um pouco forçada.

– No entanto, está a achá-la hilariante.

– Divertida, senhor. Eu disse divertida. É divertida e forçada.

– Ambos os actos foram longos de mais.

– Foram um pouco a dar para o longo – concorda lorde Clifford. – Mas isso não os tornou menos divertidos.

O rei está agora a olhar para mim, não para o seu ministro, e pergunto-me se estará a espicaçar o outro homem para meu benefício.

– É enfadonha e superficial.

– Digamos que compensa uma atenção cuidada…

– As piadas eram ordinárias e as personagens fracas. O que diz, mademoiselle? – De súbito, está a falar comigo.

– Não consegui acompanhar tudo – respondo, cautelosamente. – De qualquer forma, prefiro as tragédias. Aquilo a que Racine chama a sua tristeza majestosa. Se vou ser afectada, prefiro as lágrimas ao cinismo.

A boca dele estende-se num sorriso irónico.

– Nesse caso, veio ao sítio certo, mademoiselle. Pois, em Inglaterra, a tragédia é tudo o que conhecemos. – Dá uma palmadinha na cadeira onde lorde Clifford está sentado. – Venha sentar-se junto de mim. O meu francês sempre é melhor do que o de lorde Arlington. Posso traduzir-lhe as poucas piadas que sejam dignas disso.

Sinto os olhares que cruzam a sala enquanto me levanto e sento na cadeira que lorde Clifford deixou vaga, imediatamente e sem protesto – a indiferença calculada nos rostos de pessoas que não deixam passar nada e estão instantaneamente a tentar adivinhar o que isto poderá significar.

Quando me sento, o rei murmura baixinho:

– Pelo menos, a sua presença tornará este suplício tolerável.

– Bem – diz lorde Arlington nessa noite, ao jantar, terrivelmente satisfeito. – Parece que é um sucesso, mademoiselle. O rei perguntou por si três vezes, esta noite, depois de ter saído. – Prende um guardanapo na gola e pega no garfo. Orgulha-se dos seus modos continentais, embora, para dizer a verdade, eles fossem considerados afectados em França. – Quer saber quando pode visitá-la de novo. Claro que disse a Sua Majestade que ainda está cansada da viagem.

– Foi muito atencioso da sua parte – respondo, educadamente. – No entanto, já me sinto perfeitamente repousada.

– Ainda assim, não há necessidade de apressar as coisas. – Crava o garfo alegremente na coxa gorda de uma galinha.

– Mas diga-me, lorde Arlington – insisto. – Se vou ser dama de companhia da rainha, não devia ser apresentada a Sua Alteza?

– A rainha raramente está na corte – diz lady Arlington. – Desde o seu último aborto, tem estado muito mal de saúde. Passou a maior parte do mês passado na cama e os médicos estão quase a desesperar.

– Lamento muito saber disso. Rezarei pela sua recuperação.

– Neste país, há quem reze precisamente pelo contrário – diz Arlington calmamente. Começa a falar em francês, presumivelmente para que os criados não compreendam o que está a dizer. Já me apercebi de que isto significa uma conversa sobre religião ou política, ambos temas extraordinariamente perigosos por aqui. – Nada agradaria mais ao parlamento do que o rei ficar livre para casar com uma protestante. Escusado será dizer que isso seria um desastre, principalmente para França. Será que… – Lança-me um olhar pensativo.

– O que é, meu querido? – pergunta a mulher.

– Nada – responde ele em inglês. – Apenas um pensamento fugaz.

CARLO

Não há fruto tão doce que não possa ser melhorado ao ser transformado num gelo. Tive a sorte de poder criar eaux glacées dos frutos mais raros e posso dizer que congelam tão bem, ou melhor, do que os frutos comuns do pomar.

O Livro dos Gelos

Fui chamado para uma reunião com lorde Arlington – não em sua casa, onde Louise estava hospedada, mas no gabinete postal que já visitara antes. Mais uma vez, fui acompanhado por Cassell.

– Então – começou Arlington. – O rei recusa os seus gelos. Não é o melhor dos começos.

Encolhi os ombros. Dificilmente era culpa minha que o rei não comesse.

– Talvez ele aja de forma diferente se a irmã for invocada. – Fora Walsingham que falara.

Arlington semicerrou os olhos.

– Continue.

– Tal como esperávamos, parece que ele está bastante interessado em mademoiselle Carwell. Talvez…

– De Keroualle – interrompi, automaticamente.

Walsingham fez uma pausa.

– Desculpe?

– O nome dela pronuncia-se «De Keroualle». Não «Carwell».

Walsingham acenou educadamente.

– Ele parece bastante interessado na rapariga. Talvez se ela lhe oferecesse um gelo e dissesse que era o preferido da irmã…

– Óptima ideia. – Arlington virou-se para mim. – Qual era?

– Qual era o quê?

Ele franziu a testa perante a minha lentidão.

– O gelo preferido da irmã dele.

– Oh… – Encolhi novamente os ombros. – Ela não tinha nenhum preferido. Bebia apenas cordial de chicória para ajudar na digestão.

– Então invente um – disse Arlington, com um gesto indiferente. – Qualquer coisa serve. Afinal de contas, o gelo não é importante. É apenas um meio para atingir um fim.

– Mas que seja algo especial – sugeriu Walsingham. – É menos provável que ele recuse se souber que é uma raridade.

– Um desses frutos extravagantes que Luís de França tanto admira – concordou Arlington.

Com alguma hesitação, disse:

– Terá de ser um ananás.

Houve um breve silêncio.

– Ananás! – exclamou Arlington. – Tem a noção daquilo que está a pedir?

– Tenho. No entanto, se querem algo verdadeiramente tentador, algo que o próprio rei de França consideraria precioso e admirável, nesta altura do ano, tem de ser ananás.

Eu sabia, claro, que até em França um único ananás custava quase tanto como uma carruagem nova. Aqui, em Inglaterra, seriam sem dúvida ainda mais caros. Contudo, eram a epítome do luxo aristocrata. Os cortesãos de Luís construíam estufas aquecidas para ananases nas suas propriedades de campo, onde o fruto – que era importado das colónias ainda na árvore, com raiz e tudo – podia ser replantado sob um vidro e acabar de amadurecer. As pessoas das classes menos elevadas alugavam ananases maduros ao dia, por quantias enormes, apenas para enfeitar as mesas e perfumar as suas salas de jantar, enquanto apenas os muito ricos podiam dar-se ao luxo de efectivamente comer um.

– O conde de Devon tem uma plantação de ananases em Powderham Castle, da qual está desmesuradamente orgulhoso – disse Walsingham com alguma hesitação. – Creio que o ano passado se vangloriou de ter produzido quatro ou cinco frutos.

– Nesse caso, espero que fique desmesuradamente orgulhoso por ver os seus ananases transformados em gelo e oferecidos ao rei – disse Arlington. – Eu falarei com ele. – Levantou-se. Era evidente que a reunião chegara ao fim.