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– Há ainda uma outra questão em relação à qual estou algo confuso – disse eu.

– Do que se trata? – perguntou Arlington.

– A rapariga… mademoiselle de Keroualle. Como sabem que ela representará o seu papel?

– Oh, isso. – Arlington lançou-me um olhar divertido. – Não somos completamente atrasados nessas questões por aqui, sabe. O assunto já está a ser tratado. A informação que nos deu sobre ela foi muito útil.

Eu não me lembrava de lhes ter dado qualquer informação sobre Louise que pudesse ter sido útil, além do facto de ela não ser o tipo de mulher que concordaria com o esquema deles. Mas os dois homens já estavam a arrumar os seus papéis e não tive oportunidade de fazer mais perguntas.

Voltei para Vauxhall ainda a pensar nas palavras de Arlington. Então Louise, ao que parecia, concordara em agir de acordo com os planos deles. Todas aqueles declarações solenes de virtude, em França, tinham sido tão sólidas como ar, postas de lado na sua ansiedade para se deitar com um rei.

Era como Olympe dissera: todas as mulheres são uma mercadoria. Isso, por si só, não era uma descoberta particularmente chocante – na verdade, era óbvio. Então porque me sentia eu quase desapontado com Louise de Keroualle? Afinal de contas, era vantajoso para mim que ela compreendesse aquilo que se pedia dela. Eu só podia voltar para França depois de a nossa missão estar cumprida e, da maneira que as coisas estavam, era bastante provável que viesse a ser ela, e não eu, o instrumento do nosso sucesso.

LOUISE

Nessa noite, quando já estou deitada, lady Arlington vem ver-me. Está de camisa de noite, como eu, com o cabelo solto.

– Tem tudo o que precisa? – pergunta com um sorriso, sentando-se na beira da cama.

– Tudo, obrigada. Tem sido muito hospitaleira.

– E a cama é confortável?

– Maravilhosa. – Bocejo. – Faz-me sentir ensonada.

– Esta foi a cama onde me deitei pela primeira vez com o Bennett, depois do nosso pequeno-almoço de casamento – diz, pousando a mão na colcha como que a indicar o local exacto. – É um dia feliz, quando uma rapariga se transforma em mulher.

– Quando se casa, é o que quer dizer.

Ela não me responde directamente. Em vez disso, estende a mão e acaricia-me o cabelo.

– É uma jovem encantadora. Mas imagino que já deve saber disso. E tão charmosa! Quem sabe… talvez atraia os olhares de um marido adequado, enquanto estiver aqui em Inglaterra.

O meu rosto deve ter revelado surpresa, porque ela sorri.

– Não tinha pensado nessa possibilidade?

– Os meus pais teriam uma palavra a dizer sobre esse assunto – respondo, cautelosamente.

– Claro. Mas dependeria muito da posição do seu potencial marido, não é verdade? A um certo nível, estas coisas fazem-se através de alianças entre países. Eu própria era Elizabeth van Nassau-Beverweet antes de me casar com lorde Arlington.

– Não estou realmente a pensar em nada desse género – protesto.

– Mas porque não? Além do mais, se aquilo que ouvi estiver correcto, não tem muitas opções.

– O que quer dizer?

– Apenas que já tentou encontrar um marido adequado em França, sem conseguir – responde ela. – E, se não tiver sucesso aqui em Inglaterra, não poderá regressar nunca mais a Versalhes. Então, para quem estaria exactamente a guardar-se? – Sorri tristemente, para mostrar que não tem más intenções, e dá-me uma palmadinha na perna por cima das cobertas. – Bom, deixo-a descansar. – Dirige-se à porta, parando apenas para apagar a vela em cima da cómoda. – Boa-noite, Louise. Bons sonhos.

Durante algum tempo fico ali, deitada na escuridão, a pensar no que ela disse. É evidente que os Arlington têm algum plano em mente – algum pretendente ou aliança que desejam promover. Mas quem? E porque estarão a ser tão enigmáticos? Tenho a desagradável sensação de que estou a ser envolvida nalguma intriga nova e complicada, cujas ramificações ainda não consigo discernir completamente, muito menos controlar.

Ao pequeno-almoço, eles regressam ao assunto. Porém, é evidente que conversaram durante a noite: os seus argumentos agora são mais refinados, as suas frases menos oblíquas.

– Notícias da corte – informa lorde Arlington, ao ler um bilhete trazido pelo mordomo. – Tenho aqui o último relatório do médico da rainha. Infelizmente, parece que os nossos piores receios se confirmam.

– Tenho de preparar as nossas roupas de luto e as sedas negras para a carruagem. Parece certo que precisaremos delas antes do fim do ano.

– É verdade. Pobre mulher.

– Há mais alguma notícia – pergunta lady Arlington –, sobre quem o rei poderá desposar, depois de ela morrer? Paz à sua alma.

Arlington encolhe os ombros.

– Têm havido algumas discussões. Informais, claro. Como sabe, o rei tem a ideia romântica de que gostaria de casar por amor. Mas esse é um luxo a que os reis raramente se podem dar.

– É verdade. E o parlamento quererá que ele case com uma protestante.

– Ah! – Lorde Arlington inclina-se para a frente. – Mas caberá essa escolha ao parlamento? É Paris, e não o parlamento, que se encontra neste momento em ascendência. E Luís quererá alguém que possa cimentar a grande aliança.

– Uma católica?

Ele acena afirmativamente.

– De preferência, estou certo, uma católica de França.

Apanhada a levar um pedaço de torrada à boca, não compreen­do inicialmente o significado de tudo isto. Depois percebo. Se não estivesse a comer, acho que o queixo me teria caído.

Como me devem considerar estúpida por não ter percebido antes.

– Então, se Carlos já estivesse interessado numa pessoa assim… – está lady Arlington a dizer.

– Exacto – responde o marido, com um aceno. – Toda a gente ficaria encantada.

Não resiste a lançar-me um breve olhar de soslaio, para se certificar de que eu compreendi.

Caminho pelo jardim, pensando furiosamente.

Então é este o plano de Arlington – promover um casamento entre mim e Carlos II! À primeira vista, parece uma proposição assombrosa. As mulheres dos reis são princesas de sangue real, não filhas de famílias empobrecidas. Trazem com elas vastos dotes, alianças estratégicas, pretensões a tronos distantes.

No entanto, se Luís e Carlos o quisessem ambos, um casamento destes seria possível. França é tão poderosa na Europa, neste mo­mento, que uma francesa de nascimento nobre podia ser considerada o equivalente a um membro da realeza de um país inferior. E, do ponto de vista do meu próprio rei, uma francesa no trono de Inglaterra seria um sinal visível de que o tratado é inquebrável. Uniria os nossos dois países por uma geração.

Penso no que os meus pais diriam, se eu me tornasse rainha de Inglaterra. Ou como Luís os recompensaria. As minhas irmãs mais novas estariam entre as jovens mais desejáveis de Versalhes. O meu pai teria novas terras; dinheiro para reconstruir a nossa casa em Brest… eu teria alcançado tudo aquilo que eles pretendiam quando me enviaram para Versalhes.

E os meus filhos – os nossos filhos: os filhos que Carlos e eu teríamos juntos – seriam de sangue real. Teriam dentro deles aquela porção de divindade de Deus que corre pelas veias de todos os membros da realeza. Eu seria a mãe de príncipes. Nessa categoria, possuiria poder – um poder superior até ao de Madame. Essa grande visão que ela tivera – a visão de uma Europa unida sob uma só fé – estaria ao meu alcance.

Como poderia eu ter alguma vez sonhado, quando pensava que me iam enviar de Paris para casa, fracassada, que se me apresentaria esta oportunidade muito superior?

Abruptamente, sacudi a cabeça, zangada comigo própria. Espera. Pensa claramente. Se fosse realmente essa a intenção de Luís quando me enviara para cá, com certeza que ele ou Lionne o teriam dito. Não teriam deixado nas mãos do encantador mas, suspeito, algo interesseiro, lorde Arlington, a tarefa de me explicar a situação.