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Portanto este esquema era de Arlington, não de Luís. De qualquer forma, não significava necessariamente que Luís desaprovasse, se as coisas corressem nesse sentido.

Se Carlos o desejasse, por outras palavras.

Reflicto, tentando ver a situação com clareza. Obviamente que, acima de tudo o resto, há a pequena questão de a rainha actual ainda não estar morta, e até discutir a morte de uma rainha é traição, quanto mais desejá-la. Claro que as pessoas falam dessas coisas – a sucessão, em qualquer país, é um assunto extremamente importante – mas falar disso da maneira errada, ou com a pessoa errada, é arriscar cair em desgraça.

Depois, existe também algo quase demasiadamente perfeito quanto ao momento de tudo isto, a forma como tudo me foi estendido à frente, como uma mão de cartas com o rei por cima, quase a pedir que lhe pegasse para jogar.

Recordo de novo as palavras embriagadas de Buckingham. Foi enviada para o seduzir. Entre essa acusação grosseira e as sugestões mais agradáveis dos Arlington, onde estaria a verdade?

Ser rainha. Ser rainha. É como um murmúrio que anda às voltas na minha cabeça. Sem ter intenção disso, dou por mim a caminhar com uma postura mais direita, um porte um pouco mais régio, enquanto me dirijo novamente a casa.

CARLO

A diferença entre um simples sorbetto e um gelado é tão grande como a diferença entre giz e queijo.

O Livro dos Gelos

Tinha pouco com que me ocupar enquanto aguardava a chegada do ananás. Mandava geleias e cordiais gelados para a corte e passava o resto do tempo a fazer experiências.

Na verdade, sabia que era tão novato nisto como fora em tempos na feitura de gelos, e precisava desesperadamente da orientação de Boyle ou de outro filósofo natural. No entanto, Boyle deixara bem claro que não me ajudaria a menos que eu concordasse em tornar públicas as minhas descobertas, portanto, até ver, estava por minha conta.

Determinado a prosseguir usando a mesma abordagem lógica que um químico como Boyle empregaria, comecei por regressar ao gelo de pêra que fizera em França e tentei recriá-lo exactamente como antes. Mas o processo acabou por não se revelar simples. Parecia que a relação entre os vários ingredientes era quase impossivelmente complexa – reduzir a quantidade de açúcar tornava a textura menos gelada, mas também tornava quase impossível congelar a mistura: o crème anglaise por vezes congelava suave, mas outras vezes formava grumos, como ovo mexido, enquanto alterar as proporções de pêra e nata o transformavam de um gelo cremoso e suave numa porcaria líquida e peganhenta.

Durante estas experiências, Hannah lavava os meus pratos e Elias ralava o meu gelo. Com alguma surpresa, percebi que ambos eram bons trabalhadores, e não tinha quaisquer queixas da sua aplicação. Lembrei-me das palavras do espião francês. Acreditam em trabalho duro, estes protestantes, quase religiosamente, poder-se-ia mesmo dizer. Não voltara a repetir-se a atitude de desafio em relação às juras e, pela minha parte, decidi não falar mais no assunto.

No entanto, era evidente que Hannah não era o tipo de criada a que eu me habituara em França.

– Porque é que um cordial gelado é melhor do que ao natural? – perguntou-me Elias, um dia.

– Porque refresca o palato dos cortesãos suficientemente afortunados para o provarem.

– Mas porque é que simplesmente não despem os casacos para refrescar?

Era tentador dizer-lhe que parasse com as perguntas; mas havia qualquer coisa no rapaz que me fazia lembrar a minha própria curiosidade quando comecei a trabalhar para Ahmad.

– Porque um gelo cremoso é mais delicioso do que despir o casaco – respondi, pacientemente.

– Posso provar um bocadinho?

– Não.

– Porquê?

– Não é para o gosto de crianças.

– Então porque é que os cortesãos gostam, se as crianças não gostam?

– Porque os cortesãos são idiotas. – Era Hannah, a interromper sem que ninguém lhe tivesse dirigido a palavra. Viu a minha expressão. – É apenas a verdade – disse, nada atrapalhada. – E mais vale que ele a saiba desde já.

Não lhe respondi directamente, mas falei com o rapaz.

– Os cortesãos estão habituados a magnificência. Conseguem apreciar coisas especiais, às quais têm direito em consequência da sua nobreza e dos seus serviços ao rei.

Um som vindo da direcção de Hannah indicou o seu desacordo.

– A corte é a origem de todos os nossos problemas.

– Sem a corte, não haveria governo – observei.

– Neste país, temos a felicidade de ter um parlamento, que governou o país perfeitamente bem enquanto o rei vivia no es­trangeiro.

– Quando o último rei foi sido assassinado pela populaça – respondi, em tom cortante –, e o seu filho se viu obrigado a ir para o exílio, dizem-me que este país ficou nas mãos de um ditador.

– O parlamento não é perfeito – admitiu ela. – Quanto ao rei Carlos… não há dúvida de que, desde a morte da irmã, ele tentou livrar-se de alguns dos libertinos e sanguessugas que o rodeavam. Mas é também um fraco e, quando a sua dor passar, voltará ao que era antes. Quer isto dizer – disse, lançando-me um olhar de soslaio –, aos seus costumes de católico. Facilmente se deixa distrair por todo o tipo de prazeres e novidades, especialmente se tiverem o elegante selo de aprovação de França.

Esta avaliação era, claro, tão idêntica à das pessoas que me tinham enviado que, por um momento, não soube o que dizer.

– Bom, não será distraído pelos meus gelos, pelo menos – disse, por fim. – São apenas águas e cordiais gelados. Não há neles nada que possa mudar o carácter de uma pessoa, quanto mais a sua religião.

LOUISE

Estou a ser exibida.

De cada vez que lady Arlington sugere um passeio no parque, ali está o rei, também a passear com a sua corte. Paramos, trocamos cumprimentos e palavras de circunstância. Como está a dar-se por cá? Bem, obrigada, senhor. Suponho que tem saudades dos seus amigos? Senhor, estou a fazer tantos amigos novos aqui que ainda não tive tempo para pensar nisso.

Não falamos sobre a irmã dele, nestes encontros públicos. Mas o sofrimento – a dor com que ele se debate mesmo durante estas simples trocas de palavras – é demasiado evidente.

E depois, precisamente quando ele pigarreia e se prepara para me perguntar mais qualquer coisa, lady Arlington faz as suas despedidas. O mesmo acontece quando saímos a cavalo, ou quando jogamos paille maille.

Mesmo no rio, onde me levam para aprender a remar, os meus esforços desastrados atraem um olhar de uma janela aberta no palácio: ali está o rei com uma pilha de papéis, um grupo de conselheiros, assuntos de Estado, a olhar para baixo. Acena-me de forma cortês; o aceno real, com uma mão aberta, como um agricultor a espalhar sementes.

No entanto, uma vez que nunca tinha sido exibida, não acho a sensação completamente desagradável. Quando me afasto dele sinto o seu olhar sobre mim, tal como conseguimos sentir o calor do sol sobre a pele mesmo se fecharmos os olhos. Por vezes, até me permito um breve olhar para trás por cima do ombro, para ver se ele ainda está a olhar para mim. Estarei a ser coquete? Há uma parte de mim estupefacta com o meu próprio comportamento, outra que acha esse pensamento divertido.

E uma parte que pensa: Tenho de me comportar como uma confidente preferida, nada mais. A acusação grosseira de Buckingham foi úticlass="underline" serve-me de aviso. Ninguém pode ter nada a censurar-me.