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– Também vem a caminho.

– Já é qualquer coisa, suponho. O que esperará a rainha?

Lady Anne encolhe os ombros.

– Ela gosta de jogar às cartas. E deve esperar alguma comida.

– Que comida?

– O jantar – responde ela, vagamente. É evidente que a educação de lady Anne não incluiu muitas horas de gestão doméstica.

– Para quantas pessoas?

– Deve trazer as suas damas de companhia. Talvez uma dúzia, no total. E, se ela vem visitá-la, outras pessoas podem fazer o mesmo.

Penso por um momento.

– Mandem uma mensagem ao signor Demirco, o confeiteiro. Peçam-lhe que mande gelos para vinte pessoas. E digam-lhe que não há tempo a perder.

CARLO

Numa pressa, é possível fazer um gelo simples de eggnog, ou leite-creme, ou fruta, ou qualquer mistura dos três.

O Livro dos Gelos

–Vinte! Não consigo fazer vinte gelos até à hora de jantar.

O homem que trouxe a mensagem encolhe os ombros.

– O pedido é esse.

Suspirei.

– Muito bem. Diga-lhe que verei o que posso fazer. E tenham uma carruagem aqui às seis horas.

Não é possível fazer gelos de nata em pouco tempo, mas é possível preparar uma boa quantidade de granite em alguns minutos, se tivermos um xarope para derramar sobre eles. Os cordiais também podem ser feitos rapidamente, desde que haja gelo para os arrefecer. E até é possível conseguir uma aproximação de creme gelado, se tivermos fruta conservada para dar sabor ao leite enquanto o mexemos. Em Paris, eu teria respondido ao pedido de Louise com um estalar de dedos, e os meus aprendizes teriam corrido a preparar tudo a tempo.

Mas aqui, em Londres, não tinha aprendizes. E ninguém em quem pudesse confiar para não me roubar os meus segredos.

– Porque está a gritar? – perguntou Elias.

– Estou a pronunciar profanidades em italiano – disse-lhe. – Mas agora vou pronunciar instruções em inglês. Calça aquela luva e rala-me tanto gelo quanto conseguires.

Si, signor – respondeu ele alegremente.

– Assim não, ou estaremos aqui a noite toda – disse, mostran­do-lhe como fazer. – E precisamos de pôr alguns xaropes a ferver. Quem é que pode ir ao mercado comprar-me algumas coisas?

– A Mary está livre – disse ele, calçando a luva de ralar.

– Então manda a Mary comprar laranjas. E mais açúcar.

– O que se passa?

Era Hannah, que ouvira a agitação.

– A rainha vai jantar com madame Carwell – disse-lhe Elias.

– Nunca conseguirá fazer xarope da laranja suficiente a tempo – concluiu Hannah, avaliando a situação. – Mande a Mary comprar laranjas, sim, mas terá de as espremer e servir o sumo fresco com umas folhinhas de hortelã e um pouco de cardamomo.

Na altura, eu ainda não tinha ouvido a expressão inglesa «De­masiados cozinheiros estragam o caldo», mas estava rapidamente a familiarizar-me com o sentimento por trás dela.

– Não há tempo para discussões. Tenho de servir gelos a Sua Majestade…

– Fiz posset – interrompeu Hannah. – Pode ficar com ela.

Isso fez-me parar.

– Quanto?

– Cinco litros. O suficiente para vinte pessoas, se a congelar.

– Fazer gelos não é tão simples como isso.

Ela suspirou.

– Não quis insinuar que fosse. No entanto, penso que a posset congelará bem, tal como o leite-creme. Pense nisso como um atalho culinário.

Nesta altura, Mary, Rose e o estalajadeiro, Titus, tinham-se juntado a nós. Eu precisava de tomar uma decisão rápida.

– Muito bem – disse. – Vou congelar a posset. Mas tragam-me laranjas na mesma. Podemos espremê-las. E limões também… vamos fazer um xarope.

– Não pagues mais de meio xelim pelas laranjas – disse Hannah a Mary. – Vai ao Robin Marchmont e diz-lhe que fui eu que te mandei. Rose, diz ao Peter que aqueça o fogão. Eu vou buscar a posset.

Posset, devo explicar, é uma bebida que os Ingleses apreciam particularmente, uma espécie de eggnog feito com leite quente, vinho e especiarias. Era frequentemente servida em tabernas, quer como bebida para aquecer, quer como sobremesa. Esta última era aromatizada não só com sumo de limão, vinho doce e noz-moscada, mas também com outro sabor que, ao princípio, eu não conseguira identificar.

– O que é isso? – perguntei. – Alguma espécie de erva?

Hannah acenou.

– Cerefólio. Só uma pitada.

Pousei a colher.

– Bom, terá de servir. Elias, como vai o gelo?

– Já ralei quase todo o bloco – informou ele, com as bochechas coradas do esforço.

– Vamos precisar pelo menos do dobro disso. – Peguei na pá e hesitei. Agora tinha de encher a sabotiere com gelo e sal para congelar a posset. Nesta fase, normalmente, pediria a todos os presentes que saíssem, mas hoje não podia dar-me ao luxo de os afastar das suas tarefas.

Tentando fazer o melhor que podia dadas as circunstâncias, levei os vários ingredientes para um canto. Para confundir ainda mais algum bisbilhoteiro, pronunciei umas palavras em latim sobre o balde enquanto mexia.

Dominus virtutum nobiscum – acrescentei, recordando as palavras de um salmo católico.

E assim continuámos nas duas horas seguintes, a fazer o cordial de laranja e a engrossar um xarope de limão para o granite enquanto eu me virava periodicamente para a sabotiere para mexer a mistura enquanto congelava. Hannah sugeriu que mandássemos comprar também algumas geleias, e Rose foi enviada para comprar geleia de marmelo à senhora Lamb, na esquina. Quando a carruagem chegou, já quase tínhamos reunido uma refeição ligeira respeitável. No entanto, eu não estava com tanta pressa que não parasse para provar a posset gelada: para minha surpresa, possuía uma textura macia e rica que eu só conseguira por duas vezes antes, uma no dia do funeral de Madame e a outra quando congelara o leite-creme de Hannah.

LOUISE

–Chegaram – diz Anna, que está à janela. Junto-me a ela.

A procissão que se dirige a nós pela Galeria de Pedra é uma visão algo estranha. A rainha é inconfundível – embora seja uma mulher muito pequena, veste um belo vestido espanhol e tem o porte que só uma princesa pode ter. As suas damas de companhia, contudo, são outra questão. Trazem chapéus estranhos e altos, como freiras, e as suas saias têm cosidas anquinhas arcadas que as fazem baloiçar de um lado para o outro enquanto caminham.

– Valha-nos Deus – diz lady Arlington atrás de mim. – Ela trouxe toda a frota portuguesa. Mal posso esperar para ver a expressão naqueles rostos morenos quando perceberem que foram usurpadas.

É fácil acreditar que a rainha está a morrer. Parece ainda mais frágil do que Madame nos meses que antecederam a sua morte, e as madeixas grisalhas do cabelo sugerem que já sofre assim há anos.

A reverência que lady Arlington faz é tão superficial que mais parece que está apenas a desviar-se de algo que lhe atiraram à cabeça.

– Vossa Alteza, permiti que vos apresente Louise de Keroualle. Creio que a dada altura estava previsto que fosse uma aia do vosso quarto – diz, com uma ligeira ênfase no «vosso». – No entanto, o rei encontrou outro lugar para ela na corte.

Se a rainha repara na insinuação, não o mostra.

– O rei é muito atencioso – diz-me. – Lembro-me de como foi amável comigo quando cheguei a este país. Quando quero alguma coisa, basta-me pedir-lhe. – Pode parecer fraca, mas o significado é claro. Não tente humilhar-me, ou tratarei de a afastar.