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– Uma coisa é seduzir o rei – disse ele, calmamente. – Outra muito diferente será mantê-lo. Como acabou de ver, não há falta de mulheres ansiosas por partilhar os despojos.

– A Nell Gwynne?

– Entre outras. A duquesa de Cleveland conquistou os seus títulos na cama dele, e ainda é bem capaz de acrescentar mais alguns à colecção. A actriz Moll Davies tem uma bela casa em Pall Mall. A Peggy Clift tem uma pensão de oitocentas libras por ano. E estas são apenas as que ele já teve. Há neste preciso momento uma vintena de jovens na corte, todas elas ansiosas por ocuparem o lugar de madame Carwell. – Virou na direcção de uma taberna com vista para o rio. – Será preciso mais do que mera aquiescência: ela vai precisar de todos os seus truques sujos franceses se quer…

Nunca terminou a frase. Rodei sobre mim próprio e dei-lhe um soco na cara. Senti os nós dos dedos contra os dentes dele e depois dei por mim no chão, com a faca de Cassell encostada à garganta, a lâmina tão firme como os olhos que se cravavam nos meus.

– Cuidado, signor – murmurou ele. – Ganhei simpatia por si, mas não aceitarei um insulto desses de homem nenhum.

– Nem eu – retorqui, devolvendo o olhar.

Passado algum tempo, ele afastou a faca.

– Por amor de Cristo – disse, incrédulo. – Também tem um fraquinho por ela.

Levantei-me.

– Não seja ridículo. Simplesmente ofende-me a insinuação de que sou, de alguma forma, o chulo de Louise. Se deseja falar com ela sobre o que deve ou não deve fazer, faça-o directamente.

Ele começou a sacudir-me a terra das costas, tão calmo agora como se a nossa altercação nunca tivesse acontecido.

– Se o ofendi inadvertidamente, signor, por favor aceite as mi­nhas desculpas. – O seu tom era cortês mas, apesar disso, a expressão dos seus olhos era pensativa.

LOUISE

Fico quase sem fôlego com a franqueza da peça. Estou habituada a bon mots maliciosas, a observações cortantes, aos apartes sorridentes mas corrosivos de Versalhes, mas a pura barbaridade descarada do ataque de Nell Gwynne é algo completamente diferente. Só com grande esforço me contenho para não gritar enquanto assisto.

E depois todos a aplaudem. Os risos, posso perdoar – qualquer pessoa pode rir-se e depois arrepender-se – mas aplaudir!

Mantenho propositadamente as mãos cruzadas no colo. Carlos repara e inclina-se para mim.

– Ao princípio, eles podem parecer muito rudes – diz, em tom apologético. – Mas é apenas a maneira que têm de lhe dar as boas-vindas.

– Mas porque é que ela me odeia tanto?

Ele olha para o palco, onde Eleanor Gwynne está neste mo­mento a dançar outra vez, ao ritmo dos aplausos da multidão.

– Ela não a odeia. É apenas a ideia de diversão da Nelly. Por favor, não dê importância a isto, Louise. A Nell gosta muito de se divertir.

CARLO

Para uma ocasião especial, nada é melhor do que um gelo.

O Livro dos Gelos

–É um ataque a todos nós – disse Arlington. – A Nell é uma criatura do Buckingham. Ele ainda não se esqueceu de como foi enganado com o tratado. Tem estado à espera de uma oportunidade.

– É, particularmente, um ataque a França – disse Colbert. O pequeno embaixador francês juntou-se desta vez à nossa reunião. – Não podemos dar-nos ao luxo de o ignorar.

– Não devíamos fazer nada. – Era Walsingham. – A sátira da Nell pode ter feito o rei rir, mas o seu único efeito prático foi empurrá-lo ainda mais para os braços de madame Carwell. Ele não voltou a visitar Nell desde a morte da irmã. Nem qualquer outra das suas amantes habituais, na verdade. A duquesa de Cleveland está reduzida a ter de satisfazer os seus apetites carnais com um artista da corda bamba.

Ninguém lhe perguntou como sabia. Presumia-se que a informação de Walsingham era sempre correcta.

Vocês podem ignorá-lo – admitiu Colbert. – Mas eu não posso. É a reputação de França que está em jogo.

– E o que pensa fazer? – perguntou Arlington em tom irónico. – Ripostar com uma peça sobre o Cerco de Orleães?

– Um baile – disse o embaixador com firmeza. – Vou dar um baile. Afinal de contas, impõe-se que celebremos o regresso da saúde de Sua Majestade. E será uma oportunidade para mostrar aos vossos conterrâneos como se fazem estas coisas. Não serão poupados esforços, nada! – Olhou directamente para mim. – Teremos gelos, signor. Gelos, para oitocentos convidados. Temos de recordar a toda a gente de onde vêm os prazeres do rei.

Não era um pedido.

Porém, na verdade, mesmo que o embaixador me tivesse dado a possibilidade de recusar, eu teria agarrado com unhas e dentes a oportunidade que este baile representava. Estava a ficar louco, aqui em Inglaterra, fechado nesta pequena corte, neste pequeno país, a fazer gelos para um círculo tão reduzido.

Não era apenas o embaixador que queria mostrar-lhes como estas coisas se faziam em Versalhes.

Aos poucos, os planos foram surgindo. Íamos apoderar-nos do Parque de St. James e transformá-lo numa réplica dos jardins de Versalhes. Haveria um grande palácio de lona e papier mâché, erigido apenas por uma noite, como acontecia nos divertissements de Luís XIV. Uma orquestra de músicos franceses, trazida especialmente para a ocasião. Os próprios convidados nobres estariam todos mascarados, como num baile de máscaras.

Até os gelos seriam particularmente notáveis. Colbert ia servir o vinho pétillant blanc de Champagne que era um tão forte símbolo da cooperação anglo-francesa: o vinho era francês, mas as garrafas extra fortes que o tornavam possível tinham sido inventadas por um membro da mesma Sociedade Real a que pertencia o ilustre Robert Boyle.

E eu – eu serviria sorvetes de champanhe.

Sabia muito bem que a inclusão de álcool dificultava muito a preparação dos gelos. O vinho era particularmente complicado; o vinho espumante ainda mais. No entanto, a crescente confiança que tinha nas minhas próprias capacidades era suficiente para querer tentar.

Não seria esse o único gelo na ementa, claro. Depois de muito reflectir, decidi-me por um sorvete de romã com molho de champanhe; uma geleia de maçã e crisântemo e um granite de leite de funcho. As cozinhas do embaixador produziriam o prato principal, uma refeição leve de carnes francesas, mas as sobremesas seriam todas minhas: uma selecção de sorvetes e – finalmente! – a primeira aparição pública do meu gelo cremoso de pêra e crème anglaise, essa nobre aliança, servido numa dupla coroa de biscoito, para representar a feliz união dos dois reis.

LOUISE

O embaixador francês quer saber se o rei irá ao baile.

– Não faço ideia – digo. – Ainda está de luto pela morte da irmã.

– Claro – murmura o embaixador. – Foi uma infelicidade, a morte dessa senhora… e contudo, não consigo lamentá-la, porque a trouxe para cá, mademoiselle. Que fortuito que o rei tenha encontrado conforto na companhia de uma das nossas conterrâneas.

Todo o seu discurso é assim – ligeiro e empolado e pretensioso. Lança uma insinuação e espera que eu a contradiga; se não o faço, pensa que confirmei o que ele está a pensar, quando a verdade é que, pura e simplesmente, não é nada da conta dele.

– Encomendei gelos – diz ele, passado um momento. – Gelos, na esperança de que o rei nos honre com a sua companhia.

– Sim – digo. – Esperemos que o faça.

Dois dias antes do baile, chegam três embrulhos, trazidos por lacaios de libré. Com eles, vem um bilhete: