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Chega de luto – CR

Carolus Rex. Carlos o rei. Uma ordem real.

Dentro do primeiro embrulho, encontro uma máscara na qual foram cosidos diamantes minúsculos. O segundo contém uma fantasia – calças de salteador da estrada, um casaco curto, como o de um conquistador, um tricórnio, tudo a brilhar com fios de prata e feito de sedas reluzentes. No último embrulho estão botas, um cinto, uma pistola prateada.

Prendo o meu cabelo rebelde num rabo-de-cavalo de homem e pinto os lábios do mesmo vermelho-escuro da máscara.

CARLO

Para um sorvete de champanhe: misture quatro chávenas de champanhe, uma chávena de água e uma chávena de açúcar numa panela, e leve a ferver com a raspa de um limão até o açúcar se dissolver. Deixe arrefecer e adicione o sumo do limão. Enquanto gela, vá soltando o sorvete com um garfo.

Geleia de crisântemo e maçã: ferva em lume brando cinco ou seis maçãs verdes e uma dúzia de flores de crisântemo, depois passe por um coador. Assim que arrefecer, adicione uma chávena de xarope de açúcar e um pouco de goma. Deite em taças e refresque, mas sem gelar.

O Livro dos Gelos

Ainda bem consciente da necessidade de segredo, contratei apenas o pessoal do Red Lion para meus assistentes. Havia muito a fazer e atirei-me ao trabalho, feliz por, para variar, poder pensar noutra coisa além de política. Durante duas semanas trabalhámos, armazenando em gelo os sorvetes terminados para manterem a frescura.

Atrasei tanto quanto me atrevi a minha chegada ao baile – sabia que, ao final da noite, o calor seria imenso, e queria que os meus gelos ficassem frios tanto tempo quanto possível. Assim, não fiquei surpreendido ao encontrar uma multidão compacta em volta do parque. O que me surpreendeu, contudo, foi descobrir que, longe de estarem a apreciar o espectáculo, estas pessoas eram hostis.

– Porque estão a gritar daquela maneira? – perguntei.

Hannah, que ia na caixa da carroça com as arcas de gelo, disse calmamente:

– Pensam que França pretende convencer-nos a lutar contra os Holandeses e que depois, quando estivermos enfraquecidos, se virará contra nós.

«Guerra não… papa não» era o cântico da multidão, bem como «Vão para casa» e «Católicos fora». Enquanto tentávamos entrar no parque, a carroça foi empurrada de um lado para o outro e só com grande esforço consegui manter as arcas de gelo seguras.

– Os soldados não podem manter a ordem? – perguntei, exasperado.

Um homem estendeu-me um panfleto.

– Veja as imagens, leia as rimas! A escandalosa sedução de madame Carwell, com gravuras. Veja o que o velho Rowley anda a fazer agora… – Empurrei-o com o pé e ele caiu na lama.

Dentro da tenda, em contraste, havia apenas decoro e elegância. Em cada esquina estavam lacaios de cabeleira, prontos para servirem o meu sorvete de champanhe em travessas de prata; havia música francesa e conversas em francês e as danças lentas e majestosas de Versalhes. Vi que a luz dos quatro grandes candelabros se reflectia nas taças de vidro, fazendo com que os sorvetes brilhassem como diamantes. Até as garrafas de champanhe estavam a ser arrefecidas em urnas feitas de blocos de gelo reluzente.

Havia muito para fazer – os primeiros convidados já estavam a chegar enquanto eu distribuía as arcas de gelo, uma para cada dois criados.

– Mantenham os gelos tão frescos quanto conseguirem – ordenei. – Quando a travessa estiver vazia, reabasteçam da arca, mas mantenham a tampa fechada, senão em breve terão apenas uma sopa fria. – Eles olharam para mim com expressões de incompreensão: nunca tinham ouvido falar de gelos e, por mais do que uma vez, tive de explicar pacientemente por que motivo as bebidas que iam servir deviam ser mesmo assim tão frias e porque não era boa ideia aquecê-las. A orquestra afinou os instrumentos e começou a tocar: os trombeteiros anunciaram as primeiras chegadas; o próprio embaixador pegou numa travessa de gelos e posicionou-se à entrada, para receber as pessoas e impingir a cada uma esta novidade de França.

Mesmo assim, não parei – andava de um lado para o outro, a tentar que os lacaios compreendessem que um sorvete, depois de derretido, já não prestava. Alguns estavam a ficar sem sorvetes mais depressa do que os outros e as arcas de gelo tiveram de ser redistribuídas para garantir que todos tinham o suficiente.

E depois vi-a. Vi-a, e o mundo parou.

LOUISE

As outras mulheres vieram mascaradas de pastoras, ninfas, figuras da mitologia romana e francesa. Até as danças são francesas – minuetes e portamentos e marchas. Todas as pessoas que têm alguma importância em Londres estão presentes, bem como todos os nobres e cortesãos franceses que se encontram em Inglaterra. Um ataque a França é um ataque a todos eles, e agora toda a gente está à espera para ver se o rei mostrará o seu apoio a França ao comparecer na recepção do embaixador francês.

Se ele não aparecer, será com certeza um sinal de que a aliança está quebrada.

E depois – finalmente! – uma figura alta e mascarada aparece ao cimo das escadas, acompanhada por um pequeno grupo de cortesãos privilegiados. O ruído da multidão diminui, como um animal que sustém a respiração para olhar, e depois recomeça, mais alto ainda do que antes.

O rei. O rei está aqui.

E…

Ele já não veste o preto de luto pela irmã, mas sim o tricórnio de plumas, o casaco prateado e as botas enroladas de um mosqueteiro francês.

O rei inclina-se perante França.

À medida que ele se dirige a mim, as pessoas curvam-se numa grande onda, abandonando instantaneamente qualquer fingimento de que ele está incógnito sob a máscara – a força da sua passagem espalha as vénias pela multidão como uma foice a cortar o milho.

Curvam-se atrás dele e ele ignora-os, continuando a avançar.

Pára à minha frente.

Em vez de fazer uma reverência, ergo a pistola e aponto para o peito dele. Para o seu coração. Ouve-se uma exclamação colectiva e a sala silencia-se.

– Uma dádiva, por favor – digo, calmamente.

O rosto mascarado vira-se para mim.

– Há três coisas que poderia dar-lhe, bonita salteadora. Consegue adivinhar quais são?

Os cortesãos riem-se, já com a mente na alcova. Eu abano a cabeça.

– Posso dar-lhe uma dança, posso dar-lhe um beijo ou posso dar-lhe o meu coração. Qual será?

Levanto a arma.

– Uma dança, então.

– Muito bem. – Enquanto me escolta até à pista, os músicos voltam ao princípio da peça, pelo que toda a gente se vê forçada a recomeçar.

Quando chegamos ao fim do grupo ele coloca as mãos contra as minhas, palma com palma, e entrelaçamos os dedos. Os seus olhos, escuros por trás da máscara, trespassam-me.

Depois abre um pouco os braços, ainda com os dedos presos nos meus, e puxa-me para si. Mais uma vez, sinto a sala à nossa volta silenciar-se.

Será isto parte do nosso jogo? Ou algo mais?

O mais leve dos beijos, mesmo no canto da minha boca. O cheiro da sua colónia, almiscarada e francesa. Os pêlos do seu bigode. E depois os seus lábios pressionam mais e envolvem os meus.

Involuntariamente, fico rígida e ele recua.

Oiço os murmúrios à nossa volta.

Ele encosta os lábios ao meu ouvido.

– Por um beijo destes, travaria mil guerras.

CARLO

Para fazer um sorvete de romã: esprema romãs suficientes para encher duas chávenas de sumo. Adicione meia chávena de açúcar para adoçar, depois mexa e congele. Para servir, deite champanhe sobre o sorvete, decorando com sementes de romã e pedacinhos de laranja cristalizada.