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CARLO

O momento de servir um gelo é o ponto alto de qualquer reunião.

O Livro dos Gelos

O baile foi um sucesso. Um grande sucesso: o rei Carlos era novamente o monarca alegre, o príncipe do prazer. Todas as noites havia festas, bailes de máscaras, jogos de cartas com apostas altas, brincadeiras e frivolidade e graça. E fora França que o conseguira. Mais uma vez, França era a epítome de tudo o que é elegante. Peças francesas eram representadas nos teatros reais; pratos franceses servidos em todas as mesas da aristocracia; gelos franceses – ou seja, os meus gelos – adornavam todos os jantares e bailes. A nobreza começou a construir febrilmente plantações de ananases, pomares e casas de gelo nas suas propriedades, e as grandes casas de Inglaterra mandaram remodelar as façades ao estilo dos châteaux franceses. Os tectos eram pintados como em Versalhes e todas as mulheres da alta sociedade exigiam uma salle des miroirs onde beberricarem as suas chávenas de porcelana de thé.

Apenas as pessoas comuns estavam taciturnas e inquietas, sem saber onde isto iria acabar. Todos os mecânicos ou criados sabiam dizer o que estava a acontecer na Europa: juntavam-se para comprar os jornais baratos vendidos em tabernas e cafés e depois sentavam-se a discutir as notícias, com expressões graves. Luís queria guerra, isso era evidente. Mas seria a Holanda ou a Espanha o primeiro país a ser engolido? E, se a vitória era inevitável, seria melhor ser seu aliado ou seu inimigo? Ele já fizera alianças antes, para depois se virar contra os seus aliados quando mais lhe convinha.

O parlamento ratificou o Tratado de Paris, mas o Tratado de Dover continuava a ser um segredo conhecido apenas por muito poucos.

Agora mais ocupado, comprei uma cadeirinha para me deslocar mais depressa entre a multidão. Vi os olhares desaprovadores de Hannah e pensei que fosse apenas por causa da extravagância. Mas depois vi-a discutir com um dos brutamontes que eu contratara para transportar a cadeirinha, chamar-lhe um cepo inútil que estava sempre a estorvá-la, e perguntei-lhe qual era o problema.

– O problema é tratar ingleses como escravos e bestas de carga – respondeu ela, furiosa. – Esse tipo de cadeiras não se via em Inglaterra antes de o rei ter voltado.

– Nesse caso, com certeza que é um progresso, não?

– Trata-se apenas de homens a considerarem-se melhores do que outros homens.

– Se a minha sorte melhorou – observei –, a sua melhorou com ela. E a de Elias também. – Era verdade: eu estava a pagar-lhe mais um xelim por semana e Elias tinha agora um uniforme elegante para poder acompanhar-me à corte.

Ela limitou-se a resmungar qualquer coisa entre dentes, com maus modos, e voltou ao que estava a fazer.

Quanto a Louise, a sua estrela subira ainda mais do que a minha. Onde o rei estava, ela estava também, ajudando-o a descontrair em soirées e festas, o seu riso límpido e francês a cortar através do zunzum de mexericos e do som dos instrumentos dos músicos, o seu sorriso atraindo todos os olhares.

Quem olhasse para ela poderia pensar que estava triunfante; que, depois de ter conseguido arrancar o rei ao seu luto, fizera o suficiente. Contudo, não era assim, e estava agora a ser mais pressionada do que nunca.

LOUISE

Recebo uma carta. Uma carta do próprio Luís XIV.

Leio-a sentada ao meu cravo, com o embaixador de pé ao meu lado. Ele tem um sorriso sofredor nos lábios, como se fosse um professor de música e eu uma aluna particularmente recalcitrante.

– Sabe o que aqui diz? – pergunto, depois de acabar de ler. Coloco a carta no suporte da música, para que ele não perceba como a minha mão treme.

– Não tenho a presunção de adivinhar os pensamentos do meu rei. – Reparo que não responde concretamente à minha pergunta. – Talvez ele tenha algum conselho paternal para lhe dar?...

– «O rei de França recomenda-lhe que agrade ao rei de Inglaterra.» O que supõe que ele quer dizer com isto?

Colbert não responde.

– Embora, naturalmente, sendo eu uma súbdita leal, ele tenha todo o prazer em me receber de volta a França quando eu desejar regressar. E, em consideração pela estima que Madame tinha por mim, falou com a abadessa do convento de Marselha, que teve a generosidade de me oferecer um lugar como noviça; isto, claro está, se decidir que prefiro realmente virar costas à diplomacia e prosseguir, em vez disso, uma vida de virtude e reflexão. Bom, o rei não falou realmente com ela, uma vez que a ordem em questão fez votos de silêncio, mas trocaram correspondência. Ao que parece, as freiras desse convento estão a fazer um trabalho admirável junto dos leprosos. É por isso que há a certeza de uma vaga, uma vez que as irmãs são recompensadas pela sua virtude sendo chamadas para junto de Deus mais cedo do que a maioria das pessoas.

– Como sempre, os conselhos de Sua Majestade são muito generosos – murmura ele.

– Oh, sim… e há umas terras em Brest, que pertenceram anteriormente à minha família e que reverteram agora para o rei. Ele está a pensar o que há-de fazer com elas. Então, o que pretende que faça, Excelência?

O sorriso de Colbert é inescrutável.

– Como assim?

– Sua Majestade termina sugerindo que eu procure o seu conselho… o seu e o dos Arlington. Bom, já sei qual será o deles. Lady Arlington pensa que eu devo ceder ao rei, sem reservas. Foram essas as suas palavras, ainda esta manhã. «Ceder sem reservas.» O que me diz a isso?

Ele parece aflito.

– Aqui em Inglaterra têm uma maneira de falar que, por vezes, é detestavelmente franca. Grosseira, mesmo.

– E contudo, uma coisa podemos dizer a seu favor: é também perfeitamente clara. Por exemplo, só agora é que eu compreendo o total alcance dos desígnios do meu rei. – Falo calmamente, mas só com grande esforço não mostro a minha fúria.

Ele consegue parecer ao mesmo tempo ignorante e inquisitivo, apenas com um erguer de sobrancelha.

– Oh, penso que ambos sabemos o que isso significa – digo. – Ou prefere que eu seja ainda mais grosseira do que lady Arlington?

– Ah, sim, compreendo. Bom, deve fazer aquilo que achar me­lhor.

– De facto. – Dobro a carta e entrego-lha. – É evidente para mim que Sua Majestade Cristã não foi informado da existência de outra possibilidade.