– Qual?
– Refiro-me à sugestão de lorde Arlington de que eu poderei tornar-me rainha de Inglaterra, quando Catarina de Bragança falecer.
O embaixador empalidece. Os seus olhos desviam-se para a porta, como se quisesse confirmar que não há ninguém à escuta.
– Lorde Arlington fez essa proposta?
– Sim. Não estava a par deste plano? O raciocínio é simples. Uma francesa… uma católica… no trono de Inglaterra significaria…
– Não diga essas coisas! – sussurra ele. – Nem sequer as pense!
– Tinha presumido que sabia…
– Não há plano algum! – guincha ele. – E não acredito que lorde Arlington, de todas as pessoas, alguma vez tenha sugerido que havia.
– Ele disse… – começo, mas depois calo-me. O que dissera Arlington, concretamente? Tento recordar. Com um aperto no estômago apercebo-me de que, na verdade, ele não disse nada. Foram apenas insinuações, sugestões. Desenhos traçados no ar. – Ele disse que o estado de saúde da rainha é muito grave.
Colbert acena afirmativamente.
– Isso é certo. Naturalmente, França espera que Sua Alteza recupere completamente.
– E disse que podia ser Luís, e não o parlamento inglês, a decidir a sua sucessora.
O embaixador olha para mim como se eu estivesse a dizer disparates sem sentido.
– Se houvesse uma sucessora, e se Sua Majestade Cristã fosse consultado, naturalmente que daria ao primo o benefício dos seus conselhos. No entanto, qualquer rainha sugerida seria de sangue real.
– Eu sou uma de Keroualle, e portanto descendente indirecta dos antigos reis da Bretanha pela parte da minha mãe…
– É uma dama de companhia! E na miséria, ainda por cima!
– A minha linhagem…
– Linhagem! Que conversa é esta sobre linhagem? Isso é para cães, não para rainhas e princesas de sangue real. – Ele passa a mão sobre o rosto. – As rainhas têm dotes. Catarina de Bragança trouxe ao rei inglês Tânger e Bombaim. Sem ela, ele não teria nada. Não poderia ter sido rei.
Olho para ele, aturdida e sem palavras. Todo este tempo, enquanto eu tenho estado a tentar Carlos, eles estavam a tentar-me a mim; a seduzir-me com a ilusão de um futuro que não tinham a mínima intenção de ver concretizado.
– Mas se Carlos casasse comigo…
– Claro que o rei Carlos não casará consigo. Não pode. O parlamento nunca o permitiria. Os seus conselheiros não o permitiriam. Sua Majestade Cristã não o permitiria.
Estou quase a chorar. Sinto as lágrimas a arderem-me nos olhos.
– Se ele quiser casar por amor…
– O casamento não é o que os reis fazem quando amam – diz ele, calmamente.
Voltamos portanto a isso.
– Nesse caso, o que quer que eu faça? – pergunto, entorpecida.
Ele faz uma vénia.
– É como dissemos. A senhora tem a sorte de ser alvo das atenções de um rei, e assim encontra-se em posição de prestar um grande serviço a França. Porém, se sentir que esta… esta honra, é algo que a deixa pouco à vontade, tem uma alternativa. – Indica a carta com um aceno. – O convento. Portanto, agora, é duplamente afortunada. Poucas mulheres, na sua posição, têm o luxo de poder escolher.
CARLO
Um gelo demasiado doce ou pesado nunca congelará.
O Livro dos Gelos
–Enganada não – disse ela. – Iludida. Oh, foram tão espertos. Espertos, espertos, espertos.
– Mas… – Olhei para a carta, com a cabeça a andar à roda. – Não compreendo. Isto significa que, afinal de contas, não é amante do rei?
– Claro que não – respondeu ela, em tom cortante. – Pensou mesmo que eu iria desonrar o nome da minha família assim tão facilmente?
– Não sabia o que pensar. – Mas o meu coração cantava ao ouvir as palavras dela. – Então foi enganada? Nunca concordou com nada disto?
Ela assentiu, envergonhada.
– Eles sabiam como me levar, de modo a que eu agisse conforme os seus planos.
– A culpa foi minha. Desculpe, Louise… Eu disse-lhes que era virtuosa, que os seus pais a tinham mandado para Versalhes para fazer um bom casamento. Deve ter sido por isso que decidiram usar o casamento como isco…
– Dificilmente a culpa poderá ter sido sua. Afinal de contas, cinco minutos de conversa comigo teriam revelado o mesmo a qualquer pessoa. E eu não seria certamente a primeira rapariga a ficar tão deslumbrada com a perspectiva de uma coroa ao ponto de esquecer a inconveniente necessidade de um casamento para a conseguir. – Suspirou. – Quase foram bem-sucedidos, ainda por cima. Se Carlos tivesse sido um pouco mais determinado, ou eu um pouco menos…
– Mas agora não é apenas com a determinação de Carlos que tem de se debater.
– Pois não. É isso que mais me choca… o facto de Luís fazer parte de tudo isto. Desde que cheguei a Versalhes, ele foi como um pai para mim.
– E os pais não vendem as suas filhas a quem dá mais dinheiro? – retorqui, secamente. – Além disso, ninguém sabe melhor do que Luís que um rei consegue por vezes triunfar onde outros falharam.
– É verdade. Mas não quero que se sinta mal, Carlo. Eu é que devia estar a pedir-lhe desculpa. Quando lhe disse, em França, que era demasiado vulgar para casar comigo… agora que estou do outro lado, compreendo como isso foi insultuoso. Comportei-me de forma abominável.
– Não importa, agora. – Ergui a carta. – Não em comparação com isto. O que vai fazer? Vai escolher a cama do rei ou o convento?
– Nem uma coisa, nem outra.
– Como?
Ela ergueu o queixo.
– Ainda sou Louise Renee de Penacöet, dama de Keroualle, a filha mais velha da família mais antiga da Bretanha. Não sou concubina de homem nenhum, rei ou não. E nunca o seria porque um embaixador, que não passa de um moço de recados arrivista, me diz que devo ser.
– Nesse caso, com certeza que tem de se afastar, não?
– Talvez haja outra maneira. – Começou a percorrer o chão de madeira com passo nervoso. – Penso que Luís não quer realmente saber se eu sou amante do rei Carlos ou não… isso é simplesmente um meio para atingir um fim. E o fim é influência… quer isto dizer, levar Carlos a cumprir os termos do tratado.
– Guerra contra a Holanda.
– Exactamente. Se eu conseguir alcançar esse objectivo sem me entregar ao rei, até Luís terá de admitir que ser amante dele não é necessário.
– Mas como conseguirá fazê-lo?
– Carlos dá-me ouvidos. E confia em mim. Já falou comigo sobre o tratado e sobre as suas dúvidas em relação a ele. Parece-me que consigo defender a causa da guerra com igual facilidade, sem… sem todos estes disparates sobre cedência e amantes. – Olhou para mim. – Ajudar-me-á?
– Não estou a ver como.
– Eu também não, por enquanto. Mas sei que seremos nós os dois contra todos eles. E sei que não posso fazê-lo sozinha.
– Nesse caso, farei o que puder.
Claro que sim: faria tudo para não a ver na cama do rei. Porém, no fundo do coração, eu estava inquieto.
Pois quem melhor do que eu sabia que aquilo que os homens mais desejam é precisamente aquilo que lhes foi dito que não podem ter?
LOUISE
Informo o embaixador da minha decisão. Ele parece angustiado, mas não me ordena directamente que apanhe o próximo barco para França. De momento, pelo menos, parece que eu ainda sou a sua melhor esperança.
– E como pretende conseguir isso? – quer saber. – Através da razão e de debate educado?
– Em parte. E, em parte, invocando os desejos da sua falecida irmã.
– Não é apenas uma questão de persuadir o rei Carlos da necessidade de uma guerra. Ele terá de desafiar o seu próprio parlamento, o que envolverá um risco considerável para a posição dele.