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O silêncio que se seguiu a esta observação persuadiu-o de que era altura de se sentar, mas o mal estava feito: ao fim do dia, o seu gracejo estava a ser repetido em todas as tabernas e cafés de Londres.

Estava também a ser falado em Whitehall, onde um dos mais escandalizados com a impertinência de John Coventry era Jemmy Monmouth. Declarando que o pai fora insultado, interceptou Coventry no caminho para casa e cortou-lhe o nariz com uma espada.

Em resposta, o parlamento aprovou uma lei que declarava ser crime para qualquer pessoa tocar ou atacar um membro dessa assembleia. Não podiam acusar Monmouth, claro, uma vez que o ataque tivera lugar antes da aprovação da lei; mas estavam a dizer que, no futuro, teriam o direito de o fazer.

Isto, por sua vez, causou mais ultraje – a ideia de que as leis feitas no parlamento podiam ser aplicadas a pessoas de sangue real. Em vez de manter a discrição, lorde Monmouth e os amigos decidiram fazer uma exibição pública da sua desobediência. Depois de uma noite de copos foram à procura de diversão, que encontraram na pessoa de uma menina de dez anos que ia com o avô. A menina era bonita e decidiram abusar dela. O avô protestou e eles atiraram-no ao chão. Apareceu um bedel nocturno que também protestou; tanto pela juventude da menina, como pelo facto de a quererem tomar à força e pelo tratamento dispensado ao avô. Então eles mataram o bedel ao pontapé.

Aqueles que defendiam Monmouth até aqui deram por si numa posição complicada. Pois se ele podia cortar o nariz a um homem sem se submeter à lei, certamente que seria a mesma coisa agora que tentara violar uma criança e assassinara um funcionário público de idade avançada?

Os ministros do rei estão divididos. Aqueles que dizem que Monmouth deve ser castigado temem que o povo se revolte caso lhe permitam sair impune. Os que dizem que o parlamento não tem de ser aplacado afirmam que os motins podem sempre ser controlados com balas.

Carlos está relutante em usar o exército. Ninguém sabe melhor do que ele que os motins facilmente se transformam em revoluções.

– Uma coisa é manter a coroa sobre a cabeça – diz. – Outra, completamente diferente, é manter a cabeça sobre os ombros.

Começo a ver aqui uma oportunidade.

A questão é subtil. Monmouth, por mais que acredite estar ligado à facção do pai, é o aliado natural dos parlamentares. Como protestante e filho reconhecido do rei, podia ser a escolha popular para o trono se Carlos se convertesse ao catolicismo.

Assim, quanto menos popular Jemmy Monmouth for, melhor para os interesses de França.

E – mais importante ainda – se eu conseguir demonstrar a minha influência sobre Carlos numa questão menor como esta, talvez consiga conquistar alguma liberdade.

*

Por fim, Carlos encontra-se num impasse. Entre os conselheiros que dizem que tem de lidar com Monmouth e os que defendem que é preciso enfrentar o parlamento, está preso num pânico de indecisão.

Enquanto caminho com ele nos seus jardins privados, digo, calmamente:

– Parece-me que o seu dilema é não conseguir decidir se deve castigar o Jemmy ou perdoá-lo.

– Sim – diz ele, com um suspiro. – É precisamente isso.

– Então porque não fazer ambas as coisas? – sugiro. – Perdoar-lhe primeiro, para que não seja preso pelos tribunais, mas depois castigá-lo de outra forma qualquer, para que todos possam ver que o rei não está disposto a tolerar este tipo de comportamento.

Ele pensa no que eu disse.

– Mas como o castigaria?

– Podia ser banido. Afinal de contas, ele é pouco mais do que um adorno da sua corte. E, assim, deixaria bem claro ao povo que o rei é uma autoridade superior à lei. – Hesito. – Na verdade, Carlos, sairia disto com a sua posição reforçada.

– Louise, é um excelente conselho! – exclama ele. – Porque é que os meus ministros não se lembraram disso?

Encolho os ombros.

– Às vezes, quem está de fora tem mais facilidade em dar conselhos. Diga-me, é verdade que o Grammont inventou uma dança nova e engraçada?

No dia seguinte, os meus aposentos estão cheios. Ministros que mal conheço aparecem para me cortejar. lorde Arlington exibe-me, correndo de um lado para o outro e mandando trazer mais cadeiras. Os jovens libertinos vêm namoriscar com as minhas damas de companhia; os mais velhos vêm tirar-me as medidas.

Sirvo-lhes gelos em taças de vidro minúsculas. Discuto teatro com o senhor Dryden e teologia com o bispo de Chester.

É a isto, penso, que sabe a influência.

Em breve será altura de falar novamente de guerra com Carlos. Porém, desta vez, não o farei directamente. Aprendi a lição. Tenho de ser mais subtil, de usar uma abordagem indirecta.

CARLO

As pêras de cozer, tal como os marmelos, têm de ser amaciadas antes de usar, e são melhores de adoçar depois de cozinhadas ou com a adição de outra fruta.

O Livro dos Gelos

O rei mandara-me chamar. Caminhámos lado a lado no Parque de St. James, com os spaniels a correrem entre as nossas pernas. Sua Majestade estava com vontade de passear, hoje – deambular, como ouvira os cortesãos chamar-lhe, as longas pernas reais a cobrirem terreno sem esforço, mas sem nenhuma direcção em particular.

Eu levara-lhe um gelo novo no qual estava a trabalhar, um cre­me com passas brancas e as duras pêras de Inverno a que os Ingleses chamam «pêras de cozer».

– Isto está muito bem feito – comentou ele, enquanto caminhávamos.

– Obrigado, senhor.

Com a colher, apontou para o lado mais distante do parque.

– A minha casa de gelo está a ser reconstruída de acordo com as suas instruções. Disse-lhes que dessem prioridade a esse trabalho.

Assenti.

– Tem de estar terminada antes da chegada das geadas, caso contrário a colheita deste ano estará também arruinada.

Ele sorriu com a minha escolha de palavras.

– Penso que não está familiarizado com os nossos Invernos ingleses.

– Não, senhor.

– O gelo é uma das poucas colheitas em que raramente passamos necessidades. – Estendeu-me a taça vazia. – Todos os meus ministros estão a construir casas de gelo, sabia? O Arlington em Newmarket, o Clifford em Chudleigh. O senhor e eu começámos uma moda, e agora todos querem superar-me.

– Ou talvez, senhor, queiram apenas superar-se uns aos outros, na ânsia de serem tão parecidos convosco quanto possível.

– Sim – disse ele com ar pensativo. – Sim, é exactamente isso. Bem dito.

Encolhi os ombros.

– Os cortesãos são assim em todo o lado.

Ele virou para um caminho de gravilha.

– No próximo ano, celebrarei um aniversário especial. Fará dez anos desde a minha coroação… da minha segunda coroação, claro, a restauração do meu trono. Tenciono que seja uma grande celebração: um Verão de esplendor e festas, começando por um grande banquete… um divertissement, como creio que Luís lhe chamaria. Para a Ordem da Jarreteira. Mais de mil convidados.

– Mil!

O rei acenou afirmativamente.

– Todos os homens e mulheres de nascimento nobre do meu reino. Vou mandar reconstruir o castelo de Windsor propositadamente para a ocasião. Terá um Grande Salão novo, tão grande como qualquer salão de Versalhes, onde terá lugar a festa. E será tudo moderno… quer isto dizer, francês. Nada de grifos ou aves canoras ou rosbif seco para nós, signor. Terei gelo… grandes recipientes de gelo, para refrescar os meus caranguejos, os meus morangos e espargos; banheiras de gelo para refrescar o meu champanhe… talvez até algumas dessas fontes de gelo movidas a corda de que tenho ouvido falar.

– Eu não poderia… – comecei, mas depois calei-me. Ninguém dizia que não, directamente, a um rei. – Seria preciso muito gelo, senhor… mais do que alguma vez foi usado neste país.