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LOUISE

Uma manhã, Carlos traz-me um presente. Outro presente, deveria dizer, pois houve vários nas últimas semanas. Contudo, nenhum como este.

Um colar. Rubis. Mais escuros do que groselhas, mais escuros do que sangue. Ele próprio mo prende na nuca e depois vira-me para um espelho.

Vejo-o acariciar o lado do meu pescoço com a parte de trás do dedo, tão suavemente que mal o sinto, traçando uma linha desde a minha orelha até ao ponto onde o colar pousa no meu pescoço.

– Precisa de uns brincos, ao estilo francês – diz ele, abruptamente. – Sou um idiota por não ter pensado nisso. Vou arranjar-lhe uns brincos.

– Vossa Majestade já foi suficientemente generoso. A sério, não há necessidade de jóias.

– A Louise é uma grande dama de França – diz ele, em tom irónico. – De que outra forma hei-de fazer-lhe a corte, se não com jóias?

– Vossa Majestade está a fazer-me a corte?

Silêncio. No espelho, os seus olhos encontram os meus.

– Suponho que sim.

– Nesse caso, não posso aceitar este colar, porque nunca poderei cumprir a minha parte do acordo. – Tento tirar o colar, mas o fecho é complicado. – Pode ajudar-me, por favor?

Ele ergue a mão como se fosse ajudar, mas depois coloca-a sobre as minhas, para as deter. Com o outro braço, envolve-me e pousa a mão na minha barriga.

E eu sinto… sinto…

Não consigo escrevê-lo. Quais são as palavras para isto, para esta explosão de calor e trepidação? Apercebo-me de uma sensação – uma espécie de moleza – algo desconhecido e inesperado. Unguentos a dissolverem-se dentro de mim, como uma vela derrete sob a chama.

Os lábios dele roçam no meu pescoço – com hesitação, como se soubesse que não devia fazê-lo mas não conseguisse conter-se.

Ergo o queixo. Sinto as costas arquearem, involuntariamente.

Ele aumenta a pressão da mão, puxando-me contra si, e percebo que está excitado. Sobressaltada, sustenho a respiração.

– Fique com o colar – diz ele, soltando-me. – Não há acordo nenhum para manter ou quebrar. É um presente sem condições.

Uma vez, ele pede-me:

– Diga-me uma coisa.

– O quê, Carlos?

– Se não fosse pela sua virtude… se o mundo fosse um sítio diferente e se nós os dois fôssemos livres para fazer o que quiséssemos… seria eu o tipo de homem que…

Não é normal nele, esta hesitação. Penso: em tempos, houve uma mulher que foi cruel para ele, e, apesar de todo o seu charme, ele nunca o ultrapassou.

– Carlos, é um homem muito atraente e bondoso. Qualquer mulher teria sorte por o ter como marido. Mas não posso responder à sua pergunta. A minha virtude faz parte de mim, tanto como as minhas mãos ou a minha cabeça. Como poderia imaginar como seria se não a tivesse?

Bruscamente, ele diz:

– Então fique com a sua virtude. Amo-a demasiado para lhe desejar outra coisa.

Vira-me costas, mas até eu, habituada à corte, não consigo conter completamente a minha surpresa por o ouvir usar pela primeira vez essa palavra.

CARLO

Recolha o gelo no Inverno, para poder ter o prazer dos gelos no calor do Verão.

O Livro dos Gelos

«Uma colheita», chamara eu à recolha de gelo na conversa com o rei; e era exactamente disso que se tratava. Ver as primeiras geadas no Parque de St. James era como ver os primeiros rebentos de uma safra há muito aguardada. Todos os dias os rebentos ficavam um pouco mais fortes, um pouco maiores, alimentados pela escuridão e pelo frio crescente. Os homens caminhavam apressadamente pelas ruas, envoltos agora em peles. Os cavalos batiam os cascos no chão, enquanto esperavam que as carroças fossem descarregadas, e sopravam trompetas de hálito quente enquanto se esforçavam para percorrer as ruas irregulares.

Depois chegou a neve. Se as geadas eram os rebentos, isto era a flor. Grandes pétalas de neve pairavam sobre a cidade, pintando os telhados de branco; assentando um bocadinho mais fundo, um bocadinho mais de tempo, de cada vez que nevava.

Contudo, o gelo ainda não endurecera. O gelo era o fruto do Inverno e amadurecia lentamente. Primeiro uma camada fina de caramelo transparente na superfície de uma poça. Depois um disco de vidro. E, finalmente, uma placa grossa e branca de porcelana, coberta de fendas onde as crianças tinham tentado parti-la com os pés, apenas para descobrir que não conseguiam.

– O gelo – disse a Elias –, até mesmo o gelo que parece congelado, precisa de tempo. Solidifica lentamente, ao longo de uma semana ou mais. E quanto mais duro for o gelo, mais lentamente derreterá. Queremos ferro, não porcelana.

– Esperamos?

– Esperamos – confirmei.

Ao fim de uma semana, o gelo estava duro como ferro. Era altura de passar para Hampton. Onde, claro, o caos se instalara. O intendente negligenciara as minhas instruções; os trabalhadores estavam parados; o celeiro que eu encomendara estava a ser usado para o gado. Apenas o gelo era perfeito, suficientemente espesso para suportar o peso de um cavalo, tão duro e firme como o próprio solo gelado.

Invoquei o nome do rei e praguejei generosamente em italiano. Pouco a pouco, a minha colheita foi recolhida.

Certa manhã, acordei e vi que o próprio ar estava branco. Uma neblina marítima gelada aproximara-se de leste, trazendo consigo um frio tão cortante que as folhas de azevinho se partiam em duas como biscoitos, e todos os ramos e galhos estavam cobertos de barbas de gelo.

Lembrei-me do que Louise me contara sobre Brest e perguntei-me o que estaria ela a fazer agora. Tentei afastá-la da mente. No entanto, às vezes, através da neblina congelada, julgava vislumbrar uma figura, com um vestido puído, a dançar na neve.

LOUISE

Agora os canais e lagos no Parque de St. James estão congelados. Carlos e o seu irmão Jaime ensinam-me a deslizar no gelo – «patinar», como lhe chamam. Aprenderam nos anos que passaram nos Países Baixos. Jaime é o melhor dos dois, algo que irrita Carlos, uma vez que em todos os outros desportos é muito superior ao irmão mais novo.

Às vezes, Jaime patina ao meu lado para me segurar: uma mão sobre o lado do meu corpo para me equilibrar, a outra esticada à minha volta para eu não cair, fazendo-me acelerar num grande arco, os dois impelidos apenas pelos movimentos das suas pernas compridas, enquanto eu me concentro em manter as pernas direitas e firmes para não cair.

– Raios, ele parece prestes a tomá-la nos braços – resmunga Carlos.

Está com ciúmes. E não totalmente infundados: Jaime aperta-me um pouco mais do que precisaria, coloca as mãos um bocadinho mais abaixo ou mais acima do que seria necessário.

É um homem estranho. Fisicamente, é parecido com Carlos – quer isto dizer, atraente. Contudo, de alguma forma, aquilo que em Carlos se transformou em charme, em Jaime tornou-se frieza. Questões de fé e política perturbam-no. No rosto ostenta perpetuamente uma expressão de ansiedade ou arrependimento. No entanto, diz-se que é mais inteligente do que o irmão e que faz a maior parte do meticuloso trabalho governamental quando Carlos perde a paciência.

O seu gosto em amantes é uma anedota em Whitehalclass="underline" diz-se que, numa espécie de penitência, se certifica de que são sempre mais feias do que a mulher.

Contudo, é também almirante da Frota. Nessa qualidade, ninguém é mais importante em termos de aconselhar Carlos a entrar ou não em guerra. Consta também que, secretamente, tem uma inclinação para a Fé Verdadeira. Se assim for, não terá os mesmos escrúpulos que alguns dos ministros do rei sobre entrar em guerra com uma nação protestante. Esta guerra pode até ser vista como um teste. Decidir-se-á por salvar a própria alma, ou por ajudar o irmão a manter o trono? É um dilema difícil para um homem devoto.