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E quem melhor para falar com ele sobre estas questões, do que uma dama católica de grande virtude, recentemente chegada de França?

Passamos longas tardes a ler Lettres Provinciales e a discutir a opinião de Pascal sobre a alma.

Carlos não acha muita graça.

– Porque passa tanto tempo a ler com o meu irmão?

– Vossa Majestade é bem-vindo para se juntar a nós.

– Não imagino nada mais entediante do que discutir religião com o Jaime. Apesar de qualquer um de nós ter pouco com que se ocupar neste momento. Se o solo não descongelar rapidamente, as corridas terminarão antes mesmo de ter começado, este ano.

– Cuidado para não prolongar isto tempo de mais – avisa-me lady Arlington. – O rei fica irritável quando o tempo está assim. Na verdade, seria uma época perfeita para passar na cama. Uma lareira quente e uma manta de peles, e o apartamento dele seria o sítio mais acolhedor do reino.

A minha táctica, quando ela fala assim, é parecer vaga.

– A minha lareira chega perfeitamente, obrigada. O carvão marinho aqui em Londres é muito bom, não acha?

Nesse Inverno, um dos membros do parlamento põe a circular um poema que começa assim:

Se tivéssemos tempo e mundo suficientes,

Este pudor, minha dama, não seria crime…

Carlos envia-mo com um bilhete: Este homem é um dos meus inimigos e um panfletário infame, mas, de alguma forma, conseguiu exprimir os meus pensamentos de forma mais eloquente do que eu próprio.

À noite, entretenimento. A grande moda, este Inverno, são os bailes de máscaras. Na Casa de Banquetes, nas mansões de Pall Mall, dançamos e trocamos mexericos atrás dos nossos disfarces. Tenho uma dúzia de máscaras diferentes, feitas com renda, penas, folha de prata e cabedal trabalhado.

E uma que continuo a usar quando tiro as outras.

Tantas camadas de disfarces. Já vi o rei sem a sua máscara, mas não sem a cabeleira. Será que a tira quando se deita com uma mulher, pergunto-me? Tenho uma imagem súbita do rei, de camisa de noite, sem a cabeleira luxuriante na cabeça, o cabelo verdadeiro cortado como o de um soldado. Rente e escuro. Devia ser cómico, ridículo, o monarca despido da sua dignidade – mas, em vez disso, sinto uma espécie de ternura.

Nos bailes, o rei e o irmão identificam-se facilmente, tanto pela qualidade das suas roupas como pela sua altura acima da média. No entanto, por vezes, é difícil distinguir um do outro. Apenas a postura do rei – a forma atlética como dança – os diferencia.

E isto: Jaime namorisca comigo, um pouco desajeitadamente. Tenta conversar comigo, captar o meu interesse com actualidades ou mexericos.

Carlos limita-se a olhar para mim por trás da máscara, os olhos escuros e brilhantes mais eloquentes do que palavras.

CARLO

Canela, junça, sassafrás e cravo-da-índia são todas boas especiarias para gelos. Na verdade, o gelado de noz-moscada pode ombrear com o mais grandioso dos gelati, e é um excelente gelo de Inverno. Sirva-o com tarte de maçã morna e um copo de cerveja quente com açúcar e canela.

O Livro dos Gelos

A Inglaterra estava agora coberta de neve, submersa, empanturrada. Os meus trabalhadores entraram em desespero, empurrando carroças carregadas de gelo através dos intermináveis bancos de neve. Os cascos dos cavalos tinham de ser enrolados em pedaços de pele; apesar disso, alguns apanharam distomatose por andarem ao frio e na humidade e tiveram de ser libertados para se arranjarem sozinhos o melhor que pudessem. Por vezes, ficávamos presos du­rante dias, por tempestades ululantes que nos queimavam a pele e empurravam neve para todas as fendas das nossas roupas. Noutras alturas, o céu estava azul e brilhante e calmo, sobre um mundo pintado de branco, o ar parado a cintilar como a poeira da broca de um cortador de mármore; havia montes de neve em todas as casas e carroças, como a crosta de uma tarte acabada de fazer.

Eu estava no meu elemento.

Não era apenas de gelo para encher a casa de gelo do rei que eu precisava. Isso talvez fosse suficiente para a casa real, mas a corte, e o seu banquete, exigiam mais. Tal significava encontrar e encher grutas onde o ar pudesse ficar frio o ano todo, celeiros de gelo de onde pudesse reabastecer a copa de St. James.

As grutas raramente ficam perto de estradas boas, e mesmo as estradas boas estavam agora intransitáveis. As cernelhas dos cavalos em breve estavam indelevelmente esfoladas com as marcas dos nossos chicotes.

Quando eu e Elias regressámos a Londres, à frente de uma caravana de carroças, já íamos a meio de Janeiro. Embora não passasse muito do meio-dia, a escuridão já estava a cair – havia poucas horas boas de luz nesses dias no pino do Inverno. Passámos por Ludgate e vimos o grande rio por baixo de nós. Por um momento pensei que deviam ter acendido os famosos fogos que avisavam Londres das invasões. Depois percebi que – e como era assombroso – as fogueiras estavam no próprio rio, mesmo em cima do gelo, uma linha de chamas que se estendia em direcção a oeste até onde a vista alcançava.

Era como a reunião de um circo ou o acampamento de um exército. Havia castelos feitos de lona; comedores de fogo e ursos dançarinos; malabaristas e bobos; balões de fogo e as centelhas cintilantes de pólvoras coloridas a iluminar os rostos da multidão. Bandeiras esvoaçavam na brisa e o som de música chegou até nós.

– É obra dos barqueiros – disse Elias, do seu lugar ao lado do carreteiro. – Quando já não conseguem trabalhar nos seus barcos, declaram aberta a feira do gelo. Ninguém tem jurisdição entre as margens do rio a não ser eles.

A estrada onde nos encontrávamos levava até ao rio. Pouco depois, senti o cheiro de castanhas assadas e o odor quente e almiscarado de cerveja quente.

– Quer parar? – perguntou o carreteiro, lambendo os lábios.

– Não – respondi secamente. – Temos de levar o gelo até ao seu destino.

*

Quando finalmente chegámos ao Lion, exaustos depois de uma noite passada a descarregar as carroças de gelo, encontrei o estabelecimento deserto, à excepção de um solitário empregado de balcão. Titus Clarke abrira uma tenda de bebidas na feira do gelo, explicou ele, e Hannah estava lá a vender as suas tartes.

Curioso, acompanhei Elias até ao rio, onde uma carruagem puxada por seis cavalos levava os passageiros de uma margem para a outra. O condutor assegurou-me que era perfeitamente seguro, mas eu tinha demasiado respeito pelo gelo para brincar com os seus perigos e decidi ir a pé. Na tenda do Red Lion, Elias reuniu-se com a mãe: ela abraçou-o e disse-lhe que devia ter crescido pelo menos trinta centímetros. Ele pareceu um pouco embaraçado com esta manifestação de afecto. Não crescera apenas por fora, pensei, divertido.

O sorriso de boas-vindas de Hannah para mim foi caloroso.

– Obrigada por cuidar dele – disse. Acenei e deixei-os a conversar.

Cada tenda tinha o letreiro de uma estalagem e, por acordo mútuo, vendia apenas uma espécie de bebida. O Three Bells era uma tenda de araca; o Coach and Horses vendia absinto, enquanto o Red Lion servia uma variedade de cerveja a que chamavam «muda».

– Porque se chama assim? – perguntei a Titus Clarke.

– Porque quem beber demasiado fica mudo – disse ele alegremente enquanto me estendia uma caneca cheia de espuma. – Tem o poder de nos roubar as palavras, como muitos homens já descobriram às suas próprias custas.

Provei um pouco: era uma cerveja quente com açúcar, espumosa, aromatizada com sassafrás e cravo-da-índia, agradável, embora um pouco aromática de mais, de uma forma que me fazia lembrar um xarope para a tosse. À minha volta, homens e mulheres esvaziavam grandes canecas da bebida. Bebi a minha com alguma moderação – em Itália não temos tanta tendência para a embriaguez como os Ingleses. Para minha surpresa, era bom estar de volta a Londres: não me tinha apercebido, no campo, do quanto sentia falta da sua energia perpétua e rude. Caminhei lentamente. Vi várias lutas de touros com cães e uma ou duas lutas de galos, que me divertiram durante algum tempo. As pessoas comiam tartes de maçã e outras guloseimas e o ar estava repleto dos cheiros quentes de noz-moscada e canela.