Conversámos durante muito tempo – discutimos o assunto, pesámos os prós e os contras. Era, ambos o sabíamos, um passo irrevocável.
– Se eu o fizer – disse ela –, quero que saiba que o levarei às últimas consequências. Não serei sua amante de forma furtiva e escondida. Tem de ser reconhecido, às claras, à maneira francesa, para que todos estejam conscientes da minha posição. Farei com que ele dependa de mim para cada julgamento e decisão que tiver de tomar. Não serei menos do que uma rainha, apesar de não ter o título.
– Eu sei.
Por um longo momento, nenhum de nós falou. Depois ela disse, num tom diferente:
– Como hei-de dar a entender que mudei de ideias? – Soube então que a decisão estava tomada.
– Fale com o Arlington – aconselhei. – Ele que seja o intermediário. Estará mais do que disposto a colher os louros por isto.
No Red Lion, encontro Hannah a fazer tartes.
– Quando terminar… – digo, com voz rouca.
Ela percebe o que quero dizer com um único olhar para o meu rosto.
– Tenho de pôr estas tartes no forno. – Aponta para o tabuleiro.
– Bom, não as estrague por minha causa. Estarei lá em cima.
Quando ela entra no meu quarto, ainda traz o avental.
Era sempre iguaclass="underline" ela de gatas em cima da cama; as minhas ancas a movimentarem-se; o meu gemido de libertação. Nem uma palavra da parte dela. O tilintar de moedas – verifiquei: ela nunca tirava dinheiro a mais nem a menos.
A única diferença, desta vez, era um leve cheiro a tarte e um pouco de farinha no cabelo dela, como uma madeixa grisalha, onde o ajeitara distraidamente enquanto amassava.
Dei por mim a olhar para baixo enquanto copulávamos. Estava a pensar num casal há muito casado, um casal que fazia este acto por companheirismo, por amor, e não por sofrimento. Presumivelmente, haveria pessoas assim neste mundo.
LOUISE
Convido lady Arlington para jogar às cartas. Agora é fácil ganhar-lhe – ela joga sempre a mesma mão, da mesma maneira. No entanto, pela mesma razão, é igualmente fácil deixá-la ganhar.
As perguntas habituais sobre o rei. Ele ainda me visita todas as manhãs? E à noite?
– Claro que só lhe permito que me visite durante o dia – digo. – A menos que fôssemos casados, qualquer outra coisa seria indecorosa.
Ela emite um ruído de desdém.
– Mas não podem casar. Não com a rainha ainda viva.
Distraidamente, enquanto jogo uma carta, digo:
– Sabe, às vezes penso que é uma pena que um rei não possa ter duas rainhas. Isso resolveria tantos problemas, não era?
Jogo a dama de ouros e a dama de copas juntas, uma de cada lado do rei, como se os meus comentários fossem relativos apenas às cartas.
Pelo canto do olho, vejo-a arregalar os olhos enquanto morde o isco.
*
Menos de um dia depois, o marido dela vem visitar-me.
– Tive uma ideia – diz ele, jovialmente. – Uma sugestão, melhor dizendo.
– Estou certa de que tem muitas ideias, lorde Arlington. Todas elas excelentes.
– Tenho, de facto – concorda ele. – Muitas ideias. Mas… ah, apenas uma esposa.
– Uma é o número habitual, não é?
– Para os homens vulgares, sim.
– Oh, não diga isso, lorde Arlington. O senhor é tudo menos um homem vulgar.
Ele aceita o elogio com uma inclinação da cabeça.
– Mas não sou um rei. Não… – continua, quase como se estivesse a falar apenas com os seus botões – …se eu fosse como Sua Majestade… um governante absoluto, chefe da Igreja e representante ungido de Deus na terra… podia certamente ter uma segunda… consorte oficial, se assim o desejasse. – Olha para mim, muito satisfeito consigo próprio.
– Sim? Que interessante. – Passado um momento acrescento, quase como uma reflexão posterior: – Espanta-me que os padres sancionassem uma coisa dessas… sei como eles podem ser difíceis nestas questões. Mas, naturalmente, confio na sua perícia nestes assuntos.
– Padres! – exclama ele, arregalando os olhos. É evidente que não estava a contar que eu exigisse os padres.
– Uma cerimónia dessa natureza certamente que exigiria um padre, não é assim? – pergunto, distraidamente. – Para ser oficial e reconhecida aos olhos de Deus? Bom, claro que não estou au fait com os costumes da vossa Igreja inglesa.
Uma ligeira pausa e depois ele vê a abertura que lhe estou a criar. É óbvio, quando pensamos bem: eles já têm uma religião inventada, com cerimónias inventadas, os salmos e a liturgia e os rituais num estado de mudança contínua. Que diferença fará mais uma?
– Na verdade, não sei qual seria a cerimónia exacta para uma ocasião tão… invulgar – diz ele lentamente.
– Mas o senhor não é bispo.
– Pois não. – Outra pausa. – É uma questão teológica interessante. Terei de a colocar a um bispo meu conhecido. Sabe, não ficaria nada surpreendido por descobrir que afinal de contas essa cerimónia existe mesmo.
– Nem eu – respondo. – Nada surpreendida.
E assim, através de insinuações e sugestões, chegamos a um acordo.
Não um casamento, mas uma união. Não uma rainha, mas uma consorte. Haverá um casamento, mais ou menos. Haverá votos, orações, uma bênção. Haverá madrigais, um epitalâmio especialmente composto em nossa honra, um baile de máscaras. E depois seremos acompanhados à cama de forma ritual, como quaisquer outros noivos.
E Luís terá a sua guerra.
Quanto ao local da cerimónia, Arlington sugere o seu palácio de campo, Euston Hall, perto de Newmarket. Há uma capela – de estilo ambíguo, nem simplesmente protestante nem extravagantemente católica – dentro da casa. Claro que sei por que motivo sugere este palácio: quer que isto aconteça fora de Londres. Assim, se alguma vez se vier a saber, pode justificar tudo isto como uma brincadeira, uma farsa rústica para entreter os seus convidados. Contudo, mesmo assim, quer que aconteça sob os seus auspícios. Tenciona enriquecer às custas disto. Almeja o cargo de chanceler, pelo menos, dádiva de um rei agradecido.
Encontra-se um bispo que jura que é tudo perfeitamente digno. Quer isso dizer que não é mais indigno do que a alternativa. Quer isso dizer que, já que vai acontecer algo indigno, mais vale que seja à vista de Deus. Assim, é quase como se o rei estivesse a pedir o Seu perdão e a Sua compreensão. Esse perdão é, de certa forma, uma espécie de bênção neste mundo de pecado.
Acredito que o bispo quer ser arcebispo, e em breve. Os seus argumentos são disparatados – até uma criança conseguiria derrubá-los. Porém, ninguém opta por discordar. Muito menos Carlos. Ele não quer saber quantas regras é preciso dobrar para poder ter aquilo que quer.
O embaixador, Colbert, está ainda mais impaciente do que o rei.
– Precisamos da guerra, já. Porquê esta demora?
– Neste preciso momento estão a ser construídos trinta e dois navios de guerra nas docas de Chatham. A demora beneficia-o a si, não a mim.
– Mas porque não pode a cedência acontecer primeiro e os navios virem depois?
Olho para ele.
– Pode saber muito de diplomacia, Excelência, mas parece não saber muito sobre homens e mulheres. Para quem supõe que esses navios estão a ser construídos com tamanha urgência? Para Luís ou para Louise?
Ele compreende o que quero dizer e inclina a cabeça.
– Tenhamos então esperança – diz, baixinho –, de que o rei Carlos nunca se venha a arrepender do elevado preço que pagou pela sua companhia, madame.
Reparo no uso de «madame». E por essa ofensa, Excelência, penso, e pelo pequeno tremor de desagrado com o qual condescende em olhar para mim, certificar-me-ei de que, assim que eu for amante dele, o senhor será recambiado para França.