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O rei fez-lhe uma vénia e conduziu-a à sua mesa, que estava separada das outras, num pequeno estrado elevado. A rainha não estava presente.

Pouco antes de eu começar a servir o gelado, um dos criados do rei aproximou-se.

– Isto deve ir dentro do gelo – disse. – Por ordens do rei. – Abriu uma pequena bolsa de veludo e sacudiu qualquer coisa para a palma da minha mão.

Na ementa, colocada junto de cada convidado, estava escrito: Para prazer exclusivo do rei: um prato de morangos brancos e um prato de gelado.

Mas não estava escrito como aconteceu: o som dos trompetes, o grito dos arautos, um silêncio súbito: todos os olhos sobre mim enquanto eu caminhava, à frente de uma procissão solene de criados, na direcção da mesa principal.

Creio que o meu olhar se cruzou com o dela, quando fiz uma vénia profunda. Porém, com aquele olho preguiçoso, era difícil ter a certeza.

Recuei. O rei estendeu a mão para a travessa de gelo esmagado sobre o qual se encontrava a tigela de morangos e puxou a ponta de uma fina corrente. Puxou de novo, e desta vez ela libertou-se; carregada, a baloiçar, pesada com pepitas cintilantes do que parecia ser gelo: gelo que se incendiou subitamente sob o brilho das velas.

Um colar de diamantes brancos, as pedras tão grandes como morangos, a pingarem nos seus dedos enquanto os retirava daquele ventre gelado.

Só nesse momento reparei que ela não tinha nada ao pescoço, em antecipação deste momento. Enquanto ele prendia o colar, murmurando algo que só ela conseguiu ouvir, imaginei a pele dos seus ombros e garganta arrepiada pelo frio da jóia; a textura suave, quase aveludada que a sua pele teria sob as mãos do rei.

Ela olhou para ele, com uma expressão adoradora mas tímida, e depois virou-se para sorrir para toda a sala: uma inocente encantada, a rapariga mais feliz do mundo. Instintivamente, as pessoas começaram a aplaudi-la, muitas levantando-se ao fazê-lo; e se houve alguns, como Rochester e Buckingham, cujos aplausos foram um pouco mais lentos, um pouco mais cínicos, isso perdeu-se no momento geral de aprovação.

Para prazer exclusivo do rei.

E até eu – cortesão, confeiteiro, cúmplice do meu próprio desgosto – até eu juntei as mãos e soltei um grito de aprovação que não sentia.

PARTE QUATRO

«Foi contado por todo o lado que a bela dama foi acompanhada à cama uma destas noites, e os rituais cumpridos como se fosse casada; reconheço que ela esteve quase sempre em trajes menores o dia todo, e que houve carinhos e brincadeiras com essa jovem libertina; disse-se que eu tinha estado presente na cerimónia anterior; mas é completamente falso.»

Diário de Sir John Evelyn, Setembro de 1671

LOUISE

Está feito. Estou deitada na cama real, molhada com a semente do rei. Ungida pelo ungido do Senhor. As minhas coxas ensanguentadas. A minha virgindade misturada com os fluxos do seu desejo.

O sangue de Louise, derramado para que Luís possa derramar o sangue holandês nos Países Baixos.

Aturdida, na cama, com as palavras em turbilhão na minha mente. Sou uma fortaleza em chamas, uma aldeia saqueada, terra queimada.

– Por favor, não chore, meu amor – murmura ele. – Meu amor, meu amor querido.

Por favor, Louise.

Estou acabada, desonrada, caída em desgraça. Sou Eva, Madalena, a Meretriz da Babilónia, a libertina dama recém-chegada de França que os panfleteiros sempre disseram que eu era. A minha preciosa honra roubada, manchada como os lençóis. Estou, literalmente, despedaçada.

Porém, acima de tudo, o que eu penso é…

A sério?

Este espalhafato todo, por isto? De certeza?

Oh, claro que doeu. Eu estava à espera que doesse. Mas a primeira vez acabou tão depressa que mal tive tempo para dizer a mim própria que não era tão mau como eu esperava.

Talvez seja esta a natureza da sua famosa perícia como amante? Talvez seja como ser um cirurgião – se conseguir serrar um braço em menos de um minuto, os pacientes não lhe largam a porta.

Fico ali deitada, incapaz de me mover, todos os meus membros serrados, espalhados pelo quarto, para onde ele os atirou. Carlos, o cirurgião, a limpar o suor da testa com as costas da mão.

Sim, ele tira a cabeleira. Por baixo, o cabelo curto está a ficar grisalho. Não, não dá pontapés aos cães. Graças a Deus, os três que ele trouxe para Newmarket são demasiado pequenos para conseguirem saltar para a cama. Toda a noite os ouvi a agitarem-se do outro lado das cortinas.

Carlos, o cirurgião, foi muito mais lento na segunda operação do que na primeira. Talvez esteja cansado. Os seus dedos em mim, frios da sua semente, a trabalharem entre as minhas pernas. Porque é que está a fazer aquilo, lá dentro? Será para preparar o caminho, de alguma forma?

A serrar, a serrar, a serrar.

Penso em Aretino, todas aquelas imagens que estudei tão atentamente em preparação para esta noite, para tentar compreender o que iria acontecer. Até tirei apontamentos. Mas agora não há a mínima hipótese de eu fazer nada dessa natureza. Nem ele parece esperá-lo, felizmente. Só com grande esforço consigo ficar aqui deitada sem parecer exausta, quanto mais agachar-me ou ajoelhar-me ou qualquer outra dessas contorções.

– Meu amor, meu amor – diz ele, colocando-se novamente em cima de mim. E outra vez. Esmaga-me. Penso, com súbita inveja, no mecanismo de um relógio, frio e mecânico e limpo.

Com um gemido, ele unge-me pela segunda vez. Um súbito estremecimento nas suas pernas. Da primeira vez pensei que fosse algum tipo de ataque, que eu tinha matado o rei. Desta vez não me alarma tanto. Mas não é menos desagradável.

Setecentos anos de serviços leais a França. Para isto.

O polegar dele toca-me na face, numa carícia.

– São lágrimas de alegria – murmuro.

Satisfeito, ele deixa-se cair sobre mim, um peso morto. Sinto o seu coração a bater contra os meus seios. Todo ele é tão duro e sólido como uma estátua. Excepto a suavidade húmida onde estamos unidos. Onde a estátua derrete dentro de mim.

Da terceira vez, o dia está a nascer. Acordo com ele ajoelhado sobre mim, o seu mastro erguido perante os meus olhos, grosso e aterrorizador. Os pêlos nos seus ombros largos e no ventre são escuros como os de um macaco.

Viro a cabeça para o lado e ele beija-me na face, lenta e deliberadamente, enquanto me penetra.

Como uma bandeira. Agora, sou território seu. Conquistada.

Desta vez o serrar é lento e sonoro.

Depois, ele pergunta:

– Como foi?

É como se estivesse a pedir a minha opinião sobre uma peça.

Reflicto um pouco.

– Não foi bem como eu esperava.

– Não? Como assim?

– Foi mais como montar a cavalo ou jogar ténis do que como poesia ou música.

Ele franze a testa e lembro-me de onde estou. Com quem estou. E porquê.

– Quero dizer, foi maravilhoso. Eu era a rapariga mais feliz do mundo; agora, sou a mulher mais feliz.

Apaziguado, ele afasta a cortina da cama do seu lado. Aparecem instantaneamente dois criados de quarto, um com uma bacia de água, outro com uma toalha.

O que segura a bacia, o mais novo, está a olhar para a frente. Depois, como se não conseguisse evitá-lo, os seus olhos viram-se para onde eu estou, deitada, com os seios húmidos do suor do rei. Ontem, talvez o tivesse mandado chicotear pela sua ousadia. Hoje, sou uma mulher desgraçada. Ele que olhe.