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Carlos levanta-se. Vejo o membro real ser lavado, as roupas interiores reais levantadas para ele as enfiar. Nesta altura está já rodeado por uma boa multidão, criados que o pulverizam e sacodem e ajeitam até que, por fim, já não é o homem que ali está, mas o monarca, a puxar as mangas de renda da sua sobrecasaca.

Finalmente, a cabeleira.

Ele dá um passo em frente, na direcção da porta, que se abre como que por magia.

Música. Aplausos.

Do meu lado da cama, a cortina é também afastada. Estão ali duas criadas, de olhos baixos, à espera para fazerem o mesmo por mim. Oiço os zunzuns de conversas vindos da divisão contígua. Um grito:

– Para Newmarket, Vossa Majestade? Ou já montastes o suficiente por hoje?

Os risos erguem-se, masculinos e ruidosos. Entram no quarto, grossos e húmidos. Há um cântico, canções, uma dúzia de vozes ásperas a gritarem o refrão.

– Um grande viva para o velho Rowley!

Ponho os pés no chão, rígida e um pouco dorida. Lady Arlington está ali, à espera.

– Há trabalho a fazer – diz ela, simplesmente.

Tenho de ficar com o meu déshabillé a manhã toda, em sinal de que estou casada. Escovam-me o cabelo, mas não muito. Foi encomendado um retrato de nós os dois, um presente do embaixador – ou melhor, dois retratos: as conveniências sociais têm de ser observadas. Eu ficarei com a mão direita estendida, Carlos com a esquerda, na direcção da moldura; não temos propriamente as mãos dadas mas, quando os quadros forem pendurados lado a lado, o simbolismo será evidente. Contudo, o pintor não terá muita sorte em conseguir que o rei pose hoje. Uma hora, no máximo, e depois ele partirá para as corridas.

Lorde Arlington aparece ao meu lado.

– Está tudo bem? – pergunta baixinho.

– Sim.

– Peça-lhe esta manhã. Antes que ele trate de outros assuntos.

– Como desejar.

Aproximo-me de Carlos. Ele vira-se para mim com um sorriso e os cortesãos que o rodeiam afastam-se.

– Lorde Arlington deseja que eu lhe peça um favor.

Ele ergue as sobrancelhas.

– O momento do pedido também é por solicitação dele.

Carlos acena, reconhecendo que eu compreendi – como Arlington devia ter compreendido – que esta falta de subtileza não é apropriada ao espírito da ocasião.

– Ele deseja ser lorde Chanceler.

Carlos parece genuinamente chocado com o tamanho da exigência de Arlington. Depois diz, com ar pensativo:

– Vejo que me transmite o pedido, Louise, sem me pedir que o conceda.

Encolho os ombros.

– O Arlington é um idiota – diz ele, calmamente. – Devia ter-lhe dito para mo pedir ontem. Ontem, eu ter-lhe-ia dado tudo o que quisesse.

– Eu sei – respondo. – Foi por isso que não o pedi ontem.

Carlos ri-se e alguns dos cortesãos erguem os olhos.

– Então não quer que nomeie um idiota para o cargo mais elevado do país?

– Nem por isso.

– Ele é o meu amigo mais antigo.

– E construiu o mais recente palácio do reino às custas disso – digo, olhando em volta.

– Se não ele, então quem?

– Para chanceler? O Shaftesbury.

– O Shaftesbury?!

– Se um parlamentar descobrir que nem sequer consegue equilibrar as contas, o parlamento não terá outra opção senão aprovar a atribuição de mais fundos. E será difícil para Shaftesbury opor-se à guerra se o rei tiver de o encarregar disso. – Além do mais, a nomeação de Shaftesbury irritará lorde Arlington mais do que qualquer outra coisa em que eu consiga pensar.

Ele acena.

– E suponho que estava a pensar nisto, mesmo enquanto estávamos na cama?

– Claro que não – minto. – Estava demasiado ocupada a pensar em si, meu amor adorado.

– Bom, vou tratar disso. Já?

Sorrio para o outro lado da sala, onde os Arlington fingem estar a conversar um com o outro.

– Oh, penso que podemos manter lorde Arlington na expectativa mais algum tempo, não acha? Hoje quero ir às corridas e conhecer esse garanhão de que tanto ouvi falar. Afinal de contas, já tive oportunidade de conhecer bem aquele em honra de quem foi baptizado.

CARLO

Gelado de framboesas: faça um litro de leite-creme; quando arrefecer, junte-lhe um litro de framboesas vermelhas maduras, esmague-as, passe o preparado por um coador, ferva e congele. Mas não adoce demasiado: o sabor das framboesas fica ainda melhor se estiver um pouco ácido.

O Livro dos Gelos

Ela aguentou até Setembro – um ano completo desde que chegara a Inglaterra. Já ouvi dizer que ela sempre teve intenção de se deixar seduzir; que os seus escrúpulos eram apenas uma representação, a sua timidez um estratagema. Certamente que isso não explica que o homem mais determinado da Europa tenha levado doze meses para a deitar na sua cama.

Endureci o coração e tentei não pensar no que eles os dois faziam nela.

As consequências políticas, contudo, foram imediatas. Encontrou-se um pretexto para a guerra: o pequeno iate real passou pela frota holandesa e não foi saudado com todas as solenidades devidas a um grande navio de guerra. Os Holandeses pediram desculpa pela sua falha, mas os Ingleses, apesar disso, anunciaram o início das hostilidades. O governo interrompeu os pagamentos da sua dívida, para que o dinheiro pudesse ser canalizado para a guerra. E Carlos aprovou pessoalmente uma lei a que chamou a Declaração de Benevolência. Todos os homens e mulheres passariam a ser livres no seu coração. Livres para terem a religião que quisessem, livres para pensarem o que quisessem, livres para dizerem o que quisessem.

Contudo, a julgar pelas consequências, seria de pensar que ele anunciara que, daí em diante, todos os bebés ingleses seriam passados a fio de espada e todas as virgens inglesas violadas. O país explodiu. Os aprendizes amotinaram-se e incendiaram os bordéis. As prostitutas marcharam e incendiaram as lojas. Os lojistas entaiparam as suas lojas; os padeiros não conseguiam vender o seu pão; os padres denunciaram nos púlpitos a licenciosidade do seu próprio rei. Dizia-se que o exercito estava prestes a revoltar-se, embora nunca tenha sido claro contra quem, ou porquê.

– Mas com certeza que era isto que pretendia – disse eu a Hannah, exasperado. – Está sempre a falar dos direitos dos Ingleses. Agora Carlos tornou-os lei.

– Não percebe? O problema é precisamente esse. Temos esses direitos porque nascemos com eles. Não está no poder de Carlos concedê-los ou retirá-los. – Suspirou. – Além disso, toda a gente sabe que esta declaração é suspeita, não por causa daquilo que diz, mas daquilo que não diz.

– Como assim?

– O rei pretende na realidade beneficiar os católicos, e não os dissidentes, com estas liberdades. Depois, quando a Inglaterra for novamente católica, a Inquisição voltará para torturar os dissidentes.

Comecei a ver pessoas nas ruas com fitas verdes na lapela. Era um sinal, explicou-me Cassell, de que eram partidários de Shaftesbury e dos parlamentares.

– São pouco melhores do que Whigs, alguns deles – disse Cassell, com uma fungadela desdenhosa.

Whigs?

– Ciganos. Amadores. – No entanto, parecia preocupado. – Não via uma situação tão grave como esta desde a Restauração – admitiu. – Com a maior parte do exército fora, em França, há pouco que possa impedir uma revolta aqui. Se isso acontecer, o parlamento ficará quase de certeza do lado da insurreição.

– Qual é a solução?

– Desconfio que o rei terá de retirar a declaração. A questão é, que mais lhe exigirá o parlamento? Depois de estarem na mó de cima, porque hão-de ficar apenas pela revogação de uma lei pouco popular? – Lançou-me um olhar de soslaio. – Tem de tomar precauções pela sua própria segurança, signor. Desconfio que qualquer católico poderá facilmente ser vítima da populaça, neste momento.