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Hesitei, depois dirigi-me à prateleira onde ela guardava os seus livros. Passei o dedo pelas lombadas. O Guia do Cozinheiro: Ou, Raras Receitas de Culinária… Medicina, Beleza e Culinária… Receitas Excelentes & Aprovadas…

O Herbário Completo, de Nicholas Culpeper.

Tirei-o da prateleira e comecei a virar as páginas.

– O que está a fazer?

Era Hannah, atrás de mim.

– Não foi com má intenção – assegurei-lhe. – Estou apenas à procura de alguma informação.

– Nesse caso, é melhor dizer-me o que precisa. Conheço esse livro de cor e não é objecto que deva andar por cima das mesas.

– A medicina de que preciso não é para mim. É para… – Hesitei. – Para um dos meus clientes nobres. Ele deseja evitar as paixões do amor.

Evitá-las?

Assenti.

– Definitivamente. É um homem muito ocupado, com o seu tempo muito requisitado. Não pretende ser perturbado por pensamentos de natureza libertina.

– Bom, não há dúvida de que isso é invulgar – disse ela. – A maioria das pessoas pergunta se existe uma erva que consiga precisamente o oposto. Mas sim, por acaso há várias infusões que têm o efeito que pretende.

– Que o meu cliente pretende – corrigi.

Ela fez um gesto impaciente, como que a dizer que era a mesma coisa, para ela.

– Presumo que estamos a falar do desejo, e não do desempenho?

– Ambas as coisas, se for possível.

– Bom, deixe-me ver – disse ela, tirando-me o livro das mãos e folheando as páginas. – Sim… a camomila é boa para isso e… e a flor de sabugueiro, quando a lua está cheia. Mas o tratamento mais eficaz seriam groselhas uva-crespa.

– Groselhas uva-crespa?

Ela assentiu e leu em voz alta.

Por vezes chamadas groselhas verdes, estas bagas subjugam as paixões, particularmente as paixões de Vénus, sob cujo domínio se encontram. Uma infusão das folhas arrefecerá mais ainda o sangue e acalmará todas as formas de cólera e imoderação.

– Tem essas bagas?

– Posso arranjar-lhe algumas em conserva, em frascos. No entanto, se as vai usar para gelado, é melhor deixar-me mostrar-lhe como fazer uma mousse de groselha verde. É demasiado tentador tentar disfarçar a acidez das bagas com demasiado açúcar e, se o fizer, o gelado nunca solidificará.

Estranhei mais uma vez o conhecimento que ela parecia ter destas questões e a cautela fez-me hesitar. Com uma leve impaciência, ela disse:

– Ainda acha mesmo que lhe vou roubar os segredos? Seja como for, ensiná-lo a fazer uma mousse de groselhas verdes é mais o contrário.

Após um instante, acenei com a cabeça em sinal de concordância.

– Obrigado.

E assim ela ensinou-me o método de fazer este simples prato inglês: cozeu as frutas em água, juntamente com duas cabeças de flor de sabugueiro; depois esmagou, coou e adoçou, e finalmente misturou o puré com leite-creme e um pouco de noz-moscada ralada. Era tão fácil e tão perfeito para um gelado que me espantava que os meus colegas confeiteiros na Europa ainda não o tivessem descoberto.

Como se adivinhasse os meus pensamentos, ela disse:

– Talvez um dia alguém consiga congelar uma mistura destas.

– E destruir o meu meio de subsistência, é isso que quer dizer?

– Os cozinheiros são pagos pelos seus segredos ou pela sua perícia? Não há segredo nenhum para fazer tartes, e no entanto as minhas são mais procuradas do que quaisquer outras em Vauxhall. – Disse-o com naturalidade, sem falso orgulho mas também sem falsa modéstia.

– Talvez seja por isso que não há nenhum fazedor de tartes com o alvará real – resmunguei.

Ela encolheu os ombros.

– Talvez. Seja como for, deixo-o. Tenho de acabar o meu outro trabalho. E espero – hesitou –, espero que o seu amigo encontre alívio dos seus anseios. Se as groselhas verdes não resultarem, diga-me, está bem? Há vários outros remédios que ele pode tentar.

Fiz os meus gelados de groselha verde e enviei-os ao rei. Uma semana mais tarde, quando perguntei a Louise se o ardor dele diminuíra, ela fitou-me com estranheza e perguntou porque queria eu saber. Tentei insinuar que estava apenas preocupado com o facto de as suas obrigações continuarem a ser tão desagradáveis como antes.

– Bom, ele está um pouco mais lento – disse ela. – É melhor, na verdade. Agora, às vezes, preocupa-se realmente com o meu prazer.

Era um desfecho que eu não antecipara e, depois disso, não mandei mais groselhas verdes ao rei.

LOUISE

É preciso saber lidar com ele, e estou a aprender a fazê-lo. Os negócios entediam-no – o processo do governo, o alinhamento cuidadoso de interesses, a busca de consenso. É um homem de golpes temerários, de decisões súbitas. Nesse aspecto, complementamo-nos um ao outro.

Odeia problemas. Deixa para outros a procura de soluções – ou seja, para mim. Louise, porque é que mais ninguém se lembrou disso? A isto, a resposta honesta, se eu fosse suficientemente tola para a dar, seria: Porque não lhes deu oportunidade.

E depois, se o problema era realmente grande, há um presente: um colar, por exemplo, ou uma peça de prata. Contratei um intendente, Hawton, para as vender discretamente.

As minhas despesas são enormes. Pois o rei, apercebi-me entretanto, não me quer apenas como amante. Nem sou bem uma rainha. Sou antes uma espécie de princesa, como Minette era – pródiga, culta, encantadora, com os meus aposentos sempre cheios de arte e diversão e boa comida francesa. Ele encoraja-me a encomendar tapeçarias Gobelins, taças de vidro, sedas parisienses, perfumes de Grasse e vinhos de Champagne.

Os meus aposentos são a corte com a qual ele sempre sonhou. Quando está comigo, é o rei que sempre quis ser – quer isto dizer que não é Carlos de Inglaterra, mas sim Luís de França, todo-poderoso no seu reino. Já não é rei por condição e consentimento do parlamento: é Carolus Rex, absoluto e arbitrário, o imperador de Inglaterra.

Esta é a mascarada finaclass="underline" poder fingir que as coisas não são como são. Penso que explica o seu amor pelo teatro: ele próprio é uma espécie de actor e, como actores que com ele contracenam, a nossa tarefa é simplesmente manter a peça em cena. O rei não quer as suas ilusões perturbadas pela realidade inconveniente.

Contudo, é amável quando terceiros me tratam mal. Num baile, dou por mim junto de duas mulheres mais ou menos da minha idade. Uma delas é lady Sedburgh; a outra, Caroline de Vere. São inteligentes, estão à vontade com os costumes da corte mas não fascinadas por eles, falam quatro línguas, tocam, dançam e escrevem. Em suma, são precisamente o tipo de mulheres que eu poderia gostar de ter como amigas.

Quando dou um passo na direcção delas, viram-se, fingindo estar imersas em conversação. Paro e depois continuo, como se estivesse apenas de passagem.

E penso: em tempos, eu teria feito o mesmo que elas.

Carlos pergunta-me porque estou distraída. Como uma tola, digo-lhe: ele manda imediatamente chamar as duas mulheres à sua presença.

– Decidi que se juntarão ao séquito de madame Carwell – diz-lhes peremptoriamente. – De hoje em diante, estarão entre as suas damas de companhia.

Vejo o desdém nos rostos delas e penso: Não é a melhor maneira. Sorrio de forma aprovadora, mas tenho o coração apertado.

– Têm alguma objecção? – troa ele.

Docilmente, ambas abanam a cabeça.

– Aquelas com quem me deito são companhia adequada para os maiores deste país – diz ele, mal-humorado. – Podem ir.

Em resultado, claro, sou ainda mais odiada. Não ajuda nada o facto de Arlington andar a chamar-me abertamente uma cabra ingrata. Ingrata! Lady Arlington passeia-se pela corte com um colar de diamantes que, ao que dizem, vale seis mil libras. Quando o elogio, diz simplesmente: