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E assim, tudo está novamente alinhado. Estou na cama de Carlos e nas boas graças de Luís. Fiz com que Colbert parecesse ineficaz e os meus aposentos são, mais uma vez, o verdadeiro parlamento de Inglaterra.

Carlos quer dar-me um colar. Os meus espiões dizem-me que há um que Nell anda a tentar obter: está a ensinar o rei a pescar, na esperança de o conseguir. O colar custa mais de oito mil libras. Como seria bom conseguir arrancá-lo dos dedos dela!

Mas o meu jogo vai mais além.

– Meu amor? – digo.

– Hum?

Estamos deitados na cama, depois de fazer amor.

– Não quero presentes caros.

– A sério? – Ele parece surpreendido.

– Ser amada por si é toda a recompensa de que preciso. No entanto, se quer realmente mostrar a sua boa vontade…

– Sim? – diz ele, e percebo que está a preparar-se para alguma exigência escandalosa: uma pensão, talvez, ou o pagamento de uma dívida de jogo.

– Como sabe, venho de uma família nobre e antiga.

– Sim.

– A minha avó materna era marquesa. Os de Keroualle são Seigneurs de Brest há mais de setecentos anos. No entanto, creio que algumas pessoas na corte não estão conscientes da minha linhagem. Vêem apenas que sou sua amante e, como não possuo qualquer título inglês, consideram-me pouco melhor do que uma vulgar menina das laranjas.

Ele acena com ar pensativo.

– Quer um título inglês?

– Se fosse de sua vontade.

Ele reflecte sobre o pedido. É, aparentemente, um presente barato, mas Carlos sabe tão bem como eu que, normalmente, os títulos vêm com pensões ou outros rendimentos.

– Sou capaz de estar disposto a dar-lhe algo dessa natureza – diz, lentamente.

– Obrigada. – Beijo-lhe a face, a barba dura do final do dia. – Claro que, para isso, terá de me fazer também cidadã inglesa. Caso contrário, não posso ser duquesa. Ou o que quer que decida fazer de mim. Na verdade, é completamente consigo.

Penso que começo a compreender agora um pouco melhor o papel de amante. Não é apenas ouvir, mas reflectir; não é apenas estar disponível, mas agir como representante de todas as outras mulheres que não o estão – as mulheres que ele teria também, se tivesse tempo e oportunidade. Ser a mulher que todos os homens desejam mas que apenas um pode ter.

Compreendo agora por que motivo Nell Gwynne mandou colocar a sua cama num Salão de Espelhos.

Estava enganada quando disse a Carlo que não sabia nenhum truque de alcova. Os truques mais subtis não são feitos com o corpo, nem podem ser aprendidos num livro de posições.

LOUISE

Ele quer mandar pintar o meu retrato.

– Agora que a sua figura elegante regressou – diz, em tom casual. – E antes que engravide outra vez.

– A minha figura ainda não regressou. Pareço um elefante.

– Minha querida buchinha – murmura ele. – Gosto de si assim.

Pela referência à minha figura, percebo que não é apenas o meu rosto que ele deseja ver pintado.

– Quer que me pintem sem roupa?

– Porque não? – Olha para mim de lado. – Estava a pensar em Sir Peter Lely. Um cavalheiro muito discreto e um excelente pintor. Além disso, praticamente ninguém o veria.

Para prazer exclusivo do rei. Mas o prazer do rei, tenho vindo a perceber, encontra-se em parte naquilo que é apenas seu, e em parte em imaginar como os outros o verão.

– Em França, é considerado muito indecente uma mulher ser pintada sem roupa.

– Eu sei o extraordinário favor que estaria a conceder-me, Louise. Faria tudo por tudo para encontrar uma maneira extraordinária de a recompensar.

Um título?

– Imagine a vergonha, se a minha família soubesse.

Os meus protestos estão a excitá-lo. Tem algo novo para perseguir, uma nova virgindade para tirar.

– Para actrizes ou meninas das laranjas não é nada, claro – acrescento. – Mas um rei pediria tal coisa a uma rainha? Não me parece.

– A menos que a amasse muito – murmura ele.

Ambos sabemos como esta dança terminará. Não posso dar-me ao luxo de resistir por demasiado tempo. Pelo menos, enquanto ele tiver Nell Gwynne.

Por fim, concordamos numa camisa de seda, desabotoada. Não tapa nada, mas significa que não estou, tecnicamente, nua. Reclino-me num divã, exposta ao olhar de Lely enquanto ele move o pincel sobre uma tela que não consigo ver.

Se baixo os olhos, nem que seja por um momento, ele murmura:

– Olhe para mim.

É que o meu olhar tem de encontrar o dos homens que virem o quadro. É tão estranho pensar que, quando olho para Peter, para o seu ar impessoal de concentração, estou a olhar directamente para os olhos de todos os homens que olharão para mim. Podem ser dezenas, centenas, os que estarão perante este quadro, alguns até depois de eu morrer.

E cada um deles olhará para mim e pensará como eu sou desavergonhada por fazer isto para gratificação privada do rei.

Sem se aperceberem de que são eles, e não eu, que o fazem.

Carlos vem conversar. Estava com receio de que eu estivesse entediada, diz. Aproxima-se do pintor para olhar para o quadro. Peter afasta-se, tão paciente quanto o rei é impaciente. De vez em quando, envolve o seu cliente em algum detalhe de desenho ou técnica. Aqui. A isto chama-se empaste. Prefere aqui o verde ou o verde-azulado?

Há qualquer coisa neste processo que excita Carlos: os dois homens, completamente vestidos, a olharem para o meu corpo nu e a discutirem-no. Quase como se eu fosse um osso que Carlos larga da boca para deixar outro cão cheirar.

Lembro-me das palavras de Colbert. Um deboche sem en­traves.

Lely sugere frutas, do lado esquerdo, para equilibrar a composição.

– Laranjas não – recuso, em tom firme.

Ele ergue um pouco as sobrancelhas.

– As laranjas fazem-me lembrar as meninas das laranjas.

Ele sorri ao ouvir isto. Foi ele, claro, que pintou Nell.

– Já sei – diz Carlos. – Gelado! Vamos pôr gelos na pintura.

– Derreteriam antes de o Peter os conseguir pintar – digo.

– Podiam ir sendo substituídos – diz o artista. Tamborila na tela com a ponta do pincel, de ar pensativo, para mostrar ao rei onde os colocaria. – Aqui, ao lado, podiam ir sendo substituídos sem perturbar a mise en scène. Na verdade, seria interessante. As pessoas questionariam como foi feito. Um momento capturado. A ilusão de instantaneidade, no meio do tempo congelado. – É o discurso mais longo que já o ouvi fazer em cinco dias de pintura.

Outra mulher qualquer, reflicto friamente, talvez ficasse ofendida por ele estar muito mais excitado com o desafio técnico de pintar um gelado do que com o seu corpo nu.

– Boa ideia – sussurra Carlos. – Uma travessa de gelos. Tenciona pintá-los meio derretidos?

– Quando começam a derreter, senhor. O gelo a ficar macio. Como uma fruta a amadurecer na taça, captada no preciso instante antes de apodrecer. Antecipar a inevitável corrupção da carne. – Olha para mim e percebo que não é apenas o desafio técnico que lhe interessa. Há também aqui algum tipo de simbolismo.

Assim, mandam trazer gelos. Depressa. Diga-lhe que é para o rei. No estúdio de Lely. Carlo entra com a arca de gelo. Não posso mexer-me, não posso avisá-lo. Estou fixa e imóvel no meu divã, como Daphne pregada ao chão enquanto se transforma em arbusto.

– Ah, Demirco. Ponha-os ali.

Ele estacou abruptamente e está a olhar para mim.

– Vá lá, homem. Até parece que nunca viu uma mulher nua.

Ele recupera rapidamente.

– Nenhuma tão bela como esta, senhor.

– Sim. – Carlos acaricia o bigode, satisfeito. – É encantadora, não é?