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– Mas porquê?

Ela tirou-me o livro das mãos e arrumou-o novamente na prateleira.

– O Culpeper era um quinto-monárquico… quer isto dizer, um daqueles que acreditavam que o tempo dos reis estava a chegar ao fim e o tempo dos homens nascidos livres estava a começar. Foi por isso, em parte, que publicou o seu conhecimento e em inglês simples… para que as pessoas vulgares pudessem ter a informação que médicos e boticários estavam a tentar guardar para eles, com o seu latim e as suas corporações. De muito lhe serviu. E àqueles que o seguiam.

Lembrei-me das ervas que ela punha nas tartes – salva, azedas, uma deliciosa sugestão de estragão, molho de cebola e tomilho…

– Era uma delas? Uma ervanária?

Ela acenou.

– Entre outras coisas.

– Nesse caso, pode ajudar-me a criar alguns gelos?

Ela encolheu os ombros.

– Suponho que sim. Porque não?

– Óptimo. Eu pago-lhe mais…

– Não quero que me pague – interrompeu ela, baixinho. – O Culpeper deu o seu conhecimento de graça, na esperança de que as pessoas o usassem. Não me cabe a mim lucrar com ele.

E assim começou outra fase da minha educação culinária. Pois embora tenhamos começado por fazer simples sorvetes de plantas – urtigas, salva, folha de figueira, pelargónio e erva-cidreira – rapidamente se tornou evidente que as ervas eram ainda melhores quando combinadas, quer umas com as outras, quer com outros sabores, e que ao usá-las desta maneira era possível criar uma variedade quase infinita de sabores.

Na verdade, isto já não era engenharia. Era culinária, pura e simples. Pois certos sabores combinavam, e outros não, e era preciso imaginação e perícia para visualizar como seria cada combinação – se seria um casamento frutuoso ou estéril. Quem diria, por exemplo, que gelado de maçã-reineta e pétalas de rosa seria tão bom, a suculência doce das maçãs e o perfume voluptuoso das flores tornando o gelado quase ridiculamente sensual e embriagante na boca? Quem diria que aipo – o mais sensaborão e aguado dos vegetais – teria o sabor limpo e penetrante que tinha quando as suas sementes eram torradas e combinadas com flores de hibisco? Quem teria juntado groselhas negras e hortelã, ou laranjas e manjericão, ou feito um cordial de avenca e pimenta preta?

Folhas de figueira e de louro, pêssego e hissopo, nata talhada e alfazema, damasco e cardamomo – estes foram alguns dos gelados que fizemos nesse dia. Eram majestosos, fascinantes, até extraordinários – e contudo, os ingredientes eram tão simples como um jardim inglês de Verão.

Não podia pedir a Hannah que não os provasse, claro; precisava da sua experiência e do seu palato. E quando ela, por sua vez, quis pedir a opinião de uma terceira pessoa, alguém que não soubesse o que esperar, virou-se com naturalidade para Elias e deu-lhe uma colherada, e ele disse-nos o que achava.

– É maravilhoso! – exclamou de um gelado directamente inspirado em Culpeper, feito com pepinos e aipo.

– É mesmo, não é? – respondeu a mãe. E os dois dançaram uma pequena dança pela copa.

– Pensava que seria contra estas coisas – disse eu, surpreendido.

– Porquê? Não nos opomos ao prazer, apenas ao privilégio.

– No entanto, estes gelados são apenas para o rei – recordei-lhe. – Para o rei e para alguns dos seus preferidos.

– Sim – disse ela, um pouco desanimada. – Claro.

– Talvez não fosse tão contra ele se o conhecesse. É um homem encantador.

– Talvez – disse ela, em tom inexpressivo, e não dançou mais.

Mais para o fim desse mês, enquanto o rei comia um gelado de uvas-espins e erva-cidreira, disse-me com ar pensativo:

– O senhor é um homem que percebe de gelo, Demirco.

– De facto, senhor.

– O plano de Luís é esperar pelo Inverno. Afinal de contas, se conseguimos atravessar o Tamisa com carruagens, porque não conseguiria ele empurrar os seus canhões pelas terras drenadas e geladas?

Hesitei e ele disse:

– Acha que não resultará?

– A questão é a quantidade de sal – expliquei. – Tal como o Tamisa não congela por baixo da Grande Ponte, deixar entrar a água do mar faria com que esses terrenos descongelassem imediatamente. Tudo depende de até que ponto os Holandeses estão dispostos a ir para resistir à invasão.

– Guilherme de Orange declarou que todos os Holandeses preferiam morrer afogados do que verem o seu país católico.

– Nesse caso, eu certamente que não confiaria apenas no gelo para vencer esta guerra.

Algumas semanas depois, Arlington e Buckingham foram en­viados à Holanda para tentar chegar a um acordo de paz independente. Os Franceses, furiosos, acusaram os Ingleses de traição. Por fim, não se conseguiu alcançar a paz e voltámos para a guerra, com a complicação acrescida de, agora, os próprios aliados de Carlos também não confiarem nele.

– Acha que alguma vez voltaremos para França? – perguntei um dia a Louise, quando lhe levei um gelo de junquilhos e limões.

– Não sei – disse ela em tom fatigado. – Seja como for, para mim agora é diferente. Quem casaria comigo e aceitaria um bastardo real? Uma coisa é fechar os olhos a um passado escandaloso, outra bem diferente é ter esse passado a crescer em nossa casa.

– Talvez possa casar com alguém de nascimento inferior – disse-lhe –, que a ame e ame também o seu filho. Talvez possam ser felizes juntos, sem títulos nem riqueza.

Ela olhou para mim e sorriu.

– Conhece algum homem assim?

– Ouvi rumores de que existem alguns.

– É demasiado leal, Carlo – disse ela, gentilmente. – Não fiz nada para merecer essa adoração.

– Pelo contrário. Não a adoro, nem por sombras. Acho-a prática de modo exasperante; de cabeça dura, altiva, orgulhosa…

– Obrigada. Não estava a pedir um catálogo dos meus defeitos.

Encolhi os ombros.

– É melhor admirar alguém cujos defeitos conhecemos, do que um estranho.

– E o rei?

– O que tem?

– O facto de eu ser amante dele. Isso não muda os seus sentimentos?

– Porque havia de mudar? – Ocupei-me com os copos. – Sei que não o faz por amor.

Ela ficou um momento em silêncio.

– Costumava pensar que o amor era apenas uma fantasia. Mas agora percebo que é uma força quase tão forte como um exército.

– Carlos ama-a.

Ela abanou a cabeça.

– Gosta de mim e deseja-me e gosta de me ver feliz. Ama-me da mesma maneira que ama Windsor ou ténis… sou necessária para o seu bem-estar e para a sua noção do que é ser rei. E também sou útil, no sentido em que lhe dou bons conselhos. Ama a Nell Gwynne muito mais do que a mim.

– A Nell!

– Com certeza. Pelo menos, ela é a única mulher da qual ele nunca poderia desistir, apesar de saber que Luís, ou qualquer outro rei, ficaria chocado com a ideia de manter uma prostituta vulgar como amante. Portanto sim, penso que ele a ama.

– Enquanto ela, presumivelmente, pretende apenas o dinheiro dele.

– Oh, não… isso é compreendê-la mal. Pode ser uma actriz e uma meretriz, mas gosta verdadeiramente da ligação entre ambos.

– E a Louise – disse –, que não é actriz nem meretriz…

– Tenho de representar um papel e deitar-me com um homem que não amo. Sim, essa ironia também me ocorreu.

– Consegue vencê-la?

– Talvez. Mas há muito mais a fazer. Temos de encontrar uma forma de o manter nesta guerra. É preciso impedir o parlamento de o forçar a pedir pela paz. O Jaime tem de casar antes que mude de ideias. Mais dinheiro. Mais batalhas.

Voltei para o Red Lion, nesse dia, um pouco melancólico. Hannah estava na copa, a fazer a massa para as suas tartes.

– Para onde está a olhar? – perguntou.

– Para nada.

Ela mediu um frasco de farinha, partiu dois ovos lá para dentro e começou a mexer. Passado algum tempo, virou-se para mim.

– Não consigo trabalhar se continuar aí parado a olhar fixamente para mim.