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– Não estou a olhar fixamente – expliquei. – Pelo menos, não para si. A Hannah está simplesmente na direcção geral do meu olhar, mais nada.

Ela suspirou e voltou-se novamente para a massa.

– Mas, já que pergunta – acrescentei –, podíamos ir ao meu quarto, mais tarde.

A voz dela, quando respondeu, era inexpressiva.

– Esteve na corte hoje, presumo?

– Sim.

– Com madame Carwell?

– O que é que isso tem a ver com o assunto?

– Apenas que reparei que é sempre depois de estar com ela que me convida a ir ao seu quarto.

Encolhi os ombros mas, uma vez que ela não estava a olhar para mim, não viu.

– Convido-a para o meu quarto porque o acordo nos convém a ambos. Pode vir ou não, como preferir. É consigo.

Pareceu-me que ela estava a debater consigo própria se devia ou não dizer uma coisa.

– Diga-me – disse, por fim. – Quando chegou aqui, como soube o que eu era? Que eu iria consigo por dinheiro?

– Um conhecido disse-me como eram as criadas das estalagens inglesas. E depois encontrei-a com aquele homem. Ele sabia o que você era.

– Sim – admitiu ela. – Chamou-me puta. Mas isso foi uma maneira de dizer. Referia-se ao facto de eu ser uma dissidente da igreja.

– Ameaçou-a com a prisão.

– Ele era um espião. Estava a tentar coagir-me para o espiar a si.

– A mim?! – exclamei, estupefacto.

– Queria que eu descobrisse como é que faz os seus gelados. Mas eu já lhe tinha dado a minha palavra de que não contaria a ninguém, por isso não contei.

– Mas… – Eu estava perplexo. – Quando lhe disse para vir ao meu quarto, daquela primeira, vez, a Hannah veio. Aceitou o meu dinheiro.

– Sim.

– Então o Cassell tinha razão. É mesmo aquilo que ele disse que seria.

Ela olhou para a massa.

– Talvez. Mas decidi que no futuro, signor, ficaria agradecida se pedisse antes à Mary ou à Rose.

– Porquê?

Ela não disse nada durante muito tempo, enquanto trabalhava o monte de massa com os dedos. Por fim, respondeu:

– Não seria justo para o Elias, se ele descobrisse o que fazemos.

– Oh, compreendo.

– Ele admira-o muito. Podia… entender mal a nossa associação. Podia ver nela mais do que realmente é.

– Bom, nesse caso pode estar descansada, não lhe voltarei a pedir.

– Obrigada.

– Pedirei à Mary. Ou à Rose, conforme.

– Exactamente. – Pegou no rolo da massa e bateu com ele no monte de massa, com tanta força que levantou uma nuvem de farinha.

LOUISE

O parlamento vai insistir na paz assim que se reunir; é um segredo que todos sabem. Todas as noites Carlos tem reuniões com os seus ministros, para debater o que fazer. O seu objectivo é ganhar tempo: uma política que o irmão, num raro acesso de graça, descreveu como sendo indistinguível de perder tempo.

A única solução é que a sessão do parlamento seja interrompida – ou seja, suspensa pela autoridade do rei sem dissolução do mesmo. Contudo, desafiar desta maneira o mesmo parlamento ao qual deve a sua restauração pode desencadear uma rebelião armada. Os seus ministros – com um olho na sua própria popularidade junto da populaça – aconselham-lhe cautela.

Não o conhecem tão bem como eu. Os gestos imprudentes atraem-no. Prefere o rumo mais ousado, o jogo com as paradas mais elevadas. E o seu ódio pelo parlamento é muito profundo. Publicamente, tem de parecer grato por o terem restaurado no trono. Em privado, não se esquece de que o trono só estava vago porque eles assassinaram o seu pai.

Eu penso que há uma maneira. Mas primeiro tenho de ser tão ousada como ele.

*

Dou uma festa, um jantar no meu apartamento, para o rei e quarenta dos seus amigos mais chegados. Até convido alguns dos libertinos frívolos cuja influência sobre o rei é mais forte do que ele gosta de admitir.

Um festim de comida francesa, vinhos franceses, gelos franceses, pensamentos franceses expressos em francês. Excepto que o vinho corre de uma forma que não é bem francesa e a conversa rapidamente volta ao inglês e degenera – como acontece sempre neste país – do sedutor para o obsceno. Em breve os cortesãos e as damas da corte se retiram para os cantos para encontros amorosos. O deboche torna-se a ordem da noite.

Não, claro, para Carlos e para mim. Ele lança olhares para as sombras e sinto que, noutra ocasião, teria gostado de se juntar a eles, mas não pode ser visto a abandonar a minha companhia para esse fim na minha própria festa.

De madrugada, exaustos ou envergonhados, saem quase todos: todos excepto as minhas damas de companhia, a ilustre Lucy Williamson e lady Anne Berowne. O rei boceja e diz que tem de ir também. É nessa altura que sugiro uma última ronda de Perguntas e Ordens. Mas ninguém tem dinheiro.

Quando o rei pergunta o que apostaremos, respondo:

– As nossas roupas.

As raparigas não parecem muito à vontade, mas não se atrevem a protestar.

De cada vez que um de nós perde, despe qualquer coisa. Lucy é a primeira a ficar nua. No seu nervosismo, tenta cobrir-se com as mãos, com risinhos quase histéricos. O efeito – será intencional? – é chamar ainda mais a atenção para a sua nudez.

Anne não vai muito atrás. Eu sou a última a ficar despida. Carlos, claro, teve sorte. Na verdade, como banqueiro, ganhou a maior parte das roupas de Lucy e tem o saiote dela vestido por cima da camisa.

– Venham. – Empurro a cadeira para trás, pego na mão das duas raparigas e levanto-me. Elas não hesitam quando as conduzo à volta da mesa até estarmos de pé em frente dele.

– Então? – pergunto, em tom ligeiro. – Qual de nós merece a maçã?

Claro que ele conhece a história e sabe por que motivo faço alusão a ela. O Julgamento de Paris. Um concurso de beleza que levou a uma guerra.

– Uma decisão dessas não pode ser tomada de ânimo leve – diz, com um sorriso esfomeado, enquanto se levanta.

Espero, como se fossemos uma escultura viva, que ele nos examine, o que faz, lentamente, com o olhar de conhecedor a deslizar devagar sobre a nossa pele nua. Anda à nossa volta: os seus dedos roçam nas minhas costas, na curva da minha cintura, nas minhas ancas. Sinto a sua respiração na nuca. A sua mão apalpa-me a nádega, compara-a com a outra…

Um dedo grosso toca-me ali. Ao meu lado, Anne sustém a respiração e sei que ele lhe fez o mesmo.

Ele ergue a mão até ao meu seio, deixa-a ficar um instante, antes de a retirar com um suspiro.

Vira-se para Lucy, que ainda está a rir, nervosa. Do meu outro lado, Anne olha para ele com uma intensidade que me dá vontade de sorrir. Não tenho dúvidas de que ela espera que esta exibição dos seus encantos possa levar a algo mais.

– A sua pergunta, Lucy – murmura ele.

Ela não sabe o que perguntar.

– Gostais do que vedes? – diz, por fim.

– Claro.

Ela cora.

– E desejais-me?

– Claro – diz ele de novo.

– Nesse caso, ordeno que façais um brinde à minha beleza – diz ela, com um movimento coquete de cabeça.

– Com todo o prazer – concorda ele, pegando num copo. – Ma­dame, encantou-me. Espero um dia poder retribuir o elogio. – Faz o brinde, bebe e depois vira-se para Anne. – E lady Anne? Qual é a sua pergunta?

Ela também hesita – mas, no seu caso, pressinto, apenas porque está a tentar perceber como aproveitar ao máximo a situação.

– Quem desejais mais: a Lucy ou eu? – Uma pergunta inteligente, penso. Ela sabe que se tivesse incluído o meu nome ele se sentiria obrigado a escolher-me.

– Não é pergunta a que um homem galante deva responder – objecta ele.

– O jogo chama-se Perguntas e Ordens – recorda-lhe ela. – Tendes de responder.

Ele acena.

– Muito bem. Desejo-as a ambas, mas à Lucy menos do que a si. – Através das nossas mãos dadas, sinto, mais do que oiço, a exclamação de protesto de Lucy. – Qual é a sua segunda pergunta?