– Quantas amantes tivestes este ano?
Ele sorri.
– A essa pergunta não posso mesmo responder, pois nunca as conto.
– Então a minha ordem é que ainda tenhais outra – diz ela, e é impossível não perceber o que quer dizer, apesar da minha presença.
Ele acena e bebe antes de se virar para mim.
– E a Louise, o que quer perguntar-me?
– Quem é o monarca mais feliz do mundo?
Ele parece surpreendido com a pergunta, mas responde:
– Luís, claro.
– Porque é ele feliz?
Carlos ainda não percebeu onde quero chegar.
– Porque tem o poder indisputado no seu reino.
– Então esta é a minha ordem – digo. – Mande o parlamento para casa.
Ele pestaneja, embora eu não consiga dizer se está chocado com a minha ousadia ou incomodado com o assunto. Sorrio e começo a virar-me; de mãos dadas comigo, as outras duas têm de rodar também, em torno do meu eixo, até termos feito uma volta completa.
– Ordeno que faça apenas aquilo que quer fazer – digo, quando estamos de novo cara a cara.
– Porque só existe um rei ungido de Inglaterra – acrescento, na segunda volta.
– E apenas num jogo como este – concluo, quando o encaro pela terceira vez –, é que alguém neste país poderia arrogar-se a pretensão de lhe dizer o que fazer.
Sinto Lucy a tremer ao meu lado. Estava preparada para o deboche, mas a política aterroriza-a.
– Com mil raios – sussurra ele. – Assim farei. – Dá um passo na minha direcção. Ainda seguro as mãos das minhas damas de companhia. Ele fita-as com ar desesperado. – Louise…
Encolho ligeiramente os ombros. Vejo-o abrir as narinas, como se quisesse inalar o aroma da nossa pele. Põe as mãos na minha cintura.
– Senhoras, podem ir – digo, largando-lhes as mãos. – Tenham uma boa noite.
O parlamento reúne-se nesse mesmo dia e ele manda-os imediatamente embora, de volta para os seus círculos eleitorais. O parlamento está suspenso até ordens em contrário. O país sustém a respiração – mas não há nenhuma rebelião armada. A jogada compensou.
Os Franceses continuam a lutar. Chegam as primeiras geadas mas os Holandeses rompem os diques e derretem o gelo dos terrenos. Luís vai avançando pelos que não derreteram, lentamente, com os seus canhões e a sua cavalaria sobre o gelo. Do nada, aparecem regimentos holandeses que arrasam as suas fileiras – os Holandeses foram buscar os marinheiros aos navios de guerra presos pelo gelo, armaram-nos com mosquetes e calçaram-lhes patins. Depois abrem buracos no gelo, afundando os canhões sob os pés dos artilheiros franceses. Os Franceses retiram – retiram! O exército francês não batia assim em retirada desde que há memória.
O Sol foi primeiro detido e depois obrigado a recuar. Os Holandeses são aplaudidos nas ruas de Londres por aqueles que, supostamente, são seus inimigos.
Entretanto, a noiva criança de Jaime chegou, trazida de barco pelo rio para não ouvir as vaias do povo. É – de forma algo infeliz – a Noite da Pólvora, a noite em que toda a Inglaterra queima efígies de papistas para celebrar o fracasso de uma conspiração.
Este ano, além de Guido Fawkes, queimam também o papa, o rei francês e, pelo sim, pelo não, a minha própria pessoa. As barrigas das efígies são enchidas com pólvora e gatos vivos, que guincham de forma hedionda quando sentem as chamas. Uma destas efígies é queimada directamente em frente das minhas janelas, no parque real. Arlington avisa-me, com um sorriso, de que não devo sair do palácio sem um guarda armado.
– Raramente saio do palácio – informo. – Tudo o que preciso vem até mim.
– É muito afortunada, senhora. – Os seus olhos lançam facas quando me fita. Ainda acredita que fui eu que lhe roubei o cargo de chanceler.
A princesa sai do barco, dá três passos em direcção a mim e afunda-se numa reverência graciosa.
– Vossa Alteza.
Ouve-se de imediato uma vaga de risos. A pobre rapariga parece confusa. Rapidamente, retribuo a reverência.
– Não sou a rainha, Alteza. Ela não está na corte, hoje. Porém, em seu nome, tenho o prazer de lhe dar as boas vindas. Venha, deixe-me apresentar-lhe alguns dos seus novos parentes.
Carlos, saindo do barco atrás dela, vê que eu dei os passos necessários para evitar um incidente e acena com gratidão. Jaime nem sequer repara. Diz-se que ele tem andado tão dominado pela devoção que ainda não falou com a sua noiva a sós. No entanto, esta noite, vai deflorá-la. Não admira que a pobre criança pareça aterrorizada; não admira que me tenha confundido com a rainha. Com o pretexto de lhe mostrar a corte, aperto-lhe o braço de forma tranquilizadora.
Apesar disso, não posso deixar de pensar que nunca ninguém confundiu Nell Gwynne com um membro da realeza.
Quando, um mês mais tarde, a princesa Maria é finalmente apresentada à rainha, Catarina trata-a com desprezo. Parece uma forma demasiado dura de tratar uma criança.
Esta corte é um sítio selvagem, muito mais brutal do que Versalhes. Pergunto-me se terei dificuldades em adaptar-me, quando voltar. Se voltar. É cada vez mais difícil ver o que será de mim se não for bem-sucedida em Inglaterra.
Estes pensamentos sombrios surgem numa altura estranha, pois a verdade é que não fui apenas bem-sucedida aqui – estou triunfante. Finalmente, Carlos fez de mim duquesa.
Serei a baronesa de Petersfield, condessa de Farham e duquesa de Pendennis. Depois, alguns dias mais tarde, ele acrescenta o título de duquesa de Portsmouth.
– Uma cidade naval – diz Nell Gwynne em voz alta, na minha presença. – Cheia de meretrizes. E muito perto de França. Que apropriado. – Mas ninguém se ri. É evidente que ela está fora de si de inveja. Por sua parte, Luís responde com uma honra equivalente: o feudo ducal de Aubigny. A mensagem é clara: eu sou uma ilustre protegida do rei francês, tal como sou a ilustre preferida do rei inglês.
Contudo, contudo… Se é possível que um presente destes tenha uma desvantagem, é que Carlos não podia ter escolhido pior altura para o conceder. A guerra, por estar parada, não se torna menos cara. Os Franceses são cada vez mais detestados. É quase como se Carlos quisesse chamar a atenção para a minha presença na corte.
Terá sido aconselhado por alguém a seguir este caminho? Nesse caso, por quem? Terão esperança de que o povo me atribua as culpas a mim, e não a ele?
Em teoria, as damas menos importantes da corte deviam agora cumprimentar-me com uma reverência. Muitas não o fazem, ou tentam livrar-se da obrigação com algo tão superficial que mais parece um encolher de ombros. Deixá-las empinar o nariz. A minha família já pertencia à nobreza quando a Inglaterra não era mais do que um posto avançado de bárbaros celtas.
Escrevo aos meus pais para lhes dar a notícia dos títulos. Eles ainda não responderam à minha carta anterior, onde os informava da chegada do seu neto. Talvez tivesse sido melhor esperar e amortecer o golpe com esta notícia. Não importa: em breve poderei fazer algo por eles, um gesto grandioso qualquer que deixe bem claro o quanto a sorte da nossa família se alterou.
Uma noite, uma figura de casaco escuro entra no meu apartamento. Um secretário qualquer. Educado, discreto, inescrutável. Reconheço-o vagamente: um homem do parlamento, do partido de Arlington.
– Pensei que talvez quisesse ver isto – diz, estendendo-me uma carta.
É um despacho, ou a cópia de um despacho, de Colbert de Croissy para Versalhes. Assume a forma de uma diatribe contra uma certa mulher.
Confesso que a encontro em todas as ocasiões com tanta má vontade para o serviço do nosso rei, e tão antagonista contra França (quer seja por se sentir desprezada lá, ou por mero capricho) que considero francamente que ela não merece a protecção de Vossa Majestade. Porém, como o rei de Inglaterra lhe mostra ter muito amor e gosta tão visivelmente de lhe agradar, Vossa Majestade poderá decidir se será ou não melhor tratá-la de acordo com os seus méritos…