Выбрать главу

– Porque me mostra isto? – pergunto. – Sei que é um homem do Arlington.

– Era – responde ele. – Agora ando à procura de um novo protector.

Ergo as sobrancelhas.

– Eu?

– Preciso de alguém que esteja inclinado para distribuir riqueza, e não apenas para a acumular. E lorde Arlington não vai subir mais do que já subiu.

– No entanto, isto não vale muito – digo, levantando a carta. – Uma diatribe precipitada, talvez, mas sem consequência a nível político.

– Sim – concorda ele. – Mas leia a última parte.

Viro a folha de papel e continuo a ler. Demoro um instante a compreender as implicações.

Corremos o risco de ofender Arlington com a aproximação ao seu rival, Buckingham; e para quê? Não devemos imaginar que, com duzentas mil coroas, conseguiremos obrigar um corpo tão grande como o parlamento a seguir um caminho que a mera razão devia ditar…

– Buckingham abordou um intermediário na corte francesa e ofereceu-se para vender os votos do seu partido a Luís – explica ele. – A sua intenção era que Colbert não soubesse, mas, como pode ver, ele foi informado e não está nada satisfeito.

– O que diz Luís?

– Nada, por enquanto. Mas mandou para Londres um homem chamado Ruvigny, um antigo soldado, como seu negociador.

Penso furiosamente. Se este esquema for em frente, Buckingham substituirá Arlington em termos de influência. No entanto, terá igualmente traído o parlamento ao vender os votos do seu partido. Talvez seja possível, mais tarde, destrui-lo com esta revelação.

Como se estivesse a ler os meus pensamentos, o jovem educado diz:

– O Arlington será substituído pelo Buckingham. O Colbert será substituído pelo Ruvigny. A França chegará a acordo com a Holanda. Assim que houver paz, talvez os Franceses deixem de ser tão odiados em Inglaterra como são agora. Quanto ao Buckingham, quem sabe o que poderá acontecer-lhe?

Dobro a carta.

– O que sugere que eu faça, para desencadear essa feliz sequência de acontecimentos?

– Deixe bem claro a Luís que não apoia o Colbert. Sem ele, o Arlington afundar-se-á

– E o Buckingham subirá.

– O Buckingham subirá – admite ele. – Por agora.

A política inglesa é um carrossel constante de traição e contra-traição, de subornos e intrigas e ambição. Nada é fixo; tudo é possível; todos os desfechos podem ser manipulados. As possibilidades dançam em frente dos homens como fogos-fátuos. Mas este jovem parece ter um dom para ver claramente através destas quimeras de acaso e favorecimento.

– Como se chama?

– Thomas Osborne, Vossa Graça. Ao seu serviço. – Faz uma vénia.

– Obrigada, Thomas. Escreverei a Sua Majestade Cristã imediatamente. E direi a Carlos o que o Buckingham está a planear. Creio que ele ficará muito interessado em saber.

CARLO

Os gelos, como a vingança, devem ser servidos frios: mas, tal como na vingança, o excesso de frio embotará o sabor.

O Livro dos Gelos

Parecia que nada conseguiria impedir a conquista de Louise na corte. No final do ano, Arlington já fora afastado do seu cargo. Em Janeiro foi a vez de Buckingham ser impugnado, julgado pelo mesmo parlamento que ele ajudara a ser tão poderoso e cujos votos tentara vender a França. À última hora, tentou cair nas boas graças dos seus acusadores, declarando que a culpa não era sua, mas do rei e do irmão.

– Posso caçar a lebre francesa com uma matilha de cães, mas não com uma braça de lagostas – disse-lhes. Uma observação tola, pois custou-lhe o apoio das duas únicas pessoas que se erguiam agora entre ele e a Torre. Desesperado, anunciou então ter compreendido os erros dos seus actos. Baniu para um convento a sua amante, lady Shrewsbury, reconciliou-se com a esposa, abandonou os luxos e adoptou a indumentária e os hábitos de um puritano. Conseguiu salvar a vida, mas não o orgulho, e daí em diante foi um homem sem qualquer influência.

Carlos assistiu, sem nada fazer para o ajudar.

Nell Gwynne convenceu um dos seus compinchas, o velho Tom Killigrew, a aparecer na presença do rei em traje de montar, incluindo a capa e o pingalim. Quando o rei lhe perguntou onde ia com tanta pressa, o homem gritou:

– Ao Inferno, buscar Mestre Cromwell para nos governar de novo, pois ele não faria pior do que isto.

Carlos olhou para ele com expressão impassíveclass="underline" para variar, o seu bom humor abandonou-o e disse em tom seco:

– A política não é o seu forte, Nell, tal como não era o forte do seu amigo George Buckingham. Faria melhor se deixasse esses assuntos para quem os compreende.

Agora apenas Louise podia aconselhá-lo, juntamente com Osborne e o novo embaixador, Ruvigny. O rei cobria-a de prendas – não simples jóias, mas feudos, pensões, rendas e terras. Ela era a senhora do seu palácio, o seu primeiro-ministro não oficial e a rainha não reconhecida: a mulher por quem tinham de passar todos os pedidos, cujas opiniões se tornavam política de Estado; a mulher que tomava as decisões no lugar de um rei que preferia não ter de o fazer.

CARLO

Para uma celebração: sorvetes, bandeiras, bolos e outros gelos extravagantes.

O Livro dos Gelos

–Tenciono organizar um baile – disse-me ela um dia, no princípio de Abril. – Algo especial. Algo de que se falará ainda muito tempo depois de Nell Gwynne ter sido esquecida.

– O que tem em mente?

– Um festival de gelo – respondeu ela sem hesitar. – Uma feira do gelo… mas no Verão. Talvez no princípio de Junho, para celebrar o aniversário do rei. É possível?

Pensei no assunto.

– Pode ser. Se pegarmos em todo o gelo que eu recolhi para o ano inteiro e o usarmos todo de uma vez.

– Consegue congelar o Tamisa?

Sorri.

– Isso está para além até mesmo dos meus recursos. Mas podíamos colocar blocos de gelo sobre a relva, lado a lado, e selá-los com água para fazer uma espécie de lago de patinagem.

– E um edifício? Um palácio de gelo?

– Não vejo porque não. O Buontalenti fez uma vez uma gruta para os Médicis em pleno Verão. Mandou os escultores fazerem animais de gelo, e árvores entre as quais os colocar…

– Sim! Animais e árvores também – interrompeu ela. – E um jardim de gelo, ao longo das margens do rio. O Arlington negou-me uma coroação: este baile tem de estar à altura disso.

– Talvez um arco triunfante de gelo, então, sob o qual passaria com o rei…

Estava meio a brincar, mas ela assentiu.

– E mesas de gelo para comer…

– Fontes geladas…

– E fogueiras entre o gelo, e lanternas. Quanto à comida, que seja um festim de gelados, para aqueles que o rei e eu honrarmos com um convite.

– Custará uma fortuna – avisei.

– Ele gosta de gastar dinheiro – respondeu ela, simplesmente. – Fá-lo sentir-se como um rei.

Eu devia ter considerado extravagante, até mesmo ridículo, gastar o abastecimento de gelo de um ano inteiro numa única noite de prazer. No entanto, parte de mim estava encantada. A festa pretendia ser o triunfo dela; mas seria também o meu. Depois disto, o nome Demirco seria certamente tão famoso em toda a Europa como o de Buontalenti ou de Varenne.

Um espectáculo desta natureza exigia um exército e, em nome do rei, consegui reunir um. Era exactamente o tipo de ilusão efémera e fantástica de que ele gostava. Inverno em pleno Verão, custos assombrosos, um presente da sua amante preferida, um evento que seria falado por toda a Europa – tinha todos os ingredientes certos. Recebi ordens para não poupar despesas nem pormenores. Se me faltasse o gelo, devia requisitá-lo aos nobres que já tinham construído casas de gelo, ou mandá-lo vir de França. Se precisasse de mais alguma coisa, qualquer talento ou perícia especial, devia falar directamente com o rei.