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Ela é linda. Absoluta e perfeitamente bela.

Há uma claridade simples no seu rosto, uma inteligência, que me faz querer gostar dela imediatamente. É alta, esguia, de pernas compridas como um homem, mas no seu passo há uma graciosidade, uma flexibilidade, que é totalmente feminina.

Ao ver-me, ela pára também, à espera de ser apresentada. Sinto o sangue a latejar nos ouvidos.

– Olá, Annie – digo, à rapariga ao lado dela.

– Olá – responde ela. Uma breve pausa. – Posso apresentar-lhe a duquesa Mazarin? – acrescenta, um pouco amuada por ter de partilhar esta mulher que, obviamente, idolatra.

Hortense e eu trocamos reverências, ao estilo francês.

– Vejo que esteve a praticar esgrima – digo, para quebrar o gelo, mas tudo o que quero é regalar os olhos nela, na frescura natural do seu rosto.

Os olhos dela iluminam-se e, de súbito, fica ainda mais bela.

– Também pratica?

– Infelizmente, não…

– Temos estado a lutar pela minha honra – intervém lady Anne.

– Céus, isso parece perigoso.

– Estou a ensiná-la a defender-se – diz Hortense com um sorriso. – Nunca se sabe quando poderá ser preciso.

A rapariga pega numa das espadas e faz alguns passes no ar. Hortense coloca-se instantaneamente na posição de en garde, graciosa como um gato, e defende os golpes amadores de Anne com três gestos casuais da espada.

– Nunca aprendi esgrima – digo.

– Posso ensinar-lhe também, se quiser – diz Hortense, em tom franco, sem tirar os olhos da espada de Annie. – Depois podemos travar um duelo. Seria divertido, não seria?

Talvez esteja a tentar desarmar-me, mas não sinto qualquer maldade nela: sou apenas um obstáculo no seu caminho. Talvez nem sequer isso. Deve estar habituada ao facto de todos os homens que conhece se apaixonarem por ela. E as mulheres, também. As ou­tras mulheres – esposas, amantes – não são verdadeiramente rivais. Pode dar-se ao luxo de não ter de se esforçar, de não ter de lutar por aquilo que quer.

Claro que Carlos sucumbirá. Claro que dirá a si próprio que tem de possuir esta mulher extraordinária, tal como em tempos disse a si próprio que tinha de me possuir. A cura para a sua impotência é o namoro: na batalha para a possuir, descobrirá o seu vigor perdido.

Tudo o que posso fazer é ser paciente e ter esperança de que, depois, volte à minha cama, em vez de ser impotente na cama dela.

Tenho a minha estratégia. Um jogo de espera. É a abordagem correcta, tenho a certeza disso. Contudo, nestas manhãs, quando me levanto da cama e me sento em frente do espelho para começar os trabalhos necessários no meu rosto, sinto um grande cansaço, como se mal tivesse dormido. Como se o esforço de colocar os meus vestidos deslumbrantes, as minhas jóias, os meus colares de pérolas e os meus broches de safiras fosse mais do que consigo suportar.

No entanto, continuo a fazê-lo. Não me deixei vencer pela odiosa e vulgar Nell Gwynne, e não serei vencida pela encantadora e educada Hortense Mancini.

Assim, pinto o meu rosto, penteio o cabelo, delineio os olhos. Para quê? O rei raramente me procura, ultimamente. Quando a corte se muda para Newmarket, como de costume, para as corridas de Primavera, o seu mordomo nem sequer me atribui alojamento. Quando pergunto a Carlos, com um sorriso, se se esqueceu de mim, ele diz, genuinamente surpreendido:

– Pensei que preferisse ficar em Londres, querida buchinha, e governar o país por mim enquanto estou fora.

Tornei-me uma espécie de segunda esposa, tão esquecida como a rainha. Fico em Londres e governo o país. Chega-me a notícia de que, em Newmarket, Hortense Mancini acorda cedo todas as manhãs para montar os cavalos mais rápidos e perigosos.

Ninguém parece saber ao certo se ela e o rei já são amantes. Anne Sussex tem os aposentos por cima dos do rei, onde Hortense a visita; diz-se que o rei a visita também, mas ninguém sabe exactamente o que se passa lá. O embaixador acredita que a duquesa está a ter um caso com lady Anne e que o rei está a conter-se apenas por esse motivo. Outros pensam que é tudo um jogo, para incendiar o seu desejo.

Eu continuo a planear o meu baile. Talvez, nessa altura, ela já cá não esteja.

Outro poema, enfiado por baixo da minha porta.

Parece-me que a vejo, acabada de acordar

Da sua cama bordada, depois de mijar;

Com expressão estudada e muitas caretas

Colocar-se perante o espelho

Para apagar e alisar a beleza

Que desapareceu nos enlaces nocturnos.

Rochester, claro; está de volta à corte, odioso como sempre. Diz-se que, enquanto esteve banido da corte, escreveu uma peça chamada Sodoma que ultrapassa em torpeza tudo o que os próprios romanos escreveram. Há cenas que envolvem seis homens e seis mulheres, dildos, sodomia e o resto. Foi encenada uma representação privada para Carlos e um grupo seleccionado dos seus amigos libertinos. Um presente para excitar a virilidade minguante de um rei.

– A verdade – diz o embaixador –, é que estamos a entrar numa fase delicada.

Esforço-me por lhe prestar atenção. Courtin, é o seu nome. Um homem pequeno, elegante, discreto. Ruvigny, ao que parece, pediu demissão. «Um tráfico nojento», foi como ele resumiu esta corte de Inglaterra.

A visão dos Franceses a distribuírem subornos, dizem, repugnou-o ainda mais do que a visão dos Ingleses a aceitarem-nos.

– Delicada porquê?

– Sua Majestade Cristã está inclinado a procurar a paz. Como medida temporária, compreende? Uma retirada estratégica. Os seus negociadores estão a reunir-se em Nimeguen neste preciso momento.

– O que tem isso a ver com Hortense Mancini?

– O maior trunfo de Sua Majestade nas negociações ainda é a aliança com Inglaterra. Se se soubesse lá fora que Carlos a pôs de lado e introduziu na sua cama uma inimiga de França…

– Ele não me porá de lado – digo. – A minha posição está mais segura do que nunca. Em breve, toda a Europa falará do meu baile. Do meu palácio de gelo. Da minha festa de aniversário para o rei.

Ele sorri friamente. Ambos sabemos que é agora muito mais do que uma festa de aniversário.

CARLO

De todos os gelos extravagantes, o gelato luminoso, um gelo em volta de uma fonte de fogo-de-artifício, é um dos mais espectaculares.

O Livro dos Gelos

Eu já a vira cansada antes, mas em todo o seu tempo em Inglaterra, nunca a vira deprimida. Havia agora nela uma espécie de tristeza, uma resignação calma – não por estar vencida, longe disso; mas talvez por se ter apercebido de que esta seria sempre a sua sorte: uma vida inteira a lutar contra rivais mais bonitas, ou mais novas, ou mais exóticas.

– Já é certo – disse-me, um dia, no princípio de Maio. – Carlos e a Mazarin são amantes. Lady Anne foi enviada para a província, mas ele passa quase tanto tempo nos seus aposentos como antes.

– Tome, fiz-lhe um cordial – disse-lhe. – É de bagas de sabugueiro destiladas. Os boticários dizem que é revigorante.

– Obrigada. – Ela bebeu um pouco, mas percebi que mal estava a saboreá-lo.

– Pensa que ele voltará para si?

Ela encolheu os ombros.

– Começo a desconfiar de que sou agora apenas uma espécie de símbolo para ele. Não me deseja, na verdade; quer apenas que toda a gente pense que sim. Sou a amante francesa, tão necessária para ele como um alfaiate francês ou um cozinheiro francês, nada mais.

– Nesse caso, é um louco – respondi.

– Oh, também não será fiel à Mazarin. É tão incapaz de estar ao lado de uma só mulher como de cumprir um tratado.

– Então é duplamente louco.

– Eu não devia importar-me, na realidade, pois não? Agora tenho influência sem ser preciso deitar-me na sua cama para a obter. Houve uma altura em que era tudo o que desejava. Além disso, significa… – Hesitou ligeiramente. – Significa que estou também livre de outras formas.