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– O que quer dizer?

Não me respondeu directamente, mas aproximou-se da janela e olhou para o parque.

– Lembra-se do que eu respondi, daquela vez em Versalhes, quando lhe disse que não podia casar consigo e me perguntou se não podíamos amar-nos apesar disso?

– Claro. Disse-me que não era como a minha amiga Olympe.

– Sim. – Falou calmamente, mas sem tirar os olhos da janela. – Era tão orgulhosa, nesse tempo… Mas agora sou como a Olympe, não sou? Sou exactamente igual a ela. Uma amante do rei posta de lado.

Olhei para ela.

– Está a dizer…

– Agora que não tenho honra para proteger e ninguém a quem tenha de ser fiel, posso arranjar um amante. Se quiser.

– E quer? – perguntei baixinho.

Ela corou um pouco.

– Pensei que, já agora, podia ver qual o motivo de tanto espalhafato.

– Tem alguém em mente?

– Pensei em pôr um anúncio no London Register. «Meretriz da Babilónia, a mulher mais odiada do país, procura amante. Tem de saber fazer gelados.»

– Só há uma pessoa neste país capaz disso.

– Nesse caso, terei de esperar que seja ele a responder ao meu anúncio.

Não consegui falar, com o coração subitamente cheio de mais.

– Se ainda me quiser, claro está – acrescentou. – Todas as outras pessoas parecem ter decidido que eu não valho o trabalho. Compreenderei se pensar da mesma maneira.

– Oh, Louise – disse. – Louise… – Aproximei-me dela e puxei-a para os meus braços. – Tem a certeza?

Ela estava a acenar e a arquejar e a rir ao mesmo tempo, mas não se esquecera da necessidade de cautela.

– Espere – protestou. – Aqui não, alguém pode ver-nos. Mas sim, tenho a certeza. Nunca tive tanta certeza de nada. Teremos de ser discretos…

– Claro. Não sonharia em pôr em risco a sua reputação.

– Não tenho reputação, seu tolinho. Quero simplesmente evitar ser novamente alvo de mexericos.

– Quando devo procurá-la?

– Esta noite. Não haverá ninguém a ver.

– Virei – prometi. – Mas… porquê agora? O que a fez mudar de ideias?

Ela encolheu os ombros e não queria responder, mas eu pressionei-a e, por fim, disse-me.

– Os meus pais estão em Inglaterra.

– Os seus pais! Onde?

– Estão em casa de Sir Richard Browne, no Hampshire. Um velho amigo do meu pai. Combateram juntos contra os Espanhóis.

– Quando virão à corte?

– Não virão.

– Porque não? – perguntei, confuso.

– Não respondem às minhas cartas. Mas soube que eles não tencionam voltar a dirigir-me a palavra.

– O quê? Como se atrevem…

– Não, não faz mal. Eu compreendo: pensam que eu os desgracei. Têm uma visão muito antiquada do que é honroso, percebe. E nun­ca compreenderão que a culpa foi, em parte, deles. Pensavam que os duques e os lordes fariam fila para casar comigo, por causa do meu nome. Não conseguiram compreender que, sem dinheiro, o seu precioso nome não vale nada. – Estava a chorar, o que me fez perceber que não a via chorar há meses. – Bom, agora estou livre deles – disse, furiosa. – Cumpri o meu dever e vejam o que ganhei com isso. De hoje em diante, vou preocupar-me apenas comigo própria.

CARLO

Gelado de morango e pimenta branca; sorvete de amoras silvestres e nata; leite-creme de chocolate e baunilha… Independentemente de quantas combinações novas inventarmos, os melhores gelos serão sempre os mais simples.

O Livro dos Gelos

Caminhei pelos corredores escuros do palácio, com uma arca de gelo nos braços. Se alguém perguntasse, ia levar um gelo à amante abandonada do rei, para a consolar. Qualquer pessoa que se desse ao trabalho de verificar encontraria dentro da arca um gelado de morangos vermelhos e pimenta branca, aninhado numa grinalda de folhas de morangueiro.

Ninguém me deteve. Ninguém fez perguntas. O rei estava fora. Os que tinham ficado para trás não eram importantes.

Os aposentos dela, geralmente tão apinhados com cortesãos e ministros, estavam vazios.

– Mandei-os todos embora – disse, quando me viu olhar para as sombras. – Não seremos incomodados.

Tinha o cabelo solto, torcido numa espécie de corda sobre um dos ombros do déshabillé. Estava descalça e retirara as jóias do rei. Mas não era isso que a tornava tão diferente hoje. Parecia mais nova, de alguma forma, como se parte do cansaço tivesse sido retirada dos seus ombros juntamente com o peso dos rubis do rei.

– Está feliz – disse-lhe, espantado. – Acho que nunca a tinha visto feliz.

Ela aproximou-se de mim. Sem os sapatos da corte, era mais baixa do que o habitual. Pousei as mãos nos ombros dela…

– Espere – disse baixinho, beijando-me e recuando. – Quero que esta noite dure para sempre.

– Já esperámos tempo suficiente. – Peguei-lhe ao colo e levei-a em braços para o quarto.

A sua pele branca, tão branca: da cor de velas, de morangos brancos, de gelado.

Coloquei uma colherada de gelo de morango na sua barriga e levei-lha até aos lábios com a boca. Passámos a doçura de um para o outro, até se ter derretido em nada nas nossas línguas.

Ela demorou mais tempo a derreter. O gelado em breve desaparecera, mas continuei a lambê-lo da sua barriga. Da sua barriga e do prato suave e aveludado ao cimo de cada coxa, e da sua boca, fria e cremosa com beijos e gelo.

Esperara tantos anos. Podia esperar mais alguns minutos.

Até que, por fim, com um suspiro, ela puxou a minha cabeça para a sua e me beijou com uma súbita paixão desesperada, e percebi que estava preparada para sentir o prazer.

Esta era uma nova Louise. O seu desejo nessa noite – a sua avidez – quase me apanhou de surpresa. Era como se estivesse esfomeada de sensações há tanto tempo que agora tinha de se banquetear com elas sem limitações.

No entanto… no entanto…

Não lhe disse isto, mas enquanto estávamos deitados, juntos, senti a presença de uma terceira pessoa no quarto – ou talvez seja mais correcto dizer que senti a ausência dele. Quando ela virava a cabeça, assim, era porque ele a beijara ali, na face; quando olhava para mim com aqueles olhos sonolentos e sorridentes, era porque ele gostava que olhasse assim para ele. Quando arquejava, era um arquejo que ele ouvira mil vezes.

E quando o paroxismo se apoderou dela, todos os músculos tensos enquanto aguardava o momento da libertação, murmurando imprecações em francês demasiado depressa para eu compreender, foi quase como se nos tivesse deixado a ambos, levada pelo prazer para um sítio onde nenhum de nós a poderia seguir.

É bem sabido, claro, que no meio do êxtase do amor podemos sentir um momento de tristeza inesperada. Senti-a nessa noite. Conseguira aquilo que o meu coração desejava e não estava desapontado – longe disso – mas faltava alguma coisa, algo que eu não conseguia identificar ou nomear.

CARLO

Pêssegos brancos, perfeitamente maduros, com o perfume dos últimos dias de Verão. Chocolate, espesso e macio e rico com nata. Na verdade, não há combinação mais divina de gelos neste mundo.

O Livro dos Gelos

Lancei-me nos preparativos para o baile do gelo. Nada foi deixado ao acaso. Fiz uma miniatura do lago de patinagem, para me certificar de que funcionava, e um modelo à escala do palácio de gelo, no qual uma Louise e um Carlos de papel se sentavam em tronos minúsculos a receber uma fila de convidados de papel. Quanto aos gelados, fiz experiências com sabores extraordinários. Fiz um gelado que fumegava, levemente, ao acender uma pequena pilha de folhas de tabaco por baixo de um frigidarium perfurado: à medida que as folhas se consumiam, o fumo fragrante atravessava a mistura, perfumando-a. Fiz um gelo envolto numa tarte quente de merengue e outro que continha no seu centro uma bola fervilhante de molho de caramelo. Até fiz um gelado com maçãs que começavam a apodrecer: o sabor era perfeitamente decadente, rico com os sucos da mortalidade, e ao mesmo tempo doce como brandy.