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No entanto, para o rei, criei um gelo que era simultaneamente simples e extraordinário. Na verdade, a ideia fora de Wren, naquele dia no Garraway’s, quando sugerira distraidamente que eu transformasse a nova bebida da moda, o chocolate, num gelo. Quando combinei ovos, xarope e nata com cacau em pó e uma dúzia de tabletes de chocolate, fiz um gelado tão voluptuoso, tão espesso e suave que nada mais poderia ser a atracção principal.

Lembrei-me da tábua de sorvetes de pêra que fizera para Luís XIV. Como me pareciam agora primitivos! Contudo, como Luís dissera, há virtude na simplicidade. Fiz uma tábua de gelos de chocolate – primeiro um gelado de chocolate simples; depois um de chocolate perfumado com rosmaninho; outro que combinava chocolate e hortelã, depois chocolate e laranja, chocolate e framboesa, chocolate e cerejas e, finalmente, um gelo escuro e pungente basea­do no sanguinaccio de Florença, chocolate com sangue e pinhões.

De poucos em poucos dias, ia ver Louise, mostrar-lhe aquilo que fizera. E, sob o disfarce do secretismo – «Esta parte será surpresa: têm de nos deixar a sós» – as damas de companhia e os ministros de Estado e os pintores e os ociosos eram enxotados dos seus aposentos e levávamos ansiosamente os meus gelos para a cama dela.

Fiz um gelado de pêssegos brancos e almíscar – aquilo a que ela me sabia – e perfumei-o com uma ou duas gotas do perfume de água de rosas que ela usava.

Quando olhei para o meu modelo do palácio, achei que faltava alguma coisa. Fiz um boneco de neve e coloquei-o sobre um pedestal no átrio do palácio de gelo, logo atrás do rei e da sua amante. Quando os foliões entrassem no pavilhão, cristais minúsculos de neve perfumada flutuariam e cintilariam sobre as suas cabeças, enquanto o boneco de neve sorria o seu sorriso inescrutável e lhes dava as boas-vindas ao baile.

Hannah veio falar comigo.

– Venho dar o meu pré-aviso – disse, sem preâmbulos. – O meu navio parte de Bristol dentro de três semanas.

Olhei para ela, surpreendido.

– Mas… e o baile de gelo?

– Terei de o perder. E lamento muito, pois parece que será uma ocasião memorável. Mas se não apanharmos este barco perderemos a nossa passagem para a América.

Reparei no plural.

– O Elias também vai?

– Sim. Ficará muito triste de o deixar. Gostou do tempo que passou a trabalhar para si.

– Isto é muito inconveniente – queixei-me, irritado. – Estamos mais ocupados do que nunca. O próprio rei conta connosco…

– Lamento muito – interrompeu ela em tom paciente. – Mas há anos que andamos a planear isto. Nunca me perguntou durante quanto tempo trabalharíamos para si. Se o tivesse feito, já saberia.

– Então, se tem mesmo de ir, deixe ficar o rapaz – ouvi-me dizer.

– Deixar o Elias! Como poderia fazer uma coisa dessas?

– Eu era mais novo do que ele quando deixei os meus pais. Eles deixaram-me ir porque… – Fiz uma pausa. – Porque sabiam que eu teria um futuro melhor. Que me tornaria um homem da corte. Tal como o Elias. Ensinar-lhe-ei os meus segredos, Hannah, tal como o meu mestre me ensinou. Ele será um homem rico. Um favorito de reis e imperadores. Depois deste baile, a nossa fama chegará ainda mais longe, estou certo disso. Levá-lo-ei a Paris, a Nápoles, a Espanha…

– Mas não é esse o futuro que eu escolho para ele – disse Hannah.

– Porque não? Que mais poderia desejar?

– Que mais poderia desejar? – repetiu ela, com um sorriso triste. – Um reino sem reis. Uma Igreja sem igrejas. Um país onde não haverá vínculos: nem de propriedade, nem de privilégio, nem de nascimento. Um sítio onde nenhum homem nascerá com estribos nas costas, para ser montado por outros homens. Onde cada homem poderá escolher a sua forma de veneração; sim, e cada mulher também, e as únicas leis a que deveremos obediência serão as que estão escritas no nosso coração.

Suspirei.

– Nesse caso, o seu novo país será uma matilha de animais. Sem leis nem líderes, simplesmente lutarão uns com os outros.

– Se precisarmos de líderes, seremos nós a escolhê-los. Se precisarmos de leis, nós próprios as faremos. – Hesitou. – Talvez devesse vir também.

– Para a América?

– Porque não? Há muito gelo no Inverno e dizem que os Verões são quentes. As condições perfeitas para um vendedor de gelos, parece-me. – Encolheu os ombros. – Gelados e tartes. Quase que combinam, não é? Talvez pudéssemos montar um negócio juntos, nós os dois.

Olhei para ela.

– Os meus gelados são comprados por reis e cardeais. Nenhum dos quais, segundo sei, existe na América.

– Claro – disse ela calmamente. – Perdoe-me. Foi uma sugestão estúpida.

Deu a volta à copa e arrumou as suas coisas em silêncio durante algum tempo. Depois, ao dirigir-se à porta, disse:

– Esta é a minha última oportunidade de dizer isto, portanto vou dizê-lo. Aquilo que tem agora, com a Louise de Keroualle… é escravidão, não é amor.

Rigidamente, respondi:

– Não é da sua conta.

– Mas é – disse ela, com alguma tristeza. – Oh, é sim.

– Porquê?

Mas ela não me respondeu directamente.

– Parece-me que há dois tipos de amor – disse. – O amor que nos acontece e o amor que convidamos. O amor que nos acontece sem convite é uma coisa física, como uma doença, e, como uma doença, deixa-nos fracos. É um amor que tem de doer, porque se baseia na necessidade de possuir alguém e não em afecto ou respeito. Mas o amor que convidamos… aquele que duas pessoas escolhem ter juntas… esse cresce, todos os dias, de origens modestas. É como um fogo que pode ser mantido apenas com a temperatura suficiente para cozinhar e aquecer a casa, mas que não tem permissão para grassar enquanto não consumir toda a cidade, como o grande incêndio de Londres. Mas não podemos fazê-lo sozinhos. São precisas duas pessoas.

Irritado, perguntei-lhe:

– Que conversa louca é essa sobre fogos e cozinhados? Vá para a América, mulher, com o seu bastardo. Vá e o Diabo que a carregue. Acabará como meretriz lá, tal como foi uma meretriz aqui em Inglaterra.

Lentamente, ela disse:

– Perguntou-me um dia porque fui ao seu quarto, daquela primeira vez. Não lhe disse a verdadeira razão. Fi-lo porque gostava de si. E pensei que talvez conseguisse aliviar a sua melancolia. Mas acabei por compreender que nenhuma mulher conseguirá fazê-lo.

– Uma consegue – retorqui, secamente. – Na verdade, já conseguiu.

– Então não é o amor que o entristece, pois não está menos melancólico do que antes – respondeu ela baixinho. – Devem ser os seus segredos. Enquanto não decidir abandoná-los, acho que nunca será livre.

Olhou para mim durante um momento e depois, sem mais uma palavra, deu meia-volta e saiu.

No dia seguinte partiu para Bristol, sem sequer se despedir.

LOUISE

O rei, de volta de Newmarket, visita-me solicitamente. Mas apenas à tarde. À noite, está noutros lados.

Uma tarde assistimos ao concerto dado por uns músicos visitantes. Estes convidam o rei a escolher uma canção.

– Perguntem à buchinha – diz. – Ela conhece estas baladas francesas melhor do que eu.

– Cantem aquela que começa por «Deixem-me morrer de dor, mas não de ciúme» – peço. Ele sorri, percebendo a piada.

Mais tarde, os músicos dedilham as suas guitarras.

– Dançamos? – pergunta ele.