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– Não conseguiria dançar esta música, senhor – respondo. – É demasiado mexida e frenética para dançar.

Ele vira-se para trás.

– Alguém quer dançar?

– Eu – responde uma voz, e Hortense Mancini avança para o espaço entre os músicos e as nossas cadeiras. Sem qualquer embaraço, adopta uma pose: uma perna dobrada, os braços erguidos acima da cabeça.

Recordo-me da sua posição en garde: flexível, equilibrada, à espera.

Depois a música começa – rápida e estonteante. Ela rodopia e bate os pés e estala os dedos – há uma parte de mim que quer dizer: Oh, veja, Carlos, ela dança como uma cigana napolitana. Mas as palavras ficam-me presas na garganta. A dança é cruamente sensual, pagã. Mas Hortense não dança apenas para o rei: é também para mim que vira o olhar penetrante, os olhos brilhantes. Mal consigo respirar. Olho de soslaio para o rei. Está a olhar fixamente para ela.

Quando acaba e faz uma vénia despreocupada para a corte que a aplaude, somos nós, e não ela, que estamos ofegantes.

CARLO

Gelado de chocolate: este não é um gelo fácil de fazer, mas o resultado compensa o esforço. Misture meia chávena de chocolate em pó e meia chávena de açúcar. Junte leite frio suficiente para formar uma pasta, depois duas chávenas de leite quente. Ferva em lume muito brando, mexendo sempre, durante oito minutos. Depois tire do lume e misture cento e setenta gramas de chocolate em tablete, partido em bocadinhos muito pequenos. Numa tigela à parte, bata seis gemas de ovo com meia chávena de açúcar até formar um creme esbranquiçado. Junte a mistura de chocolate, mexendo vigorosamente. Aqueça, mas sem deixar ferver; junte meia chávena de xarope de açúcar; arrefeça num banho de água fria e, finalmente, acrescente duas chávenas de natas espessas antes de congelar.

O Livro dos Gelos

O rei pedira um gelo, o primeiro em muitos meses. Fiz um gelo de chocolate e passas e levei-o aos seus aposentos.

– Ele está no laboratório – disse-me o lacaio. – Pode entrar.

Encontrei o laboratório cheio de um fumo malcheiroso e o rei a tossir.

– Ah, signor Demirco – disse, em tom animado. – Nunca misture enxofre e magnésia.

– Com certeza, senhor.

Junto da janela, estava um grande prisma de vidro. Fora colocado de forma a captar a luz do sol, espalhando-a num arco-íris de cores. Não pude deixar de perguntar a mim próprio como seria alcançado aquele efeito, pois o vidro parecia ser simples e não tinha nada lá dentro.

Quando me viu a olhar, o rei acenou.

– Pode pegar-lhe.

Assim fiz, e espreitei para dentro do prisma, mas as cores desapareceram instantaneamente. Só quando o voltei a colocar ao sol é que o arco-íris reapareceu.

– Foi um dos meus virtuosi que o fez – disse ele. – Mostra de que é feita a luz.

– Mas com certeza que a luz vem de Deus?

– É o que nos ensinam. Mas este homem atreveu-se a olhar para dentro da luz de Deus e descobriu que, como qualquer outra substância, tem a sua composição e as suas quantidades. E assim, mais uma ilusão infantil é desfeita pelo cepticismo frio da ciência. – Ficou um momento em silêncio. – Como estão a correr os preparativos para o baile da duquesa de Portsmouth? Ela tem tudo aquilo de que precisa?

– Sim, obrigado, senhor.

– Gosto muito da duquesa, signor.

– Claro – respondi, sem saber bem o que dizer.

– Significa isto que não quero que ela tenha falta de nada que seja necessário para sua diversão. – Virou-se de novo para a bancada. – Ou para o seu conforto.

Acenei, incapaz de falar, pois compreendi sobre o que estávamos realmente a falar.

– Não tenho podido estar tanto com Sua Graça, ultimamente, como desejaria. A pressão dos negócios…

Olhou para o gelado de chocolate em cima da mesa. Um dos seus cães saltou para o banco, inclinou a cabeça para o lado e enfiou a língua na taça. Poucas lambidelas depois, o gelado desaparecera.

– Não sou, por natureza, um homem ciumento – disse ele, baixinho. – Certifique-se de que também não o é, signor, e não teremos problemas. – Tocou no prisma de vidro, rodando-o e fazendo o arco-íris girar pela sala. – Às vezes, não é bom analisar demasiado a natureza das coisas. Às vezes, pode haver demasiada luz.

Percorri as ruas de Londres imerso em pensamentos. Caminhei durante várias horas, até estar escuro.

Depois virei na direcção de Whitehall.

Fui aos aposentos de Louise. No entanto, apesar de ser já muito tarde, o meu caminho foi bloqueado por dois lacaios que não me eram familiares.

– Não pode entrar – disse um deles.

– Diga-lhe que é…

– Ninguém pode entrar. Nem mesmo nós.

Recuei.

– Sou o confeiteiro dela. – Percebi como era débil esta desculpa. Nesse momento, a porta abriu-se e o embaixador francês saiu. Lançou-me um olhar matreiro e afastou-se.

Esperei. Poucos minutos depois, saiu Thomas Osborne – ou lorde Danby, como devíamos chamar-lhe desde que fora nomeado lorde Tesoureiro. Também ele me lançou um olhar rápido antes de se afastar.

Presumindo que a reunião, fosse lá qual fosse, terminara, avancei mais uma vez na direcção da porta – apenas para descobrir que o caminho continuava barrado.

– Sua Majestade não deseja ser incomodado.

– Sua Majestade! – Olhei para a porta, tentando imaginar o que se estava a passar do outro lado. – Esperarei até ele sair.

O lacaio encolheu os ombros, como se quisesse dizer que lhe era indiferente.

*

Sentei-me num banco junto de uma janela próxima e esperei. O dia estava a nascer quando a porta se abriu finalmente e uma figura familiar saiu.

Não me mexi, mas a luz da janela devia estar a iluminar-me o rosto, porque ele se aproximou. Lá em baixo, no Parque de St. James, um pequeno grupo de veados movia-se silenciosamente entre a neblina matinal.

– Mais um belo dia, signor – disse ele, olhando para fora. De­pois afastou-se, os passos largos a ecoarem pelo corredor, os lacaios a marcharem nos seus calcanhares.

Os aposentos dela tinham crescido tanto que demorava uma eternidade só para chegar ao seu quarto. Todas as superfícies estavam cobertas de quadros e tapeçarias; todos os cantos continham um armário francês trabalhado ou uma jarra preciosa. As velas ardiam em grandes candelabros de vidro por cima da minha cabeça, candelabros que estremeciam e tilintavam suavemente quando eu passava por baixo deles.

Ela estava também de pé junto de uma janela, envolta apenas numa camisa de lã comprida, com o cabelo caído sobre um ombro, a olhar para a neblina que se confundia com a superfície do lago.

Quando entrei, virou-se. Não parecia particularmente surpreendida por eu ali estar.

– Vim avisá-la – disse. – Dizer-lhe que o rei sabe sobre nós. Parece que cheguei tarde de mais.

Ela assentiu.

– O que se passa? – perguntei.

– A noite passada, nestes aposentos, ele assinou um novo tratado com França.

– Um tratado secreto, presumo?

– Sim. Substitui o Tratado de Dover. Em troca de uma nova pensão de Luís, Carlos suspenderá o parlamento e comprometerá Inglaterra em mais uma guerra com os Holandeses.

– Outra! Mas o sangue derramado na última ainda mal secou!

– Vai receber quatro milhões de coroas de ouro. O suficiente para pagar por todas as amantes que alguma vez pudesse desejar. O suficiente para reconstruir o Castelo de Windsor. O suficiente para viver como um rei.

Como um rei?

Ela encolheu os ombros.

– Daqui em diante, França tomará todas as decisões que tenham a ver com a política externa de Inglaterra. Aquilo que Carlos faz em casa, claro, não tem qualquer importância.

– E a sua conversão? A conversão do país? Todas as esperanças que Madame tinha para a alma dele?