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– Madame era pragmática nestes assuntos. No meu tratado, Carlos promete apenas nunca abandonar a rainha. O seu herdeiro será, assim, o seu irmão Jaime, que já é católico. A Inglaterra tornar-se-á católica depois de Carlos morrer.

– Mas as suas esperanças de vir a ser rainha…

– Eram também impraticáveis – interrompeu ela. – Já devia ter aceitado isso há mais tempo. Já tenho trabalho suficiente sendo apenas aquilo que sou.

– E o que é? – inquiri, embora inutilmente, pois os lençóis revoltados já me tinham respondido.

– Ele voltou para mim – disse ela, simplesmente. – Sou novamente a amante do rei.

– E… é assim? – perguntei, desesperado. – Ele entra e reivindica-a e eu sou posto de lado?

Ela lançou-me então um olhar de súbita pena – não por eu me sentir assim, mas por eu não ter compreendido.

E, com uma claridade repentina, compreendi.

– Isto não é coincidência, pois não? – perguntei, lentamente.

Ela não respondeu.

– O rei tinha-se fartado de si. Precisava de uma forma de reacender o interesse dele. Um jogo. – Ocorreu-me outro pensamento. – Há orifícios de vigilância? – Olhei para os painéis pintados por cima da cama, os espelhos artificiosamente colocados nos cantos do quarto. – Disse-lhe quando podia vir assistir? Quando eu estaria aqui? Onde se colocar, para melhor revigorar a vara do velho Rowley?

– Não lhe disse nada – respondeu ela, em tom fatigado. – Nis­so, pelo menos, está enganado.

– Mas permitiu que outros o fizessem.

– Não tenho culpa que o palácio esteja cheio de espiões. Carlo, devia estar satisfeito com este desfecho. Longe de se mostrar ciumento, o rei deixou bem claro que tem a bênção dele. Nem todos os homens seriam tão compreensivos. É um sinal do quanto eu sou agora importante para ele.

– Será a mulher mais detestada de Inglaterra, se houver outra guerra.

– Não estou aqui para ser popular. Além do mais, os meus filhos receberão títulos. O pequeno Carlos será educado como protestante. Será um dia barão Settrington, conde de March e duque de Richmond. – Revirou os títulos ingleses na língua, saboreando cada palavra. – Uma boa recompensa por um pouco de troça, não lhe parece?

– Diga-me uma coisa – pedi. – Quando nos deitámos juntos… naquela cama… – Nem conseguia olhar para ela. – Alguma coisa foi real, ou foi apenas para excitar o rei?

– Oh, foi real. Tem de acreditar. Senti mais prazer do que algu­ma vez sentira.

– E? – pressionei. – Certamente que isso significa alguma coisa para si?

Ela encolheu os ombros.

– Prazer é prazer – disse, apenas. – Não significa nada. Não muda nada. É agradável, sim, mas comparado com as coisas importantes… planear e alcançar e fazer toda a Europa marchar ao som de um só tambor… em comparação com mudar o mundo, não é nada.

– Então não me ama.

– Não como me ama a mim, não. E sabe uma coisa? Ainda bem. Odiaria ter o meu discernimento afectado por uma paixão dessas. É como o ténis… quando jogamos por amor, jogamos por nada. Portanto o amor, no fim, não significa nada.

Pousou a mão no meu ombro.

– É melhor assim. Verá, Carlo. Venha para a cama. Devíamos celebrar.

Deixei-a nesse momento.

Virei-me e saí dos aposentos dela, vendo que as salas exteriores já estavam a encher-se de peticionários ansiosos por obter a melhor posição na sua ruelle. Saí daquele palácio decrépito e enorme, passando por libertinos ainda bêbados da noite anterior e por grandes damas que se apressavam a regressar a casa, com os seus vestidos de baile. Passei por cortesãs que saíam em bicos de pés dos aposentos de ministros e por lacaios ensonados que retiravam os cotos das velas dos candelabros de prata. À medida que a grande colmeia de cinismo e deboche acordava para mais um dia, deixei-a sem olhar para trás uma única vez.

Atravessei o Parque de St. James. Um dos veados levantou a cabeça para olhar para mim: um macho, com a cabeça coberta de chifres, a guardar as suas fêmeas.

As cozinhas no Red Lion estavam silenciosas, agora que Hannah partira. Não havia o cheiro a tartes a pairar na sala de jantar, nem o aroma de ervas frescas a macerar no fogão.

Ela deixara o seu local de trabalho muito arrumado. Os bens perecíveis tinham sido dados a vizinhas ou amigas, as panelas e instrumentos vendidos no mercado por dinheiro vivo.

Sobre a mesa estava um livro. Peguei-lhe, pensando porque o teria deixado ficar para trás.

Culpeper. O Herbário Completo. Abri a capa. Na primeira página, em branco, ela escrevera:

Signor,

Este livro está livremente acessível no lugar para onde vou. Portanto pode ficar com ele; eu comprarei outro. Mas, por favor, mantenha-o em segurança e não deixe que eles o queimem.

Da sua amiga, Hannah Crowe

Folheei-o.

Meloas… Pepinos… Bardana…

As urtigas são tão bem conhecidas que não precisam de descrição; podem ser encontradas, pelo tacto, até na noite mais escura.

Camomila… Hortelã… Agrião…

Mereceria um livro de plantas realmente ser queimado?

Estaria Carlos certo, quando me falara sobre o prisma? Haverá realmente conhecimento perigoso, ou secreto?

Peguei na minha carroça e dirigi-me a Barn Elms. Os construtores, com luvas para se protegerem do frio, estavam a trabalhar, içando para os seus lugares os grandes blocos de gelo esculpido e moldado que formariam a fachada do pavilhão. Ao seu lado, o lago de patinagem já estava terminado, coberto com palha para se manter fresco.

Vagueei pelo local, inspeccionando os trabalhos. Mesmo agora, os raios de sol estavam a humedecer a superfície dos blocos de gelo. Quando estivesse concluído, o palácio de gelo duraria uns dias, duas semanas no máximo.

Seria um triunfo – claro que sim. Tudo o que ela fazia era um triunfo. As pessoas falariam desta extravagância durante anos. Quanto aos sabores dos meus gelados, o que se diria sobre eles? Nada – pois como poderia alguém falar sobre algo que tão poucos tinham experimentado e que ninguém conseguia imaginar?

Desapareceriam, como flocos de neve no Verão. Como o bone­co de neve de Miguel Ângelo, levado pela chuva.

Dois aprendizes estavam a brincar entre uma pilha de sobras de lascas de gelo. Enquanto atiravam um ao outro punhados de gelo, as lascas espalhavam-se e captavam o sol sobre as suas cabeças, um arco-íris cintilante e colorido. As crianças gritaram e deram vivas, antes de o capataz os pôr na ordem com um grunhido.

Carreguei a carroça com gelo e ferramentas. Para leste, estendia-se a estrada de regresso a Londres – a nova Estrada do Rei, ainda inacabada, mas que beneficiaria certamente em breve de algumas dessas livres francesas. Para oeste, estendia-se a grande estrada que levava à costa mais distante de Inglaterra: os portos de Plymouth, Bristol e Torquay.

Segui para oeste, na direcção do sol poente.

CARLO

Poucos prazeres, na verdade, podem ser feitos de forma tão pouco dispendiosa como um gelo.

O Livro dos Gelos

A seguir a Slough encontrei uma pequena feira de cavalos. Não era nada de especial, o que a tornava precisamente mais especiaclass="underline" crianças em póneis mostravam a sua habilidade com pequenos obstáculos; havia malabaristas e vendedores de rendas, uma competição pela maior abóbora e outra pela vaca com o leite mais rápido. Nas bancas do mercado vendiam-se uvas-espins, groselhas negras, damascos e nozes.

Fiz um gelado de groselha negra e servi-o com as natas doces e ricas do leite.

Em Maidenhead fiz um gelo de creme de limão e hortelã, e vendi-o no dia do mercado por meio dinheiro o copo.

Em Newbury comprei uvas-espins e fiz uma mousse de gelado.

Em Hungerford quase causei um motim com um gelado de avelãs. Tinha preparado dez litros mas a procura foi tal que muitas pessoas tiveram de partilhar a sua dose. Vi raparigas e rapazes do campo a lamberem a mesma colher e, quando parti, havia danças em volta dos mastros enfeitados.