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Em Castle Combe passei as noites a escrever as minhas receitas e a explicar como tornar o gelo mais frio com sal.

Na feira de Marlborough fiz uma demonstração – as pessoas acharam que era um truque e não paravam de perguntar umas às outras como é que eu estava a enganá-las. Tive de dar o gelado de graça para que acreditassem em mim.

Em Bath, estacionei a carroça em frente da Assembleia. Fiz um gelo de nectarinas e outro de pistácios e vi os lordes e damas elegantes darem saltinhos de alegria como gente do campo.

Quando cheguei a Bristol, já gastara todo o meu gelo, excepto um último meio litro. Pu-lo no quarto e, enquanto escrevia o meu livro de gelos, vi-o transformar-se em água – límpida e fresca e pura.

Bebi-a com algumas gotas de sumo de limão e um raminho de cerefólio.

Bristol é uma cidade grande – a maior de Inglaterra, a seguir a Londres. Diz-se que é possível obter aqui bom gelo, para uso da aristocracia. No entanto, por agora, tive a minha conta de gelos.

Encontrei um tal senhor Gregory, um vendedor de livros, que concordou em imprimir o livro. Parece um pouco surpreendido por eu não querer dinheiro. Tenho os meus instrumentos e a minha arte: é o suficiente, para mim.

Pergunto-me se encontrarei Hannah na América. Parece pouco provável – mesmo segundo o mapa inacabado que comprei, é evidentemente um país muito grande. Porém, de alguma forma, não parece impossível. De alguma forma, nada parece impossível, num país tão novo e fresco que ainda nem sequer foi devidamente cartografado.

Um sítio onde nenhum homem nasce com estribos nas costas, para ser montado por outros homens.

Um mapa do mundo novo e exacto.

Mesmo que não a encontre, encontrarei amor. Disso, estou certo. Sentirei o espírito da graça de Deus dentro de mim, tal como ela descreveu.

E enquanto estou aqui sentado nesta estalagem, a escrever, à espera do meu barco que só chega dentro de duas semanas, bebo um gole de água e sinto, algures nas profundezas do meu peito, um estilhaço de algo duro e frio, algo que lá está desde que me lembro, que começa finalmente a derreter.

LOUISE

Claro que me odeiam. Como poderiam não me odiar?

É certo que sou agora a mulher mais odiada de Inglaterra. Agora que os rapazes ingleses estão novamente a morrer com as balas dos mosquetes holandeses no peito, a afogarem-se com os canhões holandeses a ecoarem-lhes nos ouvidos. Agora que Hortense Mancini, cansada das atenções e também das hesitações de Carlos, partiu para a Europa com o príncipe do Mónaco, levando consigo todos os presentes do rei.

Consta que Thomas Osborne, lorde Danby, partilha os meus afectos com o rei. Não é verdade – ele tem uma esposa de mau génio e pareceu-me um bom passo político deixá-lo encantado – mas muitas pessoas acreditam nisso, incluindo o rei.

Danby e eu temos algo muito mais interessante em comum. Dividimos entre nós a venda dos cargos de Estado menores. Ninguém está muito interessado em saber se é este ou aquele fidalgo que é nomeado xerife do Hampshire ou Guardador dos Patos Reais, portanto decidimos de acordo com os emolumentos que nos são oferecidos. Quem pode colocar objecções a isso? Todos os membros do parlamento recebem subornos. Se algum deles causar problemas, peço simplesmente à embaixada francesa que me fa­culte os recibos.

Contudo, a ironia é que toda esta corrupção acabou por se revelar um desperdício do ouro de França. As guerras contra a Holanda, que quase a levaram à bancarrota, não foram vencidas – e os poucos territórios que França conseguiu conquistar pertenciam à Espanha, não aos Holandeses. Foram os Ingleses que acabaram por conseguir o maior prémio: Nova Amesterdão, agora chamada Nova Iorque.

Foi também a guerra holandesa que alertou os Ingleses para as extraordinárias capacidades do sobrinho de Carlos, Guilherme de Orange. Se ele consegue defender a Holanda contra os Franceses, pensam as pessoas, não poderia fazer o mesmo pela Inglaterra? Assim, Danby arranjou um casamento secreto entre Guilherme e Anne, a filha mais velha do duque de Iorque, um noivado do qual estou a par há muito tempo mas que – pelas minhas próprias razões – não levei à atenção dos meus mestres em França.

Estou a dar uma no cravo e outra na ferradura, compreendem.

Porém, nem mesmo essa aliança trouxe paz. Buckingham e Arlington podem estar acabados, mas lorde Shaftesbury ainda continua a maquinar no lugar deles. Os seus Whigs estão a fomentar conspirações fantásticas: já perdi a conta aos livros, baladas, sátiras e panfletos que me foram colocados debaixo da porta, as gravuras pornográficas que afirmam mostrar a Meretriz da Bretanha a divertir-se com o seu regimento de amantes papistas.

Nell Gwynne gosta de contar a história de como foi atacada por uma multidão enquanto ia pelas ruas na sua carruagem. Ao perceber, pelos gritos, que as pessoas tinham confundido a carruagem dela com a minha, debruçou-se na janela e gritou:

– Não, boa gente… eu sou a puta protestante! – Ao que o povo lhe deu três vivas e a escoltou até casa.

Se tivesse sido eu, como ela observa presumidamente, ao fim desse dia podia ter havido menos um católico em Inglaterra.

Contudo, se me odeiam, façam a vós próprios esta pergunta: que outra coisa poderia eu ter feito?

Podia ter casado com um nobre menor e produzido uma série de herdeiros. Podia ter ido para um convento e chegar – suponho – a Madre Superiora. Podia ter sido a companhia de alguma grande dama, ajudando-a com a sua costura e as contas do lar.

Podia ter casado com um fazedor de gelados a quem não amava, e vivido uma vida burguesa confortável à sombra de uma corte, rodeada pelos nossos filhos.

Assim, existem rainhas que não possuem tanta influência como eu, e ministros que não têm o meu alcance. Aconteça o que acontecer neste pequeno estranho e bárbaro país – sejam quais forem as alianças que estalem e se desfaçam sob os meus pés – continuarei a avançar e a prosperar.

NOTA HISTÓRICA

É uma heresia, segundo o credo de um verdadeiro amante, alguma vez forjar uma infidelidade. Mas quando a mera natureza é o motivo, é possível um homem pensar de forma mais justa do que a opinião comum, e argumentar que uma rival não tira nada senão o coração, e deixa tudo o resto.

George Savile, marquês de Halifax, sobre Carlos II

Na altura da morte de Carlos II, em 1685, Louise de Keroualle tinha trinta e quatro anos de idade. Voltou para França como uma mulher rica, retirando-se para o seu feudo ducal de Aubigny, onde viveu uma vida discreta até à morte, aos oitenta e cinco anos de idade. Voltaire conheceu-a quando ela tinha setenta e descreveu-a como tendo «um rosto ainda nobre e agradável, que os anos não destruíram». Nunca casou, dedicando-se em vez disso a obras de caridade e ao jogo de apostas elevadas.

A «bonita e espirituosa Nell», como Pepys lhe chamava, morreu em 1687, aos trinta e sete anos de idade. Na altura da sua morte tinha acumulado dívidas consideráveis.

O trono de Carlos foi herdado pelo seu irmão, Jaime, mas o parlamento inglês revoltou-se, argumentando que ele abdicara em virtude da sua escolha de religião. O exército recusou-se a dar-lhe o seu apoio e ele não teve outra opção senão fugir do país. O parlamento convidou então o protestante Guilherme de Orange para ser seu governante. Foi a primeira vez na Europa em que um corpo eleito nomeou efectivamente o seu próprio rei, um golpe quase sem sangue que se tornou conhecido como A Revolução Gloriosa. Um dos primeiros actos do novo parlamento foi aprovar uma lei que proibia o monarca inglês de ser católico ou de casar com uma católica – uma lei que consta ainda hoje dos códigos.