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Mais adiante o facundo Topsius deteve-me ainda, apontando-me outra vivenda de campo, escura e severa entre ciprestes; e disse-me baixo que era de Osânias, um rico saduceu de Jerusalém, da família pontifical de Boetos, e membro do Sanedrim. Nenhum ornato pagão lhe profanava os muros. Quadrada, fechada, hirta, ela reproduzia a austeridade da lei. Mas os largos celeiros, cobertos de colmo, os lagares, os vinhedos, diziam as riquezas feitas de duros tributos; no pátio dez escravos não bastavam a guardar os sacos de trigo, odres, carneiros marcados de vermelho, recolhidos em pagamento do dízimo nesse dia de Páscoa. Junto à estrada, com uma piedade ostentosa, caiada de fresco, reluzia, ao sol, entre roseiras, a sepultura doméstica.

Assim caminhando chegamos aos palmares onde se aninha Betfagé. E por um atalho virente que Topsius conhecia, começamos a subir o Monte das Oliveiras, até o lagar da Moabita — que é uma paragem de caravanas nessa infinita, vetusta via real que vem do Egito, seguindo até Damasco, a bem regada.

E foi como um deslumbramento, ao encontrarmos sobre todo o monte, por entre os olivedos da encosta até ao Cédron, por entre os pomares do vale até Siloé, em meio dos túmulos novos dos sacrificadores, e mesmo para os lados onde se empoeira a estrada de Hébron, o despertar rumoroso de todo um povo acampado! Tendas negras do deserto, feitas de peles de carneiro e rodeadas de pedras; barracas de lona, da gente da Iduméia, alvejando ao sol entre as verduras; cabanas armadas com ramos, onde se abrigam os pastores de Ascalon; toldos de tapetes que os peregrinos de Neftali suspendem em varas de cedro; era toda a Judéia, às portas de Jerusalém, a celebrar a Páscoa sagrada! E havia ainda, em volta ao casal onde velava um posto de legionários, os mercadores gregos da Decápola, tecelões fenícios de Tiberíade, e a gente pagã que, através de Samaria, vem dos lados de Cesaréia e do mar.

Fomos marchando, lentos e cautelosos. A sombra das oliveiras os camelos descarregados ruminavam placidamente; e as éguas da Pérea, com as patas entravadas, pendiam a cabeça sob a espessura das longas crinas. Junto às tendas, cujos panos meio levantados nos deixavam entrever brilhos de armas penduradas, ou o esmalte de um grande prato, raparigas, com os braços reluzindo de braceletes, pisavam entre duas pedras o grão do centeio; outras mungiam as cabras; por toda a parte se acendiam fogos claros; e com os filhos pela mão, o cântaro esguio ao ombro, uma fila de mulheres descia cantando para a fonte de Siloé.

As patas dos nossos cavalos prendiam-se nas cordas retesadas das barracas dos idumeus. Depois estávamos diante de tapetes alastrados, onde um mercador de Cesaréia, com um manto a cartaginesa, vistoso e bordado de flores, expunha peças de linho do Egito, estendia sedas de Cós, fazia reluzir armas marchetadas; ou com um frasco na palma de cada mão, celebrava as perfeições do nardo da Assíria e dos óleos doces da Pártia... Os homens em redor, arredando-se, demoravam em nós os seus olhos lânguidos e altivos; por vezes murmuravam uma injúria surda; ou por causa dos óculos do douto Topsius, um riso de escárnio mostrava dentes agudos de fera, entre rudes barbas negras.

Sobre as árvores, encostados aos muros, filas de mendigos ganiam, mostrando o caco com que rapavam as chagas. Diante de uma cabana feita de ramos de loureiro, um velho obeso, rubro como um sileno, apregoava o vinho fresco de Siquém, as favas novas de abril. Os homens fuscos do deserto apinhavam-se em torno dos gigos de fruta. Um pastor de Áscalon, em andas, no meio de um rebanho de cordeiros brancos, tocava buzina, chamando os devotos a comprar o anho puro da Páscoa. E por entre a multidão onde constantemente se erguiam paus, em lixas bruscas, soldados romanos rondavam aos pares, com um ramo de oliveira no capacete, benignos e paternais.

Assim chegamos junto de dous altos, frondosos cedros, tão cobertos de pombas brancas voando, que eram como duas grandes macieiras, na primavera, que um vento estivesse destoucando das flores. Subitamente, Topsius parara, abria os braços; eu também; e com o coração suspenso ali ficamos imóveis, deslumbrados, vendo lá embaixo, na luz, resplandecer Jerusalém.

O sol banhava-a, suntuosamente! Uma severa altiva muralha, guarnecida de torres novas, com portas onde as cantarias se entremeavam de lavores de ouro, erguia-se sobre a ribanceira escarpada do Cédron, já seco pelos calores de Nizam, e ia correndo, cingindo Sião, para o lado de Hínon e até aos cerros de Garebe. E, dentro, em face aos cedros que nos assombreavam, o templo, sobre os seus alicerces eternos, parecia dominar toda a Judéia, soberbo em esplendor, murado de granitos polidos, armado de bastiões de mármore, como a refulgente cidadela de um deus!...

Debruçado sobre as crinas, o sapiente Topsius apontava-me o adro primordial, chamado o Pátio dos Gentílicos, vasto bastante para receber todas as multidões de Israel, todas as da terra pagã; o chão liso rebrilhava como a água límpida de uma piscina; e as colunas de mármore de Paros que o ladeavam, formando os pórticos de Salomão, profundos e cheios de frescura, eram mais bastas que os troncos nos cerrados palmares de Jericó. Em meio desta área, cheia de ar e de luz, elevava-se, em escadarias lustrosas como se fossem de alabastro, com portas chapeadas de prata, arcarias, torreões de onde voavam pombas, um nobre terraço só acessível aos fiéis da lei, ao povo eleito de Deus, o orgulhoso Adro de Israel. Daí erguia-se ainda, com outras claras escadarias, outro branco terraço, o Átrio dos Sacerdotes; no brilho difuso que o enchia, negrejava um enorme altar de pedras brutas, enristando a cada ângulo um sombrio como de bronze; aos lados dous longos fumos direitos, subiam devagar, mergulhavam no azul com a serenidade de uma prece perenal. E, ao fundo, mais alto, ofuscante, com os seus recamos de ouro sobre a alvura dos mármores, níveo e fulvo, como feito de ouro puro e neve pura, refulgia maravilhosamente, lançando o seu clarão aos montes em redor, o Híeron, o santuário dos santuários, a morada de Jeová; sobre a porta pendia o véu místico, tecido em Babilônia, cor do fogo e cor dos mares; pelas paredes trepava a folhagem de uma vinha de esmeralda, com cachos de outras pedrarias; da cúpula irradiavam longas lanças de ouro, que o aureolavam de raios como um sol; e assim, resplandecente, triunfante, augusto, precioso, ele elevava-se para aquele céu de festa pascal, ofertando-se todo, como o dom mais belo, o dom mais raro da terra!

Mas ao lado do templo, mais alto que ele, dominando-o com a severidade de um amo orgulhoso, Topsius mostrou-me a Torre Antônia, negra, maciça, impenetrável, cidadela de forças romanas... Na plataforma, entre as ameias, movia-se gente armada; sobre um bastião, uma figura forte, envolta num manto vermelho de centurião, estendia o braço; e toques lentos de buzina pareciam falar, dar ordens, para outras torres que ao longe se azulavam no ar límpido, algemando a Cidade Santa. César pareceu-me mais forte que Jeová!

E mostrou-me ainda, para além da Antônia, o velho burgo de Davi. Era um tropel de casas cerradas, caiadas de fresco sobre o azul, descendo como um rebanho de cabras brancas para um vale ainda em sombra, onde uma praça monumental se abria entre arcarias; depois trepava, fendido em ruas tortuosas, a espalhar-se sobre a colina fronteira de Acra, rica, com palácios, e cisternas redondas que luziam à luz semelhantes a broquéis de aço. Mais longe ainda, para além de velhos muros derrocadas, era o bairro novo de Bezeta, em construção; o circo de Herodes arredondava aí as suas arcarias; e os jardins de Antipas estiravam-se por um último outeiro, até junto ao túmulo de Helena, assoalhados, frescos, regados pelas águas doces de Enrogel.