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— Ah Topsius, que cidade! — murmurei maravilhado.

— Rabi Eliézer diz que não viu jamais cidade bela, quem não viu Jerusalém!

Mas ao nosso lado passava gente alegre, correndo para os lados da verde estrada que sobe de Betânia; e um velho que puxava à pressa a arreata do seu burro, carregado de molhos de palmas, gritou-nos que se avistara e vinha chegando a caravana da Galiléia! Então, curiosos, trotamos até um cômoro, junto a uma sebe de cactos, onde já se apinhavam mulheres com os filhos ao colo, sacudindo véus claros, soltando palavras de bênção e de boa acolhida; e logo vimos, numa poeirada lenta que o sol dourava, a densa fila dos peregrinos que são os derradeiros a chegar a Jerusalém, vindos de longe, da alta Galiléia, desde Gescala e dos montes. Um rumor de cânticos enchia a estrada festiva; em torno a um estandarte verde agitavam-se palmas e ramos floridos de amendoeira; e os grandes fardos, carregando o dorso dos camelos, balanceavam em cadência por entre os turbantes brancos cerrados e movendo-se em marcha.

Seis cavaleiros da guarda babilônica de Antipas Herodes, tetrarca de Galiléia, escoltavam a caravana desde Tiberíade; traziam mitras de felpo, as longas barbas separadas em tranças, as pernas ligadas em tiras de couro amarelo; e caracolavam à frente, fazendo estalar numa das mãos açoites de corda, com a outra atirando ao ar e aparando alfanjes que faiscavam. Logo atrás era uma colegiada de levitas, em coro, a passos largos, apoiados a bordões enfeitados de flores, com os rolos da lei apertados sobre o peito, salmodiando rijo os louvores de Sião. E em tomo moços robustos, com as faces infladas e rubras, sopravam para o céu furiosamente em trompas recurvas de bronze.

Mas, dentre a gente apertada à beira da estrada, rompeu uma aclamação. Era um velho, sem turbante, de cabelos soltos, recuando e dançando freneticamente; das mãos cabeludas que ele agitava no ar saía um repique de castanholas; ora arremessava uma perna, ora outra; e toda a sua face barbuda de rei Davi ardia com um fulgor inspirado. Atrás dele, raparigas, pulando compassadamente sobre a ponta ligeira das sandálias, feriam com dolência harpas leves; outras, rodando sobre si, batiam do alto os tamborins — e as suas manilhas de prata brilhavam no pó que os seus pés levantavam, sob a roda das túnicas enfunadas... Então, arrebatada, a turba entoou o velho canto das jornadas rituais e os salmos de peregrinação.

Meus passos vão todos para ti, ó Jerusalém! Tu és perfeita! Quem te ama conhece a abundância!

E eu bradava também, transportado:

— Tu és o palácio do Senhor, ó Jerusalém, e o repouso do meu coração!

Lenta e rumorosa a caravana passava. As mulheres dos levitas, em burros, veladas e rebuçadas, semelhavam grandes sacos moles; as mais pobres, a pé, traziam nas pontas dobradas do manto frutas e o grão da aveia. Os previdentes, já com a sua oferenda ao Senhor, arrastavam preso do cinto um cordeiro branco; os mais fortes seguravam às costas, presos pelos braços, os doentes, cujos olhos dilatados, nas faces maceradas, procuravam ansiosamente as muralhas da Cidade Santa, onde todo o mal se cura.

Entre os peregrinos e a alegre multidão que os acolhia, as bênçãos cruzavam-se, ruidosas e ardentes; alguns perguntavam pelos vizinhos, pelas searas ou pelos avós que tinham ficado na aldeia à sombra da sua vinha; e ouvindo que lhe fora roubada a pedra do seu moinho, um velho, ao meu lado, com as barbas de um Abraão, arremessou-se a terra a arrepelar-se e a esfarrapar a túnica. Mas já, fechando a marcha, passavam as mulas com guizos carregadas de lenha e de odres de azeite; e atrás uma turba de fanáticos que nos arredores, em Betfagé e em Refraim, se tinham juntado à caravana, apareceu, atirando para os lados cabaças de vinho já vazias, brandindo facas, pedindo a morte dos samaritanos e ameaçando a gente pagã...

Então seguindo Topsius, trotei de novo através do monte, para junto dos cedros cobertos do vôo alvo das pombas; e nesse instante também os peregrinos, emergindo da estrada, avistavam enfim Jerusalém, que resplandecia lá embaixo formosa, toda branca na luz... Então foi um santo, tumultuoso, inflamado delírio! Prostrada, a turba batia as faces na terra dura; um clamor de orações subia ao céu puro, por entre o estridor das tubas; as mulheres erguiam os filhos nos braços, ofertando-os arrebatadamente ao Senhor! Alguns permaneciam imóveis, como assombrados, ante os esplendores de Sião; e quentes lágrimas de fé, de amor piedoso, rolavam sobre barbas incultas e feras. Os velhos mostravam com o dedo os terraços do templo, as ruas antigas, os sacros lugares da história de Israeclass="underline" «ali é a porta de Efraim, acolá era a torre das Fornalhas; aquelas pedras brancas, além, são do túmulo de Raquel...» E os que escutavam em redor, apinhados, batiam as mãos, gritavam «Bendita sejas, Sião!» Outros, estonteados, com o cinto desapertado, corriam tropeçando nas cordas das tendas, nos gigos de fruta, a trocar a moeda romana, a comprar o anho da oferta. Por vezes, dentre as árvores, um canto subia, claro, fino, cândido, e que ficava tremendo no ar; a terra um momento parecia escutar, como o céu; serenamente, Sião rebrilhava; do templo os dous fumos lentos ascendiam, com uma continuidade de prece eterna... Depois o canto morria; de novo as bênçãos rompiam, clamorosas; a alma inteira de Judá abismava-se no resplendor do santuário; e braços magros erguiam-se freneticamente para estreitar Jeová.

De repente Topsius colheu-me as rédeas da égua; e quase ao meu lado um homem, com uma túnica cor de açafrão, surgindo esgazeado detrás de uma oliveira e brandindo uma espada, saltou para cima de uma pedra e gritou desesperadamente:

— Homens de Galiléia, acudi, e vós, homens de Neftali!

Peregrinos correram, erguendo os bastões; e as mulheres saiam das tendas, pálidas, apertando os filhos ao colo. O homem fazia tremer a espada no ar; todo ele tremia também; e outra vez bradou, desoladamente:

— Homens de Galiléia, Rabi Jeschoua foi preso! Rabi Jeschoua foi levado a casa de Hanão, homens de Neftali!

— D. Raposo — disse Topsius então, com os olhos faiscantes — o Homem foi preso, e compareceu já diante do Sanedrim!... Depressa, depressa, amigo, a Jerusalém, à casa de Gamaliel!

E à hora em que no templo se fazia a oferta do perfume, quando o sol já ia alto sobre o Hébron, Topsius e eu penetramos, pela porta do Pescado, a passo, numa rua da antiga Jerusalém. Era íngreme, tortuosa, poeirenta, com casas baixas e pobres de tijolo; sobre as portas, fechadas por uma correia, sobre as janelas esguias como fendas gradeadas, havia verduras e palmas entretecidas, fazendo ornatos de páscoa. Nos terraços, rodeados de balaustradas, mulheres diligentes sacudiam os tapetes, joeiravam o trigo; outras, chalrando, penduravam lâmpadas de barro em festões para as iluminações rituais.

Ao nosso lado ia marchando fatigado um harpista egípcio, com uma pluma escarlate presa na peruca frisada, um pano branco envolvendo-lhe a cinta fina, os braços pesados de braceletes, e a harpa às costas, recurva como uma foice e lavrada em flores de lótus. Topsius perguntou-lhe se ele vinha de Alexandria. E ainda se cantavam, nas tabernas do Eunotos, as cantigas da batalha de Ácio? O homem, logo mostrando num riso triste os dentes longos, pousou a harpa, ia ferir os bordões... Picamos as éguas; e assustamos duas mulheres cobertas de véus amarelos, com casais de pombas enroladas na ponta do manto, que se apressavam decerto para o templo, airosas, ligeiras, fazendo retinir os guizos das suas sandálias.

Aqui e além um lume caseiro ardia no meio da rua, com trempes, caçarolas, de onde saía um cheiro acre de alho; crianças de ventre enorme que rolavam nuas pela poeira, roendo vorazmente cascas de abóbora crua, ficavam pasmadas para nós, com grandes olhos ramelosos onde fervilhavam moscas. Diante de uma forja, um bando hirsuto de pastores de Moabe esperavam, enquanto dentro, martelando num nimbo de chispas, os ferreiros lhes batiam ferros novos para as lanças. Um negro, com um pente em forma de sol toucando-lhe a carapinha, apregoava, num grito lúgubre, bolos de centeio de feitios obscenos.