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Os revestimentos de alabastro eram tão lustrosos, que Topsius mirava neles, como num espelho, as pregas nobres da sua capa; todos os frutos da Ásia e as flores dos vergéis se entrelaçavam, em copiosos lavores de prata, nas portas das câmaras rituais onde se perfuma o óleo, se consagra a lenha, se purifica a lepra; entre as colunas pendiam em festões, fios grossos de pérolas e de contas de ônix, mais numerosos que no peito de uma noiva; e nos mealheiros de bronze, semelhantes a trombetas de guerra colossais, pousadas nas lajes, enrolavam-se, cintilando e reclamando as dádivas, inscrições em relevo de ouro, graciosas como versos de cânticos — Queimai incensos e nardos; Ofertai pombas e rolas...

Mas o santo adro resplandecia de mulheres; e meus olhos bem depressa deixaram metais e mármores, para cativadamente se prenderem àquelas filhas de Jerusalém, cheias de graça e morenas como as tendas do Cedar! Todas traziam no templo o rosto descoberto; ou apenas um fofo véu, de uma musselina leve como ar, à moda romana, enrodilhado finamente no turbante, punha em torno das faces uma alvura de espuma, onde os olhos negros tomavam um quebranto mais úmido, enlanguescidos pelas densas pestanas, alongados pela tintura de cipro. A abundância bárbara dos ouros, das pedrarias, envolvi-as numa radiância trêmula, desde os peitos fortes até aos cabelos mais crespos que a lã das cabras de Galaade. As sandálias, ornadas de guizos e de correntes, arrastavam sobre as lajes uma melodia argentina, tanta era a graça concertada dos seus movimentos ondulados e graves; e os tecidos bordados, os algodões de Galácia, os finos linhos de cores que as cingiam, ensopados nas essências ardentes de âmbar, de malobatro e de bácaris, enchiam o ar de fragrância e de moleza a alma dos homens. As mais ricas caminhavam solenemente entre escravas vestidas de panos amarelos, que lhes traziam o pára-sol de penas de pavão, os rolos devotos em que está escrita a lei, sacos de tâmaras doces, espelhos ligeiros de prata. As mais pobres, com uma simples camisa de algodão de riscadinho multicor, e sem mais jóias que um rude talismã de coral, corriam, chalravam, mostrando nus os braços e o colo cor de medronho mal maduro... E sobre todas o meu desejo zumbia — como uma abelha que hesita entre flores de igual doçura!

— Ai Topsius, Topsius! — rosnava eu. — Que mulheres! Que mulheres! Eu estouro, esclarecido amigo! O sábio afirmava, com desdém, que elas não tinham mais intelectualidade que os pavões dos jardins de Antipas; e que nenhuma decerto ali lera Aristóteles ou Sófocles!... Eu encolhia os ombros. Oh esplendor dos céus! Por qual destas mulheres, que não lera Sófocles não daria eu, se fosse César, uma cidade de Itália e toda a Ibéria. Umas entonteciam-me pela sua graça dolente e macerada de virgens de devoção, vivendo na penumbra constante dos quartos de cedro, com o corpo saturado de perfumes, a alma esmagada de orações. Outras deslumbravam-me pela suntuosidade sólida e suculenta da sua beleza. Que largos, escuros olhos de ídolos! Que claros, macios membros de mármore! Que sombria moleza! Que nudezes magníficas, quando à beira do leito baixo se lhes desenrolassem os cabelos pesados, e fossem docemente escorregando os véus e os linhos de Galácia!...

Foi necessário que Topsius me arrastasse pelo albornoz, para a escadaria de Nicanor. E ainda estacava a cada degrau, alongando para trás os olhos esbraseados, resfolgando como um touro em maio nas lezírias.

— Ai, filhinhas de Sião! Que sois de vos deixar aqui os miolos!

Ao voltar-me, puxado pelo douto historiador, bati no focinho de um cordeiro branco que um velho conduzia às costas, amarrado pelas patas e enfeitado de rosas. Em frente corria uma longa balaustrada de cedro lavrado — onde uma cancela toda de prata, aberta e lassa nos seus gonzos, se movia em silêncio, faiscando.

— É aqui — disse o erudito Topsius — que se dão a beber as águas amargas às mulheres adúlteras... E agora, D. Raposo, aí tem Israel adorando o seu Deus.

Era enfim o adro sacerdotal! E eu estremeci diante daquele santuário, entre todos monstruoso e deslumbrante. Ao meio do vasto e claro terrado erguia-se, feito de enormes pedras negras, o altar dos holocaustos; aos seus cantos enristavam-se quatro cornos de bronze; de um pendiam grinaldas de lírios; de outros fios de corais; o outro pingava sangue. Da imensa grelha do altar subia uma fumaça avermelhada e lenta; e em redor apinhavam-se os sacrificadores, descalços, todos de branco — com forquilhas de bronze nas mãos pálidas, espetos de prata, facas passadas nos cintos cor de céu... No afanoso, severo rumor do cerimonial sacrossanto, confundia-se o balar de cordeiros, o som argentino de pratos, o crepitar das lenhas, as pancadas surdas de malho, o cantar lento da água em bacias de mármore, e o estridor das buzinas. Apesar dos aromáticos que ardiam em caçoulas, das longas ventarolas de folhas de palmeira com que os serventes agitavam o ar, eu pus o lenço na face, enjoado com esse cheiro mole de carne crua, de sangue, de gordura frita e de açafrão, que o Senhor reclamou a Moisés, como o dom melhor a receber da Terra...

Ao fundo, bois enfeitados de flores, vitelas brancas com os cornos dourados, sacudiam, mugindo e marrando, as cordas que os prendiam a fortes argolas de bronze; mais longe, sobre mesas de mármore, entre pedaços de gelo, pousavam, vermelhas e sangrentas, grossas peças de carne, sobre que os levitas balançavam leques de penas, para afugentar os moscardos. De colunas rematadas por faiscantes globos de cristal, pendiam cordeiros mortos, que os netenins, resguardados por aventais de couro cobertos de textos sagrados, esfolavam com cutelos de prata; enquanto os vitimários de saião azul, retesando os braços, conduziam baldes de onde transbordavam e iam arrastando entranhas. Coroados por uma mitra redonda de metal, escravos idumeus constantemente limpavam as lajes com esponjas; alguns vergavam sob molhos de lenha; outros, agachados, sopravam fogareiros de pedra.

A cada momento algum velho sacrificador, descalço, marchava para o altar, trazendo ao colo um anho tenro que não balava, contente e quente entre os dous braços nus; um tocador de lira precedia-o; levitas atrás transportavam os jarros de óleos aromáticos. Em frente à ara, rodeado de acólitos, o sacrificador lançava sobre o cordeiro um punhado de sal; depois, salmodiando, cortava-lhe uma pouca de lã entre os cornos. As buzinas ressoavam; um grito de animal ferido perdia-se no tumulto sacro; por cima das tiaras brancas, duas mãos vermelhas erguiam-se ao ar, sacudindo sangue; da grelha do altar ressaltava, avivada pelos óleos e pela gordura, uma chama de alegria e de oferta: e o fumo avermelhado e lento ascendia serenamente ao azul, levando nos seus rolos o cheiro que deleita o Eterno.

— É um talho! — murmurei eu, aturdido. — É um talho! Topsius, doutor, vamos outra vez lá baixo às mulherinhas...

O sábio olhou para o sol. Depois gravemente, pousando-me no ombro a mão amiga:

— É quase a nona hora, D. Raposo!... E temos de ir fora da Porta Judiciária, para além do Garebe, a um sítio agreste que se chama o Calvário.

Empalideci. E pareceu-me que nenhuma vantagem espiritual obteria minha alma, nenhuma inesperada aquisição enriqueceria o saber de Topsius — por irmos contemplar no alto de um morro, entre urzes, Jesus atado a um madeiro e sofrendo; era apenas um tormento para a nossa sensibilidade. Mas, submisso, segui o meu sapiente amigo pela escadaria das águas, que leva ao largo lajeado de basalto onde começam as primeiras casas de Acra. Vizinhas do santuário, habitadas por sacerdotes, elas ostentavam uma profusa devoção pascal, em palmas, lâmpadas, alcatifas penduradas dos eirados; e algumas tinham os umbrais salpicados com sangue fresco de um anho.

Antes de penetrar numa sórdida, andrajosa rua que se ia torcendo sob velhos toldos de esparto, voltei-me para o templo; agora só via a imensa muralha de granito, com bastiões no alto, sombria e inderrubável; e a arrogância da sua força e da sua eternidade encheu de cólera o meu coração. Enquanto sobre uma colina de morte, destinada aos escravos, o homem de Galiléia incomparável amigo dos homens, arrefecia na sua cruz, e para sempre se apagava aquela pura voz de amor e de espiritualidade — ali ficava o templo que o matava, rutilante e triunfal, com o balar dos seus gados, o estridor dos seus sofismas, a usura sob os pórticos, o sangue sob as aras, a iniqüidade do seu duro orgulho, a importunidade do seu perene incenso... Então, com os dentes cerrados, mostrei o punho a Jeová e à sua cidadela, e bradei: