Выбрать главу

Mas quando os nossos desejos se saciaram, enquanto estávamos estendidos lado a lado, enlanguescidos e extenuados, tive medo de que Gino, depois de me ter possuído, já não quisesse casar. Comecei então a falar da casa para onde iríamos morar quando nos casássemos. A casa da patroa de Gino tinha-me impressionado profundamente.

Agora parecia-me que só se poderia ser feliz no meio de coisas bonitas e asseadas. Reconheci que nós nunca estaríamos em estado de possuir não somente uma casa como esta, mas até uma sala como as desta casa. No entanto, para vencer esta dificuldade, expliquei-lhe que uma casa mesmo pobre podia parecer rica se brilhasse como um espelho. Porque além do luxo, e talvez ainda mais do que o luxo, o deslumbrante asseio desta moradia provocava no meu espírito um formigueiro de reflexões. Procurei convencer Gino de que o asseio podia fazer parecer bonitos mesmo os objectos feios. Na realidade, desesperada pela idéia que eu tinha agora da minha pobreza e consciente de que o meu casamento com Gino seria o único meio de poder livrar-me dela, queria sobretudo convencer-me a mim própria.

— Mesmo dois quartos, se estiverem verdadeiramente limpos, com o chão passado todos os dias, os móveis limpos do pó, a louça lavada e tudo arrumado: os pratos, os esfregões e os fatos e os sapatos no seu lugar, também podem ser bem bonitos! O que é preciso é limpar e lavar tudo muito bem todos os dias… Não me deves julgar pela casa onde moramos, eu e minha mãe; minha mãe é desordenada e depois não tem tempo de a arrumar, coitada, mas a nossa cozinha será um espelho, prometo-te!

— Isso! Isso! — disse Gino. — O asseio acima de tudo! Sabes o que faz a senhora quando descobre um grão de poeira num canto? Chama a criada de quarto, obriga-a a ajoelhar-se e a tirar a poeira com as mãos como se faz aos cães quando fazem porcarias… E tem razão!

— Pois eu — declarei — tenho a certeza de que a minha casa há-de estar ainda mais limpa e mais arrumada que esta… verás!

— Mas tu continuarás a ser modelo — disse-me num tom travesso. — Não poderás tomar conta da casa!

— Modelo? — respondi vivamente. — Já não serei mais modelo… Ficarei todo o dia em casa… Terei sempre a casa arrumada e muito limpa e cozinharei para ti… a minha mãe diz que isso é ser tua criada, mas, quando se ama alguém, mesmo ser criada dá prazer!

Durante muito tempo fizemos projectos de futuro. E eu pouco a pouco sentia o medo desvanecer-se para dar lugar à minha habitual confiança amorosa e ingénua. Como poderia duvidar?

Gino não só aprovava os meus projectos, mas discutia-os pormenorizadamente, amparando-os e aperfeiçoando-os. Como já devo ter dito, ele agora era relativamente sincero: o mentiroso acabava por acreditar nas suas próprias mentiras.

Depois de tagarelarmos pelo menos duas horas, dormitei docemente, e creio bem que Gino também adormeceu. Fomos acordados por um raio de luar que entrava pelo respiradouro térreo iluminando os nossos corpos estendidos sobre a cama.

Gino disse que devia ser muito tarde; com efeito o despertador pousado sobre a mesa de cabeceira marcava meia-noite e alguns minutos.

— Meu Deus! Como me irá receber minha mãe! — disse eu saltando da cama e começando a vestir-me à luz da Lua.

— Porquê?

— É a primeira vez que entro em casa tão tarde. A noite nunca saio sozinha.

— Diz-lhe que fomos dar uma volta de automóvel, que tivemos uma avaria e que fomos forçados a parar no campo.

— Ela não acredita.

Saímos apressadamente da moradia, e Gino levou-me a casa. Eu sabia que minha mãe não acreditaria na história da panne, mas nunca supus que a sua intuição fosse ao ponto de adivinhar com exactidão o que se passara entre mim e Gino. Tinha as chaves da porta da rua e de casa. Entrei; subi os dois andares no escuro, galgando a dois e dois os degraus, e abri a porta.

Esperava que minha mãe estivesse deitada, e ver a casa toda às escuras confirmou a minha esperança. Sem acender a luz, nos bicos dos pés, dirigia-me para o quarto quando me senti agarrada pelos cabelos com uma violência terrível. Sempre às escuras, minha mãe, porque era ela, atirou-me para cima do divã, e começou, sempre em silêncio, a esbofetear-me.

Procurava defender-me com os braços, mas parecia que ela me via, porque arranjava maneira de me passar por baixo dos braços e de apanhar-me em cheio a cara. Acabou por se cansar e sentou-se ao meu lado, no divã, arfando com força. Depois levantou-se, acendeu a luz do centro e veio pôr-se na minha frente com as mãos nas ancas, olhando-me fixamente. O seu olhar enchia-me de vergonha e embaraçava-me; procurei ajeitar a saia e recompor a desordem em que esta espécie de luta me tinha deixado. Ela disse-me num tom normaclass="underline"

— Está a parecer-me que tu e o Gino passaram a noite juntos!

Desejei dizer-lhe que sim, que era verdade; mas temi que me tornasse a bater, e o que mais me assustava era que agora, com a luz acesa, acertar-me-ia em cheio. Não queria aparecer com um olho negro, principalmente a Gino.

— Não — respondi. — Não dormimos juntos; tivemos uma avaria na estrada que nos atrasou.

— Mas eu digo-te que estiveste na cama com ele!

— Não… não é verdade!

— Sim… é verdade! Olha para o espelho ; estás verde.

— É possível que esteja fatigada… mas nada houve entre nós!

— Houve, sim!

— Não, não, não houve!

O que me espantava e ao mesmo tempo me inquietava vagamente era a calma que ela mostrava neste momento: nada mais que uma forte curiosidade, o que me fazia pensar que ela não estava totalmente desinteressada do caso. Por outras palavras, o que ela queria saber era se eu me tinha entregue a Gino, não para me castigar ou me repreender, mas porque o desejava conhecer com precisão por uma razão que só ela sabia.

Somente era tarde de mais, e embora eu soubesse que já não me bateria mais, continuei sempre a negar. Então, bruscamente, fez menção de me agarrar o braço, e eu levantei a mão para me proteger, mas ela disse :

— Não te toco, não tenhas medo! Vem comigo! Não percebia bem aonde ela me queria levar; mas obedeci amedrontada. Sem me largar, obrigou-me a sair do apartamento, a descer a escada e a ir com ela para a rua. Estavam desertas as ruas a esta hora.

Logo em seguida percebi que minha mãe corria para a luz vermelha da farmácia de serviço ou do posto de socorros. A entrada da porta experimentei pela última vez resistir, fincando os pés, mas ela empurrou-me e eu entrei, ou, por outra, fui projectada para o interior; por um pouco não. Caí de joelhos!

Na farmácia estava só o farmacéutico e um médico ainda novo.

Minha mãe disse ao médico:

— É minha filha! Quero que a examine!

O médico mandou-me entrar para uma divisão das traseiras onde estava a marquesa dos serviços de urgência e perguntou a minha mãe:

— Diga-me o que ela tem… Devo examiná-la porquê?

— Acaba de ser desonrada pelo noivo e diz que não, esta porca! Quero que a examine — gritava a minha mãe — e que me diga a verdade!

O médico estava divertido e mordiscava o bigode, sorrindo:

— Mas não é um diagnóstico que me pede, é uma informação.

— Chame-lhe como quiser — respondeu minha mãe, berrando sempre —, mas quero que a examine! É ou não médico? Tem ou não a obrigação de examinar as pessoas quando elas lhe pedem?

— Calma! Calma! Como te chamas? — perguntou o médico.