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— Adriana — respondi.

Estava envergonhada, mas não muito. As cenas da minha mãe e a minha docilidade eram bem conhecidas em todo o bairro.

— Mas mesmo que isso tenha acontecido — insistia o médico, que parecia perceber o meu embaraço e tentava evitar o exame—, que mal pode haver? Eles casam-se e pronto… tudo acabará bem.

— Meta-se na sua vida!

— Calma! Calma! — repetia, divertido, o médico. Depois, dirigindo-se a mim, disse-me:

— Vamos! Visto que tua mãe acha que isto é indispensável… despe-te, não demora muito tempo, depois deixo-te em paz.

Enchi-me de coragem e disse:

— Muito bem! É verdade! Fui desonrada! Mas vamos para casa, mãe!

— Não, minha filha, não! — disse ela com ar autoritário. — Tens de te deixar examinar!

Resignada, despi a saia e deitei-me na marquesa. O médico examinou-me e disse a minha mãe:

— Tinha razão… Já não está virgem… E agora, está contente?

— Quanto lhe devo? — perguntou minha mãe, puxando do porta-moedas.

Entretanto, eu tinha descido da marquesa e vestira-me. O médico recusou o dinheiro e perguntou-me:

— Gostas do teu noivo?

— Com certeza — respondi.

— Quando se casam?

— Ele nunca se casará com ela! — gritou minha mãe. Mas eu cortei tranquilamente:

— Logo que tenhamos os papéis arranjados.

Devia ser possível ler-se nos meus olhos uma grande confiança, tão ingénua e tão pura, que o médico, com um riso amigável e dando-me uma palmadinha na cara, empurrou-nos para fora.

Eu esperava que, quando tornássemos a entrar em casa, minha mãe me cobrisse de insultos e mesmo me tornasse a bater. Bem longe disso, vi, pelo contrário, àquela hora avançada, acender o gás e começar a cozinhar para mim, sem dizer palavra. Pôs a frigideira ao lume, voltou à sala, desembaraçou um canto da mesa dos trapos que lá estavam e pôs a toalha. Eu tinha-me sentado no divã, para onde ela me arrastara pelos cabelos, e olhava-a em silêncio. Estava aparvalhada. Não só não me repreendia como a sua cara deixava transparecer uma estranha satisfação, que ela tentava esconder. Quando acabou de pôr a toalha, foi à cozinha, depois tornou a voltar trazendo um prato na mão e disse-me:

— Agora vais comer!

Para dizer a verdade, eu tinha bastante fome. Levantei-me e fui sentar-me, um pouco atrapalhada, na cadeira que minha mãe me indicou a seguir. No prato estavam dois ovos e um bocado de carne assada.

— Mas isto é muito! — disse-lhe.

— Come… vai fazer-te bem — respondeu-me. — Precisas de comer!

Era uma coisa extraordinária este seu bom humor, um pouco malicioso talvez, mas nada hostil. Quase com bom modo, acrescentou, passado um momento:

— O Gino nem sequer pensou em dar-te de comer?

— Nós adormecemos — respondi. — E depois já era muito tarde.

Ela nada disse, e ficou de pé a ver-me comer. Era sempre assim que ela fazia: servia-me e ficava a ver-me comer, depois, por sua vez, ia comer para a cozinha.

Durante muito tempo não comeu comigo à mesa. Comia sempre menos do que eu: ou eram as minhas sobras, ou qualquer coisa diferente e pior. Eu era para ela uma espécie de objecto precioso e delicado que era preciso tratar com todo o cuidado, o único objecto precioso que possuía.

Já há muito tempo que esta servidão admirativa e lisonjeadora não me perturbava. Mas desta vez a sua serenidade, o seu ar contente, inspiravam-me uma penosa inquietação. Ao fim de uns instantes comecei a falar:

— Tu zangaste-te — disse-lhe — por eu ter feito isto, mas ele prometeu casar comigo… não tardará a fazê-lo.

— Não me zanguei… naquele momento enfureci-me porque esperei toda a noite e estava em cuidado… Mas agora come, e não penses mais nisso.

O seu tom de evasiva e falsa calma, que fazia lembrar a maneira como se fala às crianças quando não se quer responder às suas perguntas, inquietou-me ainda mais:

— Porquê? Não acreditas que ele case comigo?

— Com certeza que acredito! Mas agora come!

— Não, tu não acreditas!

— Acredito, não tenhas medo! Vá, come!

— Não como mais se não me dizes o que se passa contigo! — declarei, exasperada. — Porque estás com um ar tão contente?

— Não, não estou com um ar contente.

Agarrou no prato vazio e levou-o para a cozinha. Esperei que ela voltasse, e disse outra vez:

— Então, porque estás contente?

Olhou-me longamente em silêncio e depois respondeu com uma gravidade ameaçadora:

— É verdade, sim. Estou contente.

— E porquê?

— Porque agora tenho a certeza de que Gino já não casará contigo e te vai deixar!

— Porque não há-de casar? Era preciso que tivesse uma razão!

— Não casará e abandonar-te-á! Vai divertir-se à tua custa e não te dará nem uma cabeça de alfinete, um esfomeado como ele é. E depois larga-te!

— E é por isso que estás tão contente?

— Com certeza. Agora estou certa de que não casará contigo!

— Mas em que pode isso satisfazer-te? — gritei indignada e ao mesmo tempo aborrecida.

— Se quisesse casar contigo não te teria desonrado — disse ela bruscamente. — Eu estive noiva dois anos do teu pai, e até ao dia do casamento ele apenas me deu um ou outro beijo. Ele vai divertir-se e depois abandonar-te… Podes ter a certeza… E estou contente por ele te abandonar, porque se casasse contigo estavas perdida!

Não podia deixar de reconhecer que certas coisas que ela me dizia eram verdadeiras. Os olhos encheram-se-me de lágrimas.

— Eu bem sei que não queres que eu constitua família. Tu queres que eu venha a ter a mesma sorte que a Angela.

Angela era uma rapariga do bairro que, depois de ter estado noiva duas ou três vezes, acabou por se entregar abertamente à prostituição.

— Que tenhas uma boa situação é o que eu quero — respondeu com um ar obstinado. E, levantando os pratos, levou-os para a cozinha para os lavar.

Ficando só, reflecti muito tempo sobre a conversa de minha mãe. Estabeleci uma comparação entre as suas palavras e as promessas e a conduta de Gino e pareceu-me impossível que fosse ela a ter razão. Mas a sua segurança, a sua calma, o seu tom de previsão desconcertaram-me. Entretanto, minha mãe lavava a louça na cozinha. Ouvi-a guardar os pratos no aparador e ir para o quarto. Depois de uns instantes, vencida e humilhada, fui deitar-me também.

No dia seguinte perguntava a mim mesma se devia ou não contar a Gino as suspeitas da minha mãe. Depois de muita hesitação resolvi nada dizer.

Na realidade, eu tinha tanto medo que Gino me abandonasse, como minha mãe insinuara, que temia que, comunicando-lhe a opinião dela, lhe pudesse sugerir a ideia. Percebi pela primeira vez que a mulher que se entrega a um homem fica de tal maneira na sua dependéncia que já não tem meio de seguir a vontade própria. Mas não estava menos convencida de que Gino cumpriria a sua promessa. Logo que o tornei a ver, a sua atitude confirmou a minha convicção.

Eu esperava, decerto, que ele me iria cumular de atenções e carícias, mas temia que guardasse siléncio sobre o casamento, ou pelo menos não falasse nisso senão de uma maneira esporádica. Pelo contrário, assim que parou o carro na avenida do costume, Gino disse-me que já fixara a data do casamento: seria dali a cinco meses, o mais tardar!

A minha alegria foi tal que me atribui as ideias de minha mãe e não pude deixar de dizer:

— Sabes o que eu pensava, pelo contrário? Que depois do que se passou ontem irias abandonar-me.

— Como? — disse, tomando um ar vexado. — Tu tomas-me por um vigarista?